Protocolo de depoimento especial de crianças e adolescentes em processos de alienação parental é debatido na EPM

Palestraram Augusto Lepage e Ana Carolina Belmudes.
 
A EPM realizou ontem (12) o curso on-line para magistrados Protocolo de depoimento especial de crianças e adolescentes em processos relativos à alienação parental: aspectos processuais, com exposições dos juízes Augusto Drummond Lepage, coordenador do evento, e Ana Carolina Della Latta Camargo Belmudes.

Na abertura, o desembargador Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa, também coordenador do evento, lembrou o objetivo do evento de debater o Protocolo de depoimento especial de crianças e adolescentes em processos relativos à alienação parental, adotado pelo Conselho Nacional de Justiça, conforme Recomendação nº 157/24. Ele ressaltou que o tema do encontro é polêmico e enfatizou a necessidade de os magistrados evoluírem no tratamento da matéria, para exercerem a jurisdição com criatividade e sem danos às crianças e aos adolescentes.

A desembargadora Daniela Maria Cilento Morsello, também coordenadora do curso, lembrou que o evento é uma parceria das coordenadorias de Infância e Juventude e de Família e Sucessões da Escola e parabenizou a iniciativa do juiz Eduardo Rezende Melo, também coordenador do encontro, salientando a relevância e a atualidade do tema. “A introdução desse depoimento pessoal na área de família é importante, porque a alienação parental é uma imputação muito comum em processos de família e de difícil comprovação, mesmo por meio de prova pericial. O depoimento especial, com suas peculiaridades, pode ser muito frutífero nos processos de família e de infância e juventude”, ponderou.
 
Iniciando as exposições, o juiz Augusto Lepage observou que talvez não haja no Direito de Família um assunto tão controvertido como a alienação parental. Ele recordou que o conceito de alienação parental e de sua síndrome foram criados pelo psiquiatra infantil e perito judicial norte-americano Richard Gardner, na década de 1980, para descrever a situação de manipulação da criança por um dos genitores para que ela rejeite o outro genitor, sem justificativa válida, observada em disputas de custódia.

Ele lembrou que a síndrome da alienação parental não é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, nem tem respaldo científico ou universitário, mas no Brasil foi positivada pela Lei nº 12.318/10 (Lei da Alienação Parental), fato único no mundo, ponderando que essa positivação trouxe a popularização e certa vulgarização do termo. “Qualquer genitor ou cuidador que tem alguma dificuldade no trato com o seu filho acusa o outro de alienação parental, o que muitas vezes pode significar uma desculpa para a não proximidade emocional do genitor com seu filho”, ponderou.

O palestrante lembrou que o artigo 2º da Lei nº 12.318/10 considera ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança que repudia o genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com ele. Acrescentou que o artigo 4º da Lei nº 13.431/17 (Lei da Escuta Protegida), que estabelece o depoimento especial, considera ato de violência psicológica o ato de alienação parental e reproduz o conceito definido na Lei nº 12.318/10. Informou ainda que tramitam no Congresso Nacional três projetos de lei que revogam completamente a Lei da Alienação Parental.

O expositor lembrou que a Lei nº 13.431/17 não trata apenas das violências psicológica e física, mas também positiva o conceito de violência institucional, que é aquela praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização, conceituada no Decreto 9.603/18: “discurso ou prática institucional que submeta crianças e adolescentes a procedimentos desnecessários, repetitivos, invasivos, que levem as vítimas ou testemunhas a reviver a situação de violência ou outras situações que gerem sofrimento, estigmatização ou exposição de sua imagem”.

Em relação ao depoimento especial, explicou que se trata de procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária, conforme definido pela Lei nº 13.431/17. E acrescentou que o artigo 11 da lei prevê que o depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma vez em sede de produção antecipada de prova, garantida ampla defesa do investigado.

Augusto Lepage ponderou que, a despeito da falta de respaldo científico da síndrome da alienação parental, na prática existe a rejeição da criança e do adolescente ao contato parental com um dos cuidadores. “Há inúmeros casos e muitos deles não estão relacionados com a prática ou com a falsa acusação de abuso sexual. Esse fenômeno ocorre quando o juiz de família prevê a convivência com o cuidador não residente e há uma recusa da criança em conviver com esse cuidador. Isso acontece por inúmeras razões e muitas vezes a recusa pode ser legítima”, observou, lembrando que o protocolo nomeia vários tipos de recusa, como as lealdades invisíveis, alinhamento patológico, jogos familiares, interferência na visitação de crianças, resistência à visitação, polarização dinâmica de recursos e resistência. 

Ele ressaltou que para que o juiz possa analisar a questão é necessária a escuta da criança, o que está de acordo com o princípio do protagonismo infantil, “a necessidade de encarar a criança como um sujeito de direito, que deve participar da construção de uma decisão a respeito do seu destino”. Explicou que essa participação pode se dar de inúmeras maneiras, mas a criança precisa ser ouvida de maneira democrática e especial, adequada ao seu nível de desenvolvimento e num linguajar compatível com o dela, cuidando-se para que a colheita da opinião e do relato da criança seja a mais fidedigna possível, diante da possibilidade de manipulação psicológica e de sugestionabilidade infantil. 

Augusto Lepage explicou que essa oitiva pode se dar por meio de entrevista de uma perícia ou de depoimento especial, que é feito em juízo, por um profissional capacitado, com a participação do juiz, numa sala especial. “O depoimento pessoal não substitui a perícia, mas é um modo alternativo de captação da vontade da criança e do seu relato fidedigno”, frisou. Ele ponderou que o protocolo dá a entender em alguns trechos que o procedimento prevalente seria a perícia e não o depoimento especial e observou que a jurisprudência caminha nesse sentido, inclusive para evitar a revitimização, citando julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo, mas lembrou que também há jurisprudência de prevalência do depoimento especial.
 
Utilização do depoimento especial em casos de alienação parental
 
Na sequência, a juíza Ana Carolina Belmudes discorreu sobre a dinâmica do depoimento especial em casos de alienação parental. Ela falou inicialmente sobre sua experiência no Setor de Atendimento de Crimes da Violência contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas (Sanctvs), onde presidiu audiências criminais e atuou como entrevistadora em depoimentos especiais de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes e percebeu a importância de dar efetividade ao direito de voz e ao superior interesse da criança e do adolescente, experiência que levou para a área de família. “O depoimento especial não é somente uma forma de tomar o depoimento de crianças e adolescentes perante a autoridade judicial ou policial ou de produzir prova nos processos de família, mas um instrumento de proteção e de concretização do princípio do protagonismo infanto-juvenil”, frisou.
 
Integrante do grupo de estudos criado pelo CNJ para elaboração do Protocolo de depoimento especial de crianças e adolescentes em processos relativos à alienação parental, ela explicou que a missão do protocolo, é tornar mais simples e eficaz a possibilidade de crianças e adolescentes, pessoas em desenvolvimento, trazerem sua contribuição para a solução do conflito familiar que a eles diz respeito, de maneira a considerar sua opinião ou expressão, em um processo em que se busca o melhor interesse da criança adolescente.
 
A expositora enfatizou os cuidados que devem ser tomados na concretização desse direito de participação nos processos e salientou que o protocolo é um instrumento de proteção, lembrando que o depoimento especial nas ações de família integra a doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes. Ela explicou que o protocolo apresenta um glossário com os termos e conceitos relacionados ao tema, diretrizes gerais para a oitiva de crianças e adolescentes, diretrizes específicas para atuação em procedimentos de oitiva de crianças e adolescentes em processos de família e um roteiro para a realização dessa oitiva. 
 
Em relação às diretrizes do protocolo, destacou a necessidade de garantir um atendimento humanizado, em que as crianças e adolescentes possam exercitar o direito de exprimirem suas opiniões livremente, por meio de um relato livre, sem muita intervenção e sem sugestionamento, bem como de ficar em silêncio, em um local apropriado, reservado, silencioso, acolhedor e sem muitas informações. 
 
Ana Carolina Belmudes ressaltou também a importância da cooperação judicial entre as varas da Infância e Juventude e criminais, por meio do compartilhamento de informações e de provas, além da possibilidade de produção de prova conjunta e de uniformização de procedimentos.
 
MA (texto) / MB (imagem)


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