Raízes históricas da Justiça brasileira são debatidas na EPM

Andrea Slemian foi a expositora.

A EPM realizou hoje (14) a palestra Poder Judicial no Império do Brasil: dos juízes de paz ao Supremo Tribunal de Justiça, ministrada pela professora Andrea Slemian. Ela apresentou um panorama das tensões, experimentações institucionais e disputas políticas que marcaram a formação da Justiça brasileira no século XIX, demonstrando como a criação dos juízes de paz e dos jurados, a revisão legislativa e o papel singular do Supremo Tribunal de Justiça revelam um país em busca de estabilidade e de um modelo de separação de poderes capaz de responder à complexidade do Estado imperial.

A abertura foi realizada pelo diretor da EPM, desembargador Gilson Delgado Miranda, que agradeceu a presença de todos, em especial da palestrante, e ressaltou o sucesso do curso, com matriculados de 50 comarcas e 20 estados. 

A desembargadora Luciana Almeida Prado Bresciani, coordenadora da área de Estudos em História e Memória da EPM e do curso e presidente eleita da Seção de Direito Público para o biênio 2026/2027, prestou homenagem ao desembargador Ricardo Dip, recentemente aposentado, destacando sua trajetória “marcada por ética, estudo e dedicação à Justiça” e sua atuação como supervisor da Biblioteca do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ela convidou todos a participarem do próximo evento da Escola área, Bibliotecas do Poder Judiciário: elos entre passado e futuro, que será realizado no próximo dia 28.

O juiz Carlos Alexandre Böttcher, também coordenador da área de Estudos em História e Memória da EPM e do curso, deu boas-vindas aos participantes e registrou o marco histórico da eleição das desembargadoras Luciana Bresciani e Sílvia Rocha, as duas primeiras magistradas eleitas para cargos de direção e cúpula no TJSP.

Também participou dos debates o presidente da Seção de Direito Público do TJSP e coordenador da área de Direito Ambiental da EPM, desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho.

Andrea Slemian destacou que a compreensão do chamado “Poder Judicial” no Brasil só se torna possível quando se volta ao Império do Brasil, período que ela considera um laboratório político e jurídico ainda pouco explorado. Ela afirmou que os primeiros anos do século XIX foram marcados por intensas experiências institucionais, num cenário em que o novo Estado independente precisava construir suas estruturas em meio a um território fragmentado e a tradições herdadas de Portugal. Nesse contexto, ponderou que o desafio da formação do Poder Judiciário surgiu antes da Independência, exigindo soluções inéditas para organizar a Justiça em um país cuja unidade política ainda estava longe de se consolidar.

A expositora enfatizou que essas primeiras décadas do século XIX deixaram marcas profundas, especialmente no modo como se pensou a separação de poderes, a responsabilidade dos magistrados e o papel dos tribunais na jovem monarquia constitucional. Ao recuperar debates da Constituinte de 1823, ela lembrou que temas como a criação de jurados e juízes de paz, entendidos como instrumentos de Justiça popular, buscavam enfrentar a desconfiança em relação à magistratura e responder a um ideal liberal que valorizava a participação local. Ela observou que revisitar esse período permite perceber que o Brasil acumulou uma rica experiência institucional, decisiva para compreender as tensões entre independência judicial, controle das decisões e formação da jurisprudência, que atravessariam o século XIX.

Andrea Slemian destacou que esse cenário de intensa disputa institucional revela como o modelo judicial do Império se construiu em meio a tensões permanentes entre Justiça popular, magistratura letrada e projetos políticos. Ela ponderou que a criação dos juízes de paz e dos jurados não só ampliou a participação social como também expôs a fragilidade de uma cultura jurídica em formação, sujeita a pressões locais, desigualdade social e ausência de mecanismos consolidados de padronização. Esse contexto explicaria, em grande medida, o crescente incômodo das elites políticas diante do protagonismo popular e do movimento regressista que ganhou força nos anos seguintes.

A professora enfatizou que a produção normativa do período, marcada por revisões aceleradas e sobreposição de dispositivos, expressa tanto a experimentação institucional quanto a dificuldade de estabilizar uma estrutura judicial coerente. Ela considera a revisão de 1841 um momento-chave de recentralização do poder, no qual se buscou subtrair a autonomia das instâncias populares e fortalecer autoridades nomeadas pelo governo imperial. Observou que esse processo não pode ser visto apenas como reação à “ineficiência”, mas como parte de uma disputa mais profunda sobre quem deveria interpretar a lei, aplicar a justiça e controlar a segurança pública em um território vasto e heterogêneo.

Por fim, Andrea Slemian sublinhou que essas disputas ajudam a compreender o papel peculiar do Supremo Tribunal de Justiça, um tribunal revisor, não propriamente uma instância de julgamento final, cuja atuação dependia das relações e da efetiva disposição das instâncias inferiores em acatar as suas orientações. Ela encerrou dizendo que a tensão entre a função vigilante do Tribunal e a possibilidade concreta de suas determinações não serem seguidas revela uma estrutura judicial ainda marcada pela lógica do Antigo Regime, convivendo com ideias liberais recém-importadas.

RL (texto) / MB (fotos) 


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