Curso ‘Direito e questão racial’ debate colorismo, negritude e branquitude

 

Lia Vainer Schucman foi a expositora.

 

Os temas “Colorismo, negritude e branquitude” foram debatidos no dia 15 no curso de Direito e questão racial da EPM, com exposição da professora Lia Vainer Schucman e participação das juízas Camila de Jesus Mello Gonçalves e Flávia Martins de Carvalho, coordenadoras do curso. A gravação da aula pode ser acessada no canal da EPM no YouTube.

 

Inicialmente, a expositora esclareceu que o conceito de raça foi criado na Europa do século XIX, a fim de justificar uma divisão hierárquica, que colocou a raça branca no topo. Ela explanou sobre como se construiu a ideia de raça e como isso trouxe privilégios para o que é nomeado como grupo dos brancos. “A ideia de raça é uma forma de dar significado às relações de poder históricas construídas na sociedade”, enfatizou.

 

A professora ponderou que não há embasamento biológico que justifique a ideia de raça, da maneira como foi concebida, tanto que isso já foi descartado pela ciência. Ela esclareceu que o conceito de etnia possui elementos intrínsecos ou essenciais, pois engloba povos com uma base filosófica, cultural, religiosa e linguagem semelhantes, o que não ocorre no conceito de raça. “Quando se fala de grupos raciais, falamos de uma formação geopolítica, de uma relação de poder”, aduziu.

 

A palestrante explicou que essas relações funcionam através da ideia de que um fenótipo terá uma continuidade moral, intelectual e estético. “Ou seja, se eu falar que os japoneses são determinados, eu estou usando a ideia de raça, estou pegando um fenótipo e estou atribuindo um componente intelectual a esse sujeito. Se eu falar que os negros dançam bem, eu estou atribuindo ao fenótipo uma condição estética porque a dança é uma condição estética e cultural. Se eu falar que os brancos são trabalhadores, eu estou usando um fenótipo para atribuir um componente moral a esse sujeito e, além disso, a ideia de civilização”, elucidou.

 

Lia Schucman observou que na sociedade brasileira a ideia de raça está em funcionamento o tempo todo. “A ideia de raça produz uma ideia de superioridade e não uma simples classificação, mas uma classificação hierárquica que coloca o branco num lugar de superioridade moral, intelectual e estético”, enfatizou. A expositora esclareceu que a ideia de raça que se estuda atualmente surgiu na década de 1960 e corresponde à ideia de “raça social” que é produtora de desigualdade. E acrescentou: “Raça social são construtos sociais, formas de identidades baseadas numa ideia biológica errônea, mas eficaz socialmente para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios”, explicou.

 

A professora explicou que foi desconstruída a ideia de que a questão cultural possa ser definidora de raça, pois os brancos podem produzir (e produzem) o que era concebido como cultura negra, como o samba, por exemplo, e vice-versa. Ela explicou que o racismo brasileiro pode ser entendido através de quatro pontos fundamentais: ideologia do embranquecimento; intimidade e hierarquias; mito da democracia racial e aprendizagem.

 

A palestrante elucidou que a ideologia (ou política) do embranquecimento da população surgiu após a libertação da escravidão, quando houve o incentivo para a imigração de europeus e asiáticos. Ela explicou que com essa política de imigração os descendentes de africanos ficaram relegados à própria sorte e que o conceito de “branquitude” teve grande influência na hierarquização dos postos de trabalho. A palestrante citou ainda o historiador e sociólogo Francisco José de Oliveira Viana (1883 a 1951), que afirmou, na época, que o branco teria genes superiores e a mestiçagem tornaria o país branco; pensamento que, à época, foi aceito culturalmente.

 

A professora acrescentou que a ideia de intimidade e hierarquia vem da crença de que apenas onde o segregacionismo é explícito existe racismo e que em países como o Brasil não há racismo. Ela esclareceu que essa relação de intimidade, em geral, é acompanhada de hierarquia e que a identidade racial no Brasil é construída segundo o fenótipo da pessoa e por ele se define o lugar social de cada um. A respeito do mito da democracia racial, entendido como o mito de oportunidades iguais para todos, a palestrante esclareceu que se desconsidera o fato de que há um privilégio branco, decorrente de uma herança histórica e cultural.

 

Por fim, Lia Schucman explicou o quarto ponto fundamental: a ideia de aprendizagem do conceito de racismo. Ela elucidou que o racismo é transmitido por meio dos jornais, revistas, filmes, publicidade, entre outros, onde os brancos sempre ocupam posições de poder e padrão estético e isso é apreendido desde a primeira infância. A professora enfatizou como tudo isso se incorpora na estrutura da sociedade. E asseverou que simplesmente dizer que raça não existe e que todos nós somos uma só raça (humana), não resolve, pois são as relações de poder que formam a ideia de raça. “Não adianta acabar com a ideia de raça sem acabar com o racismo, sem mexer nas relações de poder. Não olhar para o problema não resolve”, ponderou.

 

LS (texto) / Reprodução (imagem)


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