Importância do juiz no Direito Contratual contemporâneo é debatida na EPM
Jurista português António Menezes Cordeiro foi o expositor.
A EPM realizou na sexta-feira (30) o seminário A importância do juiz no Direito Contratual contemporâneo, com exposição do professor António Menezes Cordeiro, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) e presidente emérito do Centro de Investigação de Direito Privado (CIDP) do Instituto de Direito Privado da FDUL.
Na
abertura, o diretor da EPM, desembargador Gilson Delgado Miranda, destacou o
objetivo do evento de discutir o papel fundamental e multifacetado do juiz no
Direito Contratual e agradeceu a participação de todos, em especial do
palestrante, salientando que ele é uma referência no Brasil e tem mais de 13
mil citações em acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O corregedor-geral
da Justiça, desembargador Francisco Eduardo Loureiro, também enalteceu a
participação do palestrante, enfatizando que suas obras deram origem à doutrina
civilista do Brasil, com destaque para aquela referente aos princípios
contratuais e à boa-fé objetiva. Ele ressaltou que o papel do juiz no contrato é
uma questão central e que há uma discussão permanente no Brasil e na Europa sobre
os limites da atuação do magistrado na interpretação de um contrato.
Também compuseram a mesa de abertura os desembargadores Fábio Guidi Tabosa Pessoa e Márcia Regina Dalla Déa Barone e a juíza Ana Carolina Della Latta Camargo Belmudes.
António Menezes Cordeiro recordou inicialmente que a chave da ciência do Direito é a previsibilidade: “perante determinado problema, tem que ser previsível a solução que se vai encontrar e isso é possível se houver efetivamente uma ciência do Direito eficaz e atuante”.
Ao falar sobre a aplicação da lei pelo juiz, observou que ela não pode ser feita com automatismo, ao menos por quatro razões: a existência de lacunas na legislação, situações em que não há solução jurídica ou regra explícita e é preciso recorrer à integração de várias regras; os conceitos indeterminados, que não têm conteúdo claro e precisam ser preenchidos com valorações; princípios jurídicos em contradição, em que é preciso decidir no caso concreto, qual deles prevalecerá; e as normas injustas, quando surgem em oposição ao sistema.
Em relação ao processo de realização do Direito pelo juiz, recordou as seis fases positivistas: descobrir qual a fonte aplicável; interpretar essa fonte; integrar eventuais lacuna; determinar qual é a matéria de fato relevante; fazer a subsunção, ou seja, inserir esses fatos dentro de conceitos ou realidades jurídicas; e a decisão. “O processo de realização do Direito é um processo de decisão humana. Essa decisão percorre de cima abaixo todo o processo, que vai desde a localização da fonte até a solução final, sendo que à montante temos o pré-entendimento, que é a experiência do aplicador do Direito, e à jusante temos a ponderação das consequências”, frisou.
Ele ressaltou que quando se fala na importância do juiz no Direito Contratual contemporâneo, há um desafio quanto aos conceitos indeterminados, sobretudo a boa fé. Ele lembrou que a boa-fé desempenhou vários papéis ao longo da história, até passar a ser utilizada como um instrumento jurídico, distinguindo-se em objetiva e subjetiva. Ele conceituou a boa-fé objetiva como a projeção em cada caso concreto dos valores fundamentais do sistema. “Quando um juiz toma determinada decisão para um caso concreto, ele não aplica uma norma isolada – todo o sistema jurídico está em cima da mesa”, observou. Já a boa-fé subjetiva seria um estado de espírito, o desconhecimento sem culpa, ou seja, tendo observado as cautelas necessárias. Acrescentou que a boa-fé objetiva mostrou uma extraordinária capacidade de segregar institutos concretos e foi reforçada pela necessidade dos magistrados de encontrarem soluções razoáveis, plausíveis, na ausência de leis. “Nos últimos 100 ou 150 anos, todas as novidades da ciência do Direito, não apenas no Direito Civil, praticamente são fruto da boa-fé objetiva”, salientou.
O professor lembrou que o contrato é um acordo de vontades e ponderou que praticamente só é possível se admitir que ele não possa ser cumprido quando a prestação se tornou impossível por causa não imputável ao devedor, o contrato não era válido ou se alguma lei assim o determinar. Quanto à possibilidade de intervenção do juiz no contrato, recordou que o Direito Romano já admitia, em certos casos, que determinadas obrigações pudessem não ser observadas e lembrou que quando se celebra um contrato há o pressuposto de que as circunstâncias que existiam no momento se mantêm. Ele acrescentou que, ao longo da história, há um movimento oscilatório, havendo períodos em que se admite a revisão de um contrato por alteração de circunstâncias e outros em que não se admite.
Ele ponderou que a possibilidade de alterar os contratos quando se modificam as circunstâncias é uma das questões mais difíceis do Direito Civil. “É muito fácil explicar o que é uma alteração das circunstâncias e quais são os institutos capazes de ultrapassar, mas dizer em termos genéricos qual é o quantum das alterações, em que circunstâncias esse quantum pode efetivamente ser atendido, é uma área que a ciência do Direito ainda não consegue cobrir descobrir totalmente, mas temos pistas”, asseverou.
Nesse contexto, explicou que, quando existe uma cláusula geral de boa-fé, a ciência do Direito está dando poderes ao juiz para resolver o caso, porque o legislador é incapaz de pôr na lei tudo que pode suceder a um determinado contrato. “Portanto, o juiz pode efetivamente intervir, mas de acordo com a ciência do Direito”, frisou, lembrando que devem ser observados os pressupostos da alteração das circunstâncias: “as circunstâncias têm que ser objetivas, tem que haver uma alteração considerável, deve haver uma parte prejudicada, deve haver uma situação anormal, imprevisível, não coberta pelos riscos do negócio”.
António Menezes Cordeiro ponderou que a solução para a indagação sobre a partir de que altura se justifica que o juiz intervenha no contrato, o Direito ainda não consegue responder, mas há pistas, como a distribuição do prejuízo, a partir de certas margens. Quanto à alteração das circunstâncias, observou que, em contratos que pressupõem grande margem de risco, o juiz pode intervir, mas apenas quando houver alterações consideráveis; nos contratos normais, o juiz não precisa ser tão exigente com o quantum da alteração para justificar a sua intervenção; e nos contratos em que estão em causa interesses públicos, em especial os contratos administrativos, o tribunal pode ser mais benevolente na revisão do contrato, porque, se ele não for revisto, pode cessar a prestação de serviço público.
“O juiz, quando aplica a lei, está sempre a aplicar a sua ciência, a fazer apelo aos valores fundamentais, mas nós estamos no Direito Privado, que é o Direito de liberdade, e a menos que a lei proíba, as partes podem fazer tudo aquilo que quiserem. A liberdade é livre-arbítrio, pura e simplesmente. Se partes assumem uma atividade de conduta, os contratos devem ser cumpridos, ou então não há sociedade nenhuma possível, mas sempre com limite da ciência do Direito e realmente as ordens jurídicas têm dado aos juízes poder para em certas circunstâncias intervir. Este é o vosso desafio. Vocês têm esses poderes soberanos para intervir nos limites da ciência do Direito e estou convencido que vão fazer um bom uso dele”, concluiu.
Também estiveram presentes os desembargadores Ricardo Cunha Chimenti, vice-diretor da EPM; Tasso Duarte de Melo, José Marcelo Tossi Silva, José Maria Câmara Junior e Alberto Gosson Jorge Junior; e os juízes Ana Luiza Queiroz do Prado, Eduardo Palma Pellegrinelli, Luciana Caprioli Paiotti, Renata Coelho Okida, Ricardo Felício Scaff, Claudia de Lima Menge, Christopher Alexander Roisin e Alexandre de Mello Guerra, entre outros magistrados, servidores e outros profissionais.
MA (texto) / MB (fotos)