Procurador geral do Estado fala sobre súmula vinculante e atividade normativa do Poder Legislativo na EPM

O procurador geral do Estado, Elival da Silva Ramos, proferiu a palestra “Súmula vinculante e atividade normativa do Poder Legislativo”, na EPM, no dia 20 de abril. O evento fez parte da programação do 7º curso de pós-graduação lato sensu, especialização em Direito Público, e teve a participação do juiz Marcos de Lima Porta, coordenador do curso e responsável pela Coordenadoria de Direito Urbanístico da Escola. 

Inicialmente, Elival da Silva Ramos discorreu sobre a separação dos poderes, recordando que ela remonta ao começo da prática da democracia e foi idealizada por Montesquieu, tendo como base a identificação e atribuição das funções mais importantes do Estado a órgãos distintos – com prerrogativa de independência –, que passam a deter o poder. Ele observou que, com o aumento da complexidade do Estado, esse modelo passou por profundas mudanças, chegando à pluralidade de órgãos de poder e de funções do Estado contemporâneo. “A separação de poderes é um princípio que integra a noção de Estado de Direito e democracia”, ressaltou. 

O palestrante ponderou que a Constituição brasileira comete um equívoco, em relação à separação, ao falar em três Poderes, porque segue uma estrutura presidencialista rigorosa, em que o modelo de separação é o clássico. “Há dois modelos de separação de poderes: o rígido (presidencialismo), adaptado à democracia liberal, e o flexível (parlamentarismo), adaptado à democracia social”, explicou, salientando que, no Brasil, foi adotado um modelo de separação ou de organização de poderes liberal, o que não é compatível com o modelo de Estado (social). “Temos um Estado com perfil finalístico europeu e modelo de organização norte-americano”, explicou, frisando que não há um modelo universal de separação, apenas um princípio de separação de poderes.  

Em relação à atividade normativa do Poder Legislativo, ponderou que há uma crise funcional, apontando as dificuldades para se lidar com a quantidade de leis e com os prazos – em especial, pela própria característica democrática do Legislativo, em que as decisões são colegiadas. Destacou, também, as dificuldades técnicas, lembrando que, diante da complexidade cada vez maior das leis, houve um deslocamento da função legislativa para o Executivo – que tem apoio técnico –, restando ao Legislativo aprovar ou rejeitar os projetos de lei, exercendo, assim, o controle da política pública. “Com isso, embora ainda prepondere no processo legislativo, o sentido da intervenção do Legislativo nesse processo passa a ficar muito perto de uma função de controle”, observou.

Súmula vinculante

Outro tema analisado por Elival da Silva Ramos foi a súmula vinculante. Ele salientou que, em relação a sua conveniência, é preciso avaliar se a sumula é adequada a sua finalidade – evitar soluções não harmônicas ou não uniformes (insegurança jurídica) e diminuir a sobrecarga do Supremo Tribunal Federal (multiplicidade de processos sobre questões idênticas) – e, em caso positivo, se tem “efeitos colaterais”.

Ele ponderou que a súmula vinculante melhora a uniformização, mas não uniformiza o entendimento, de maneira cabal, uma vez que o sistema de controle constitucional brasileiro é difuso e incidental. “O controle de constitucionalidade, no Brasil, em grande parte, é feito incidentalmente, por qualquer juiz que seja competente, processualmente, no caso concreto”, ressaltou, lembrando, ainda, que o STF não julga “de ofício”, sendo necessário um recurso para que o processo chegue a sua apreciação. “Assim, a súmula não traz uma garantia de cabal uniformidade, o  que só ocorreria se houvesse concentração de competência”, frisou.

Quanto à outra finalidade, ponderou que, em um primeiro momento – o atual –, a aplicação da súmula diminui o número de recursos, mas, a tendência é que, em uma segunda etapa, haja aumento da sobrecarga do STF. “Conforme apontou o ministro Eros Grau, a súmula vinculante é um ato normativo e não uma decisão judicial”, explicou, lembrando que toda decisão judicial parte da inércia da jurisdição, enquanto que a súmula pode ser editada “de ofício”. “Além disso, o STF não é obrigado a responder, imediatamente, a uma provocação de súmula”, recordou. 

Nesse contexto, ressaltou que, como qualquer norma, a súmula é passível de interpretação, sendo inevitável a ocorrência de discordância. “Havendo dissídio de interpretação, ele se transforma em processo. Com isso, o STF corre o risco de se afogar em reclamações – com o agravante de que elas podem se protocoladas diretamente, sem passar por uma triagem, como o recurso extraordinário”, explicou, concluindo que a súmula vinculante não é solução para a sobrecarga. “A solução real passa pela discussão das competências do STF, de forma a torná-lo mais funcional, com menos poder, no caso concreto, mas mais poder no sistema jurídico, se atendo à matéria constitucional e às questões mais relevantes”, ressaltou, apontando, também, a importância de se valorizar a 1ª e a 2ª instâncias judiciais e do estudo dos autores brasileiros e das soluções legislativas do passado. 

Por fim, Elival da Silva Ramos salientou que a súmula pode provocar, como efeito colateral, uma “fossilização” do Direito brasileiro. Ele lembrou que o sistema jurídico do País é legiscêntrico – com leis em profusão –, seguindo a tradição romano-germânica e não a anglo-saxônica – marcada pelo Direito jurisprudencial, com poucas leis e valorização da regra do precedente. “Em vez de verificarmos a origem do nosso sistema e para onde ele pode caminhar, copiamos algo que vai na contramão do nosso modelo jurídico. Embora a súmula vinculante tenha suas qualidades, analisando a questão por um panorama mais amplo, poderíamos encontrar outras soluções, com resultados melhores”, concluiu.


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