Desafios da nova política antimanicomial são debatidos na EPM

Implicações da Resolução nº 487/23 do CNJ foram discutidas.

A EPM realizou na sexta-feira (19) o curso Desafios da nova política antimanicomial, com exposições do psiquiatra forense Guido Arturo Palomba, do procurador de Justiça Paulo José de Palma e da juíza assessora da Corregedoria Geral da Justiça Jovanessa Ribeiro Silva Azevedo Pinto. O evento teve 776 matriculados nas modalidades presencial e on-line, abrangendo 131 comarcas e 18 estados. 

Na abertura, o desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan, coordenador do curso, lembrou que a Resolução nº 487/23 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, prevê o fechamento dos estabelecimentos de custódia e tratamento psquiatrico, previstos na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84). Ele ponderou que a edição da resolução traz muita intranquilidade, enfatizando que o estado de São Paulo tem cerca de mil presos inimputáveis, perigosos, o que corresponde à metade do total do país, e que, segundo a resolução, teriam que ser colocados em hospitais comuns.

Compuseram também a mesa de trabalhos os juízes Gláucio Roberto Brittes de Araújo e Elaine Cristina Monteiro Cavalcante, coordenadores do curso.

Iniciando as exposições, Guido Palomba recordou que a base da imputabilidade penal, é a capacidade de alguém cometer um crime, entender o que estava fazendo e determinar-se de acordo com esse entendimento, pressupostos que são avaliados pelo perito. Ele lembrou que o Código Penal tem quatro figuras para atribuição de imputabilidade penal, que abrangem todos os transtornos mentais descritos pela Psiquiatria: doença mental, desenvolvimento mental incompleto (menor de idade, surdo-mudo de nascença e silvícola não aculturado), desenvolvimento mental retardado (diminuição da inteligência) e perturbação da saúde mental.

O expositor esclareceu que a doença mental é a ruptura com a realidade, citando como exemplos as psicoses alcoólicas e epiléticas e a esquizofrenia. Em relação à perturbação da saúde mental, explicou que ela abrange os indivíduos que se encontram em uma zona fronteiriça entre a doença mental e a normalidade mental, conhecidos como psicopatas ou, condutopatas, como ele prefere, porque a anormalidade está na conduta dos indivíduos. Ele frisou que todos os crimes praticados por doentes mentais ou por condutopatas são bizarros e só podem ser compreendidos do ponto de vista psicopatológico.

Guido Palomba explicou que a cessação da periculosidade é verificada pelo perito a partir da ponderação de alguns elementos principais: a curva vital (histórico); a morfologia do crime praticado; a vida frenocomial (vida no manicômio); as intercorrências psiquiátricas; o estado psíquico atual, que inclui o grau de arrependimento; e as circunstâncias do indivíduo, que incluem o local para onde ele irá se sair do manicômio. “A doença mental é uma doença como outra qualquer. Existem doenças incuráveis em todas as especialidades médicas e infelizmente há pessoas que apresentam periculosidade permanente”, afirmou.

Ele recordou o histórico da política antimanicomial, a partir do lançamento do livro O mito da doença mental, de Thomas S. Szasz (1920 - 2012), em 1961, que defendia que a doença mental é “um mito culturalmente compartilhado”; David G. Cooper (1931-1986), que iniciou o movimento da antipsiquiatria, na década de 1970, que via a doença mental como um mito social; e Franco Basaglia (1924-1980), que desativou o manicômio de San Giovanni, em Trieste (Itália), e deu nome à Lei nº 180/78, que aboliu os hospitais psiquiátricos no país. Por fim, classificou a Resolução nº 487/23 do CNJ como “inexequível do ponto de vista médico” e salientou que entidades como a Associação Brasileira de Psiquiatria e a Associação Médica Brasileira não foram consultadas para a sua elaboração. “A doença mental tem limites rígidos e uma série de manifestações psíquicas. Ela não é uma concepção, é uma doença verdadeira, em grande parte mensurável, palpável, e gera problemas de várias ordens, a começar pelos pacientes, que precisam de tratamento”, concluiu.

Desafios para a implementação da Resolução 487/23 no estado de São Paulo

Na sequência, a juíza assessora da Corregedoria Geral da Justiça Jovanessa Ribeiro Silva Azevedo Pinto, integrante do Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial (Ceimpa), falou sobre a implementação da Resolução nº 487/23. Ela explicou que foi feito um planejamento para colocar a resolução em prática, que envolveu o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as secretarias estaduais de Saúde, Administração Penitenciária, Desenvolvimento Social e outros setores do Poder Executivo. “O objetivo foi a implantação segura dessa política, conciliando saúde e segurança.

Jovanessa Ribeiro lembrou que a resolução visa à desinstitucionalização e foca no tratamento ambulatorial, tendo a internação como uma exceção, no menor tempo possível. Ela lembrou que o estado tem metade das medidas de segurança de internação do país, que ocupam os três hospitais de custódia existentes e adiantou que ainda não há internações decorrentes de medida de segurança em hospitais gerais no estado e que esses hospitais ainda não têm condições de receber essa população. “Há ganhos com a resolução, mas não se pode negar que há preocupações relacionadas à questão da internação, ao fechamento de hospitais e à inclusão em hospital geral, mas tudo está sendo muito bem analisado para que cheguemos a um denominador comum de tratamento de saúde, dignidade e segurança do paciente e da sociedade, sem perder de vista que nós estamos falando de pessoas em transtorno mental, em conflito com a lei”, concluiu.

O procurador de Justiça Paulo José de Palma, também integrante do Ceimpa, recordou o histórico da política antimanicomial, a partir da reforma psiquiátrica, na década de 1970, e o arcabouço legal da Resolução 487/23, a Lei nº 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, de 2006, asseverando que a política antimanicomial é legal, constitucional e convencional. Ele lembrou que a resolução pretende a desinstitucionalização e o tratamento dos doentes mentais de forma diferente da internação, trabalhando a internação como absoluta exceção e apenas admissível se for patrocinada pelo Sistema Unico de Saúde (SUS). 

Por fim, destacou os principais desafios para a implementação da Resolução nº 487/23 no estado apontados pelo Ceimpa: o elevado número de pessoas em medidas de segurança, a necessidade de uma articulação intersetorial, as desigualdades territoriais em relação à assistência, à saúde, a necessidade de mudança de paradigma cultural e de e financiamento para o serviço de residências terapêuticas.

Também estiveram presentes o desembargador Ruy Alberto Leme Cavalheiro e os juízes Alessandra Teixeira Miguel, Fabricio Reali Zia, Gilson Miguel Gomes da Silva e Marcia Helena Bosch, entre outros magistrados, servidores e outros profissionais.

MA (texto e fotos)


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