IA e eleições e controle judicial de políticas públicas de moradia para baixa renda são debatidos no ciclo ‘Com a palavra, as juristas’
Edilene Lôbo e Alexandra Fuchs foram as expositoras.
A EPM realizou na quinta-feira (3) o terceiro encontro do ciclo de palestras Com a palavra, as juristas, promovido em parceria com a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp) e a Escola Judiciária Eleitoral Paulista (EJEP). Participaram como expositoras a ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edilene Lôbo e a juíza Alexandra Fuchs de Araújo.
A abertura foi feita pelo diretor da EPM, desembargador Gilson Delgado Miranda, que agradeceu a participação de todos e destacou o objetivo do ciclo de capacitar os participantes a respeito dos valores e princípios da Constituição da República relacionados à promoção de igualdade de gênero, além de fomentar a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, instituída pela Resolução nº 255/18 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Também compuseram a mesa de trabalhos as desembargadoras Flora Maria Nesi Tossi Silva, conselheira da EPM e coordenadora da Comesp; e Marcia Lourenço Monassi, vice-coordenadora da Comesp; e a juíza Maria Domitila Prado Manssur, coordenadora do ciclo e da área de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da EPM.
Iniciando as exposições, a ministra Edilene Lôbo falou sobre inteligência artificial e eleições. Ela lembrou que a inteligência artificial aplicada já faz parte do cotidiano, em corretores de texto, aplicativos de trânsito e de entrega de comida e serviços bancários, entre outros usos, mas destacou a ausência sistemática das mulheres, principalmente mulheres negras, nas áreas de tecnologia e inovação. “A tecnologia, em especial a inteligência artificial, não é amigável com as mulheres, muito menos com as pessoas negras”, ponderou.
Ela observou que os “donos da IA”, as big techs, são cinco grandes empresas, sediadas na mesma cidade, desenvolvidas em um período não superior a 50 anos, e que a grande maioria dos desenvolvedores dessas empresas é constituída de homens brancos, que são a “cara da inteligência artificial”, dando origem a uma construção “enviesada”. “Vamos ver essa inteligência artificial enviesada, porque não há diversidade no desenvolvimento da tecnologia, não há depuração de dados, porque os dados são produtos da sociedade e a sociedade é enviesada. E como não há esse cuidado de filtragem ou de desenvolvimento da tecnologia para tratar do enviesamento de dados, temos sistemas, algoritmos aplicados ao mundo da vida que não servem ao que deveriam servir, que é a proteção dos direitos fundamentais”, asseverou.
Como exemplo dos vieses da IA, mencionou o reconhecimento facial. “Todos os sistemas de inteligência artificial de reconhecimento facial têm sido reprovados na identificação de mulheres, mais ainda quando têm que reconhecer mulheres negras e, por último, homens negros, porque as pessoas negras não são as pessoas consideradas ao serem desenvolvidos esses sistemas”, frisou. Nesse contexto, apontou a necessidade de investimento na capacitação da magistratura feminina em IA e em comitês gestores nos tribunais para identificar, enfrentar e tratar os vieses da IA, para que “o Judiciário não seja o replicador da injustiça”.
Em relação às eleições, falou sobre a atuação da Justiça Eleitoral para evitar a desinformação, com destaque para a edição da Resolução 23.610/18 do TSE, que proíbe o uso de deepkfake (manipulação de áudios e vídeos) em peças de campanha e obriga os candidatos a identificarem conteúdos manipulados pela tecnologia na propaganda eleitoral, além de exigir que as plataformas tenham planos de integridade para garantir a qualidade da informação no ambiente digital. Destacou também a proibição das apostas por meio eletrônico envolvendo as eleições e a cooperação com a Justiça do Trabalho para coibir o assédio eleitoral no ambiente de trabalho. “Precisamos reafirmar a democracia como modus vivendi, porque ela não é só um jeito de disputar o poder político. É a impossibilidade, ao menos no Cone Sul, de distribuir justiça e de falar de igualdade de outra maneira”, concluiu.
Controle judicial de políticas públicas de moradia para baixa renda
Na sequência, a juíza Alexandra Fuchs discorreu sobre o controle judicial de políticas públicas de moradia para baixa renda. Ela recordou sua experiência na Fazenda Pública, em especial na Central de Mandados, quando atuou em duas imissões na posse envolvendo grandes áreas urbanas, ligadas a grandes projetos de infraestrutura, e percebeu outro lado das políticas públicas, que não aparece no processo. “É o lado das políticas públicas que não são cumpridas, que envolve pessoas atingidas por decisões judiciais que não tiveram voz durante o processo, por diversas circunstâncias. São pessoas extremamente vulneráveis, que muitas vezes têm dificuldades para pagar um ônibus para conseguir acessar um defensor público ou ficar numa fila. Muitas são mulheres, sem companheiros, que ficam angustiadas com questões como a transferência dos filhos para outras escolas”, afirmou, salientando que há muitos direitos fundamentais envolvidos no cumprimento dessas decisões judiciais, que o juiz da Central de Mandados é instigado a resolver.
Alexandra Fuchs falou sobre a tese de doutorado que desenvolveu a partir das experiências da Central de Mandados, em que procurou trazer os processos, que são ações individuais, para uma abordagem de política pública. Ela explicou que a pesquisa teve como objetivos verificar a viabilidade de o Poder Judiciário, a partir dos instrumentos disponíveis no sistema jurídico e da perspectiva das políticas públicas existentes para a tutela desse direito, proferir decisões capazes de colaborarem para a redução dos conflitos fundiários urbanos, buscar melhor integração do cumprimento de ordens judiciais com políticas assistenciais de moradia e de acolhimento que preservem as funções da cidade (urbanísticas, de cidadania e de gestão) e evitar a intensificação da questão dos moradores de rua pela atuação do Poder Judiciário.
Ela apresentou a metodologia utilizada na pesquisa, dividida em quatro grupos: ajuizamento da ação; citação e defesa; saneamento e instrução; e cumprimento de liminar e execução. Explicou que a proposta foi identificar estruturas e problemas, mas também incorporar uma atitude propositiva. “Temos que ver o processo de execução do Código de Processo Civil como um guia. O CPC tem dispositivos muito bem elaborados quando pensamos em execução individual, mas não foi desenhado para uma execução coletiva, nem para a execução de títulos que envolvem a execução de políticas públicas, que estão conectadas com direitos fundamentais. Temos que fazer uma adaptação na leitura desses dispositivos, de tal forma que consigamos conciliá-los com as políticas públicas e o direito coletivo que estão em jogo, e ampliar o sentido desses instrumentos, para garantir a exequibilidade da decisão judicial”, concluiu.
O evento teve a participação dos desembargadores Waldir Sebastião de Nuevo Campos Júnior, Luciana Almeida Prado Bresciani e Maria Cristina Zucchi e das juízas Léa Maria Barreiros Duarte, Maria Silvia Gomes Sterman e Mônica Rodriques Dias de Carvalho, entre outros magistrados, servidores e outros profissionais.
MA (texto e fotos)