EPM promove o curso ‘Pensando o futuro da cidade’
Plano diretor foi debatido no encontro inaugural.
Com debates sobre o tema “Reflexões sobre o plano diretor”, teve início hoje (12) o curso o curso Pensando o futuro da cidade. Participaram como expositores os arquitetos Silvio Oksman e Roberta Simeoni e o promotor de Justiça Marcus Vinicius Monteiro dos Santos. O curso teve 466 matriculados nas modalidades presencial e a distância, abrangendo 51 comarcas e dez estados.
Na abertura, o diretor da EPM, desembargador Gilson Delgado Miranda, agradeceu a participação de todos, em especial dos palestrantes, e o trabalho dos coordenadores. Ele lembrou o objetivo do curso de destacar os princípios e expectativas que nortearam a elaboração do Plano Diretor da cidade de São Paulo e avaliar os resultados obtidos, debatendo as relações entre o poder público municipal, os interesses particulares econômicos e as aspirações de cidadania. “A procura dos outros estados demonstra que o interesse pelo tema ultrapassa as fronteiras da cidade de São Paulo”, frisou.
O desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho, presidente da Seção de Direito Público e coordenador da área de Direito Ambiental da EPM, recordou que do final da década de 1970 até o ano 2000, houve um aumento da população urbana do país de 90 para 205 milhões. “No fim da década de 1970, 56 a 57% das pessoas estavam na zona rural. Em 2000, 85% dessa população aumentada já morava na zona urbana. Isso traz uma pressão brutal para a zona urbana, feita com pouco planejamento. A zona urbana é organizada pelo plano diretor. Se não nos preocuparmos em compreendê-lo, continuaremos ‘andando de costas’, tentando corrigir erros do passado e repetindo os erros no futuro. Esse ciclo de palestras é uma parada de meditação, para que pensemos na nossa cidade, como queremos viver”, ressaltou.
O desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro, coordenador da área de Direito Público da EPM e do curso, ressaltou a satisfação para a Escola por ter o Poder Judiciário e as entidades que tratam do urbanismo da cidade estudando juntos os problemas, soluções e questões que afetam as cidades. “A cidade de São Paulo é um laboratório para todos os problemas de cidades que podemos enfrentar e espero que possamos aprender muito com este curso”, asseverou.
O desembargador Carlos Otavio Bandeira Lins, coordenador da área de Direito Urbanístico da EPM e do curso, agradeceu o empenho da juíza Cynthia Thome, também coordenadora do curso, salientando que o curso mostra a magistratura em formação. Ele também destacou o vínculo entre o Urbanismo e o Direito Público. “Se o Direito é a arte, a disciplina da convivência, essa convivência é sobretudo urbana, porque é nas cidades que convivemos”, frisou.
Exposições
Silvio Oksman comentou os princípios que nortearam o plano diretor de 2014: socializar os ganhos da produção imobiliária, melhorar a mobilidade urbana, reorganizar as dinâmicas metropolitanas, promover o desenvolvimento econômico da cidade, preservar o patrimônio e valorizar as iniciativas culturais, assegurar o direito à moradia digna para quem precisa, qualificar a vida urbana nos bairros, orientar o crescimento da cidade nas proximidades do transporte público, incorporar a agenda ambiental ao desenvolvimento da cidade e fortalecer a participação popular nas decisões dos rumos da cidade.
O expositor apontou como questão principal do plano diretor a ideia do solo criado ou do coeficiente de aproveitamento, que é a possibilidade de construção de uma área maior do que a do terreno. Ele explicou que os cidadãos podem construir uma vez a área do terreno que possuem e a prefeitura estabelece lugares onde essa área pode ser multiplicada, mediante o pagamento de um valor para a prefeitura, que permite índices maiores em função do lugar da cidade. Ele salientou que os incentivos para o desenvolvimento urbano são direcionados para o aumento desse coeficiente. “Toda a ação feita para qualificar a cidade, tem como resposta o aumento do coeficiente”, observou. E apontou como patologia da legislação urbana a ideia de área computável e área não computável, observando que alguns usos, como as varandas e comércios no térreo dos prédios e até garagens, até certo ponto, não são computadas para o coeficiente de aproveitamento. “São números pequenos, mas quando somados, geram distorções, a ponto de hoje o mercado imobiliário trabalhar com coeficientes de construção de 13, 14 vezes a área do lote. Isso se reflete numa conta altamente lucrativa, mas do ponto de vista de qualificação urbana, há um crescimento das construções enormes, gerando um adensamento construtivo, mas não necessariamente populacional”, frisou.
Silvio Oksman observou ainda que os desenhos do plano diretor tratam de uma cidade genérica, omitindo a diversidade das questões ambientais, sociais, econômicas e culturais da cidade. Em relação à agenda ambiental, lembrou que a indústria da construção civil é uma das maiores poluentes ambientais do mundo, mas o plano diretor não trata do impacto do mercado imobiliário no meio ambiente de uma forma sistêmica. “Pelo contrário, quando se coloca o coeficiente de aproveitamento como a principal ferramenta de indução do plano diretor, temos uma política urbana absolutamente dependente financeiramente da construção infinita na cidade de São Paulo”, ressaltou.
Na sequência, Roberta Simeoni, diretora de Urbanismo do Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis (Secovi-SP), destacou características e regramentos urbanísticos, como a cota parte, usada para cálculo do número mínimo de unidades habitacionais; a quota ambiental e o incentivo às fachadas ativas e às atividades comerciais e de prestação de serviço, não computáveis para o coeficiente de aproveitamento nas construções. “A legislação criou quase que um gabarito de projeto. Os arquitetos recebem regras preestabelecidas e obrigatoriamente precisam atender a esse engessamento previsto na legislação”, observou.
Ela também falou sobre as dificuldades de locomoção na cidade, citando dados da pesquisa Origem e destino, divulgada pelo Metrô em fevereiro deste ano, que revela que de 2017 a 2023 a frota de veículos particulares teve um aumento de 22% e as viagens de táxi ou por aplicativo aumentaram 137%. “Hoje nós temos 5,3 milhões de automóveis particulares e a cada cem viagens na região metropolitana, 36 são feitas com o uso de transporte particular. E ao mesmo tempo que essa frota aumentou 22%, o deslocamento diário teve uma redução de 15%, de 42 milhões de viagens diárias em 2017 para 35,6 milhões em 2023”, ressaltou, ponderando que é o oferecimento de uma malha viária abrangente, confiável, eficiente e confortável que estimula o uso de transporte coletivo e não o número de vagas na origem. “A disponibilidade de vagas no destino e a baixa eficiência e conforto do transporte público podem gerar maior número de viagens”, concluiu.
Por fim, o promotor de Justiça Marcus Vinicius dos Santos apontou a falta de monitoramento constante pelo poder público do plano diretor e dos instrumentos de política urbana previstos no plano diretor. “O plano diretor não é uma varinha mágica, que resolverá todos os problemas da cidade. Para ser implementado de fato, ele demanda uma série de circunstâncias e o monitoramento é uma atitude importante que o poder público deveria fazer”, enfatizou. Ele citou como exemplos a não existência de um plano de drenagem, conforme previsto no plano diretor, para combater o problema recorrente das enchentes na cidade, e de um plano de redução de riscos, também previsto no plano diretor de 2014, informando que na cidade de São Paulo há cerca de 37 mil famílias vivendo em áreas de risco alto e muito alto.
MA (texto) / RL (fotos)