Regime jurídico das incapacidades é debatido na EPM
Cláudio Godoy foi o expositor.
A EPM realizou na sexta-feira (4) a palestra Regime jurídico das incapacidades, com exposição do desembargador Cláudio Luiz Bueno de Godoy, coordenador pedagógico da EPM.
Na abertura, o diretor da EPM, desembargador Gilson Delgado Miranda, agradeceu a participação de todos, em especial do palestrante, e o trabalho dos coordenadores do evento, e destacou o objetivo de debater o sistema de proteção e apoio às pessoas que não possuem plena capacidade de gerir sua vida civil, com foco na preservação da dignidade das pessoas e nas peculiaridades de cada situação e contextos jurídicos em que se envolvem essas pessoas. Também compôs a mesa de trabalhos o juiz Augusto Drummond Lepage, coordenador da área de Família e Sucessões da EPM e da palestra.
O desembargador Cláudio Godoy recordou o histórico do regime jurídico das incapacidades no Código Civil de 2016, que tinha como fundamento a ideia de proteger pessoas total ou parcialmente privadas de discernimento. Ele lembrou que o sistema era binário, tendo como critérios a idade e o fator psíquico: eram considerados incapazes aqueles que não tivessem atingido determinada idade e aqueles privados de discernimento, em virtude de uma afecção psíquica, apurada pelo juiz em ação de interdição.
O expositor acrescentou que a incapacidade era graduada pelo legislador, que distinguia as pessoas totalmente privadas de discernimento, consideradas absolutamente incapazes, daquelas com parcial discernimento, as relativamente incapazes. Explicou que para as absolutamente incapazes havia a substituição da sua manifestação de vontade pela representação, que podia ser legal, como os pais em relação aos filhos menores, ou por nomeação do juiz, como o curador. Para os relativamente incapazes, não havia uma representação, mas uma assistência para falarem juridicamente. Ele acrescentou que o Código Civil de 2016 organizou um rol de pessoas absoluta e relativamente incapazes, nos artigos 5º e 6º, e ressaltou que a base da organização do regime das incapacidades para os casos que não eram de menoridade, tanto no Código Civil de 1916, quanto no atual, era o modelo médico.
Cláudio Godoy ponderou que esse fundamento protetivo era paradoxal, porque ao mesmo tempo que protegia, retirava a possibilidade de participação das pessoas na vida civil, nos limites de sua aptidão. E observou que, embora atendesse ao critério da segurança jurídica, o sistema tradicional era criticado por sua excessiva rigidez, tanto no caso das faixas etárias, quanto da afecção psíquica, que não consideravam as nuances ou gradações próprias das aptidões de cada indivíduo para praticar atos da vida civil. “Ao longo do tempo, essa dicotomia recrudesceu à consideração de que, historicamente, esse regime favorecia um modelo de estigmatização e de alienação das pessoas com deficiência física ou psíquica e menores de idade”, salientou.
O palestrante explicou que essas críticas, as dificuldades na aplicação do sistema tradicional e a evolução social resultaram na superação do modelo médico, com a adoção do modelo social, também conhecido como ambiental ou modelo da incapacidade ou da capacidade à luz dos direitos humanos, que tem como ideia básica o respeito à máxima autonomia das pessoas, tanto menores de idade, quanto maiores de idade que precisem ser apoiados para a prática dos atos da vida civil. “O importante é superar barreiras sociais de ordem física ou psíquica que impedem as pessoas de expressarem a sua autonomia, de maneira a possibilitar a livre e consciente expressão da vontade”, enfatizou.
O expositor apresentou um panorama da legislação estrangeira sobre o tema e destacou a Convenção internacional dos direitos da pessoa com deficiência ou Convenção de Nova Iorque, subscrita e recebida por decreto no Brasil, com o status constitucional, que determina em seu artigo 12, inciso 2º, que as pessoas com deficiência terão completa capacidade legal. Ele esclareceu que, por conta da subscrição pelo Brasil desse tratado foi editado o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que estabeleceu que a pessoa portadora de deficiência é capaz e previu uma medida de apoio, a curatela, em caráter excepcional, que pode ser modulada pelo juiz, de acordo com a situação concreta, e que somente se aplica a atos econômico-patrimoniais. “O EPD aboliu a causa de incapacidade absoluta para maiores de idade e o artigo 3º passou a prever um único caso de incapacidade absoluta do menor de 16 anos”, frisou.
Nesse contexto, Cláudio Godoy apontou a dificuldade de solução para os casos de pessoas consideradas capazes, que não têm possibilidade de expressar a sua vontade, como nos casos de causa transitória ou reversível, em que as pessoas têm a sua aptidão de expressão da vontade comprometida por algum problema. Por fim, apresentou algumas propostas para aprimoramento do sistema, entre elas a retomada da ideia do absolutamente incapaz para o maior de idade, com a ressalva de não ter como causa a deficiência, mas sim o fato de alguém estar completamente privado da aptidão de expressão da vontade; considerar relativamente incapazes o menor de idade e aqueles que, por qualquer causa, não puderem exprimir de maneira completamente livre e consciente a sua vontade, por uma causa duradoura, ainda que reversível; e, para os menores, faixas etárias distintas, conforme o tipo de ato, preservação, na medida da maturidade, da possibilidade de prática de atos existenciais.
MA (texto) / MB (fotos)