Núcleo de Ribeirão Preto da EPM realiza “Encontro sobre Questões Controvertidas no ECA”

O “Encontro sobre Questões Controvertidas no ECA”, promovido pelo Núcleo Regional de Ribeirão Preto da Escola Paulista de Magistratura, no dia 15 de outubro, no salão do júri em Ribeirão Preto, alcançou seus objetivos. Compareceram 129 pessoas, sendo 17 juízes de direito, 1 promotor de justiça, psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e funcionários que atuam nas unidades judiciárias responsáveis pelas questões do interesse da Infância e Juventude.        

Na oportunidade, o dr. João Baptista Galhardo Júnior, juiz de direito da Vara da Fazenda Pública em Araraquara, falou sobre “as diversas situações pelas quais o Magistrado que atua na área poderá enfrentar, como a possibilidade ou não de adoção por pessoas do mesmo sexo que convivem em união estável, a internação para o adolescente infrator que promove tráfico de entorpecente ainda que primário, e, ainda, o tema do chamado “toque de recolher”, sua constitucionalidade e como a questão é vista pela TJSP e CNJ”.         

O dr. Silvio Moura Sales, juiz de direito do Juizado Especial Cível de São Carlos, enfatizou que: “Muitas são as dificuldades para os que atuam na área da Infância e da Juventude. Dentre elas, percebe-se que por vezes o Poder Público, a sociedade e a família não se apropriam adequadamente de suas responsabilidades, deixando de outorgar às crianças e adolescentes o tratamento de prioridade absoluta que a Constituição Federal lhes garante. Nasce daí um quadro de verdadeira angústia com situações hoje postas e com a perspectiva de agravamento de tais problemas. Nesse cenário, afigura-se imprescindível a realização de ações articuladas, seja na formulação de políticas públicas, seja na construção de práticas que contemplem toda a gama de aspectos que digam respeito ao seu processo de desenvolvimento. Outrossim, é urgente fortalecer esse trabalho desde antes do nascimento do infante e ao longo de todo o seu crescimento, garantindo-se-lhe com intervenções concretas que efetivamente os espaços destinados em tese à sua proteção desempenhem essa função e não sejam espaços ensejadores de maior vulnerabilidade ou risco”.         

O dr. Paulo Henrique de Oliveira Arantes, promotor de justiça em Jaboticabal, destacou: “No encontro realizado pela EPM, foi relatada brevemente a experiência de articulação da Rede Social de proteção dos direitos da criança e do adolescente de Jaboticabal. Trata-se de um movimento de integração entre órgãos públicos e a sociedade civil organizada, visando garantir com prioridade e eficiência a efetividade dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes de Jaboticabal. A Rede Social de proteção existe há muito tempo. O que se alterou, há cerca de um ano e meio, foi que vários atores perceberam a necessidade de melhor articulação entre si para garantia dos direitos da criança e do adolescente em Jaboticabal. Era preciso melhorar a comunicação, estabelecer consensos possíveis e lutar juntos pelos direitos das crianças e adolescentes daqui. A Rede Social não tem dono e nem líder. Algumas pessoas exercem, em virtude de características pessoais ou dos cargos que ocupam, a função de facilitadoras dos contatos entre os atores que compõem a Rede. A melhor articulação da Rede Social possibilita que a luta pelos direitos da criança e do adolescente seja feita de forma mais rápida. O tempo da criança é o agora. Problemas como a demora no encaminhamento de crianças e adolescentes para necessários atendimentos psicológicos, por exemplo, foram minorados. Além disso, o processo histórico tem sido de muita aprendizagem para todos nós. A partir da discussão de casos complexos, fica claro que não existem soluções mágicas para esses casos e que a forma mais adequada de atendimento é compartilhar a solução com a criança e o adolescente, sua família e os membros da Rede Social que diretamente atendem as crianças e adolescentes. Em síntese, fica claro que “casos complexos exigem soluções compartilhadas”. A melhor articulação da Rede Social implicou no retorno para casa de crianças e adolescentes abrigados há bastante tempo neste Município. Implicou também na aceleração de uma mudança cultural fundamental, qual seja, de que devemos lutar para que as crianças e adolescentes de Jaboticabal estejam com suas famílias de origem e na escola, locais em regra que possibilitam o pleno desenvolvimento infantil. Da articulação da Rede surgiram dois grupos de trabalho (GT violência doméstica e GT álcool de drogas), também coletivos, que discutem essas importantes questões no Município e buscam influenciar no desenvolvimento das políticas públicas para a área. Questão concreta foi o aumento da destinação de recursos do Imposto de Renda para o fundo Municipal dos direitos da Criança e do Adolescente. De 2009 para 2010, houve um aumento de 85%, dinheiro que deixou de compor o bolo do tesouro nacional e ficou em Jaboticabal para ser aplicado diretamente na garantia dos direitos de crianças e adolescentes. Vale anotar que o movimento tem por objetivo a articulação da rede local. A cada dia, novas pessoas tomam conhecimento do movimento e, ao se identificarem com os seus objetivos, passam a fazer parte dele. Do ponto de vista regional, a articulação obtida em Jaboticabal tem despertado o interesse de outros municípios, como Batatais, Pirassununga e Ribeirão Preto, que convidaram membros da Rede para compartilhar as experiências vividas por aqui”. 

Dois magistrados não puderam comparecer, mas deram suas contribuições fundamentadas em larga experiência com as questões, por isso seguem as observações de cada um deles, importantíssimas para as nossas reflexões: 

1 – Paulo César Gentile, juiz de direito da Vara da Infância e Juventude de Ribeirão Preto: 

“a) Sobre a semiliberdade: A semiliberdade é uma medida que só recentemente passou a ser efetivamente aplicada por nós juízes, dado que anteriormente a Fundação Casa não dispunha de equipamento apropriado para isso. A novidade nos impõe o ônus de experimentar e de correr os riscos e colher eventuais insucessos de uma prática que ainda não dominamos. Entendo que as fugas das Unidades de Semiliberdade e os problemas disciplinares apenas indicam possível inadequação do modelo socioeducativo aplicado e que deve ser aperfeiçoado, ainda que à custa das dificuldades que estamos enfrentando. A rigor, a natureza ou a gravidade do ato infracional não deveriam impedir a colocação do adolescente em medida de semiliberdade. O que nos cabe, na medida do possível, e sempre pagando o preço da nossa inexperiência, é auxiliar o aperfeiçoamento do sistema. 

b) Sobre acolhimento institucional de adolescentes com vivência infracional: Em Ribeirão Preto temos uma instituição de acolhimento chamada "Casa Travessia" destinada ao acolhimento de crianças e adolescentes com vivência de rua e uso de droga, de forma que o atendimento acaba sendo direcionado para os jovens com necessidades especiais ditadas pela sua vivência. É certo que nem todos os municípios terão condições econômicas para manter instituições com essa especificidade. O que eu recomendo, então, é que a equipe técnica da instituição de acolhimento, ou ao menos parte dela, receba capacitação para lidar com jovens com esse perfil, ainda que dentro do espaço reservado para outras crianças e adolescentes.  

c) Fugas reiteradas de jovens acolhidos: Entendo que medidas de proteção devem ser oferecidas e não impostas, até porque não implicam de forma alguma em privação de liberdade. Por essa razão, quando ocorrem fugas reiteradas nas instituições de acolhimento de Ribeirão Preto, eu acabo formalizando o desacolhimento institucional, porque que ainda de forma implícita o jovem está expressando o desejo de não receber tal medida de proteção. Nessa hipótese acabo determinando a aplicação de outra medida de proteção. 

d) Limites para a autonomia dos jovens acolhidos: Quem recebe acolhimento seja numa família, seja numa instituição deve se sujeitar às regras e limitações que a família ou a instituição apresentam, até porque o atendimento para o acolhido não é individualizado, mas oferecido para toda a coletividade dos abrigados. Cada instituição de acolhimento, pela sua proposta de trabalho e pela sua estrutura estabelecerá regras e limites que devem ser observados pelos acolhidos, sem que isso implique em desrespeito ao direito do adolescente de respeito, dignidade e liberdade. 

e) Internação involuntária para tratamento de drogadição: O tratamento para drogadição é uma opção de terapia medicamentosa ou comportamental com vistas à preservação  ou recuperação da saúde física e mental do adolescente, seja em hospitais ou nas chamadas comunidades terapêuticas e como tal é opção a cargo dos responsáveis legais pelo adolescente. Entendo, então, que os pais, no exercício do poder familiar podem autorizar a internação involuntária dos filhos para o referido tratamento e entendo que não há necessidade da instauração de procedimento de natureza jurisdicional. 

f) Prestação de serviços à comunidade: Em Ribeirão Preto foi criada uma Coordenadoria de Atenção ao Adolescente em Conflito com a Lei ligada à Secretária Municipal de Assistência Social. Essa coordenadoria funciona no NAI e tem atribuição para o acompanhamento das medidas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade. Além de cadastrar os locais onde os adolescentes prestarão serviços comunitários a Coordenadoria acompanha e fiscaliza a frequência dos adolescentes e lhes oferece intervenções sociais e psicológicas tais como a facilitação de matrícula em escola; a inclusão em cursos profissionalizantes e em programas de aprendizagem; o acompanhamento psicológico durante o tempo de execução da medida e encaminhamentos outros que se mostrarem necessários. Dessa forma, a prestação de serviços à comunidade acaba tendo a mesma feição da liberdade assistida, apenas com o diferencial da efetiva prestação do serviço comunitário. 

g) Inovações na medida de liberdade assistida: As considerações que fiz ao responder a questão anterior se aplicam também à liberdade assistida. Em Ribeirão Preto oferecemos um efetivo rol de intervenções psicológicas e sociais para apoio, orientação e acompanhamento dos adolescentes em cumprimento da liberdade assistida. Na prática nem todo o esforço empregado resulta em pleno alcance dos objetivos da medida, mas o que se faz é muito mais do que simplesmente obrigar o adolescente a comparecer a atendimentos com o seu orientador.  

h) Consumo de álcool: Toda medida empregada para coibir o consumo de álcool e a frequência de adolescentes em locais onde eles tenham acesso a bebidas alcoólicas soa impopular e antipática. Todavia, são medidas que nós temos que tomar com coragem e ânimo. Coragem para enfrentar os críticos e o poder econômico dos promotores de eventos festivos e ânimo para continuar dando combate reiterado àqueles que desafiam a lei e a justiça. Em Ribeirão Preto tenho feito um trabalho sistemático, de muitos anos, atento às características de cada evento festivo para fixação da idade e expedição de alvarás e creio que aos poucos tenho colaborado para a modificação da cultura existente nesta cidade de consumo desenfreado de bebidas alcoólicas por adolescentes.” 

2 – Alexandre Gonzaga Baptista dos Santos, juiz de direito da 3ª Vara de Jaboticabal: 

“A questão do uso de drogas por crianças e adolescentes parece ser atualmente o grande desafio da área da infância. Conforme nossos encontros e discussões deste tema através do trabalho em REDE em Jaboticabal constatamos a necessidade de identificar na cidade quais os órgãos públicos (especialmente da área da saúde) que servem como porta de entrada aos usuários de droga para estabelecer o fluxo de atendimento de acordo com os instrumentos locais existentes (públicos ou privados). Foi criado o Grupo de Trabalho de Álcool e Drogas com a participação da Vara da Infância e Promotoria, Secretaria Municipal de Saúde, CMDCA, Conselho Tutelar e entidades civis (associações antialcóolicas, amor exigente, e outros) e outros. O Grupo de Trabalho já observou a necessidade de: fortalecimento e valorização das entidades civis locais de apoio para prevenção e recuperação de usuários; a criação de notificação dos usuários pela área da saúde para conhecer melhor seu perfil; a pesquisa e seleção de entidades regionais que trabalhem com seriedade no tratamento de usuários através de internação. Desta forma, o Grupo de Trabalho continua se reunindo na tentativa de desenvolver práticas úteis ao enfrentamento desta complexa questão de álcool e drogas que posteriormente poderão se tornar política social municipal.        

Observe-se que a questão do adolescente em conflito com a lei e usuário de drogas "faz parte desta discussão" e parece que não pode ser visto de forma isolada para se buscar soluções imediatas. É evidente que o problema fica mais difícil em cidades do porte de Ribeirão Preto, mas em cidades de porte médio há possibilidade de integração dos órgãos públicos (especialmente judiciário e MP) e entidades civis para sentar e discutir e identificar os problemas locais de álcool e drogas envolvendo criança e adolescente. Neste ponto, por exemplo, parece valiosa a participação das equipes técnicas de instituições do regime de semiliberdade para que "se sintam" integradas ao sistema de proteção local da criança e adolescente. Quanto à internação involuntária parece que deva, necessariamente, ser fundamentada pela indicação médica. Ademais, merece reflexão a incerteza de que "somente" a internação resolva o problema da drogadição. Daí a pergunta: qual o fluxo de atendimento pela saúde municipal dos usuários na cidade? Já existe um mapeamento local? Há integração entre os municípios buscando fortalecimento de polos regionais?         

Em relação aos programas de acolhimento institucional parece importante entender que há dois anos a lei n.12.010/09 trouxe mudanças estruturais no trabalho e responsabilidade dos abrigos. Daí a necessidade de receberem apoio da Vara da Infância, Promotoria e Município. Talvez uma sugestão positiva seria para que cada Vara da Infância, MP e equipe técnica do fórum desenvolvessem um projeto de "capacitação e atualização dos programas de acolhimento". Através de uma primeira reunião com os abrigos é possível identificar quais suas carências, dúvidas frequentes, dificuldades na educação da criança e adolescente da entidade, etc. Depois, é possível convidar vários profissionais de diversas áreas para falar sobre os temas. Ressalte-se que a "capacitação" é voltada para os educadores dos abrigos, ou seja: desde o vigia, merendeira, cuidadora até os coordenadores e presidentes!        

Através do trabalho em REDE em Jaboticabal realizamos em 2011 este trabalho durante vários meses com um encontro mensal. Todos nós e especialmente os três abrigos existentes em Jaboticabal tiveram muito proveito com abordagem de vários temas, p.ex: desenvolvimento infantil, adolescência,saúde, sexualidade, segurança, orientações jurídicas e outros. Ressalte-se que vários profissionais especialistas resolvem colaborar e fazer exposições porque recebem um certificado assinado pelo Juiz, Promotor e equipe técnica do fórum referente ao curso de capacitação. Neste contexto, há ampla possibilidade de convidar e discutir com médicos, psicólogos e pessoas experientes sobre qual o melhor caminho a seguir, por exemplo, no trabalho dos abrigos com adolescentes com alguma vivência de rua, de ato infracional ou usuários de drogas. Em outras palavras, parece que não há qualquer possibilidade de se achar respostas para problemas complexos da área da infância sem a busca de soluções compartilhadas!         

Neste ponto, vale dizer pela experiência da realização deste "curso de capacitação" em Jaboticabal que os três abrigos introduziram mudanças pontuais e importantes no cotidiano de cada um deles. Descobrimos juntos no curso de capacitação, por exemplo, que adolescente não "foge" de abrigo, mas na maioria das vezes resolve sair sem autorização porque está insatisfeito com alguma regra que não concorda e que muitas vezes não tem sentido mesmo!!! Daí para melhorar o relacionamento nos abrigos em Jaboticabal, foi introduzido nos projetos pedagógicos a prática de uma reunião mensal entre a equipe técnica dos abrigos e as crianças e adolescentes para discutirem juntos as melhores regras (deveres e obrigações) de convivência com possibilidade real de escuta dos adolescentes evitando-se reações de mera "rebeldia".        

Quanto às medidas socioeducativas de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade é totalmente válida qualquer experiência que consiga introduzir obrigações ao adolescente com natureza pedagógica, educativa e profissionalizante.         

Em relação à proibição de venda de álcool para adolescentes, em Jaboticabal o Conselho Tutelar possui um "termo de responsabilidade" no qual o responsável pelo evento deve se identificar e assinar o compromisso de não vender as bebidas para adolescentes. Sem este documento não há concessão de alvará pela Vara da Infância. Daí, no caso de eventual denúncia ou problemas já se evita a fase de "descobrir" quem é o "responsável" (ex: o dono do bar ou porteiro, etc.). Por outro lado, as campanhas locais nas escolas e em locais públicos são fundamentais como estratégias para prevenção ao uso indevido de álcool. E mais, conscientizar os pais que se não houver denúncias dos responsáveis pelas vendas ilegais não há como desenvolver ações punitivas.” 

Texto: juiz Paulo César Scanavez, coordenador do Núcleo de Ribeirão Preto da EPM 

Fotos: Núcleo de Ribeirão Preto


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