Núcleo de Ribeirão Preto realiza “Encontro de Direito Previdenciário”

O Encontro de Direito Previdenciário promovido pelo Núcleo Regional de Ribeirão Preto da Escola Paulista de Magistratura, no dia 26 de novembro de 2011, no salão do júri em Ribeirão Preto, contou com a presença de quatro palestrantes: Dr. João Roberto Otávio Júnior - Juiz Federal Substituto em São Carlos, Dr. Leonardo Estevam de Assis Zanini - Juiz Federal em São Paulo, Dr. Paulo Ricardo Arena Filho - Juiz Federal em Ribeirão Preto e Rui Brunini Júnior - Gerente Executivo do INSS em Ribeirão Preto.

Confira, abaixo, o resumo do evento:

- O dr. João Roberto Otávio Júnior falou sobre o benefício assistencial do idoso e deficiente (LOAS) e as alterações trazidas pela Lei 12.435/1 e destacou: “É inviável tratar das modificações legislativas infraconstitucionais relativas ao benefício assistencial sem manter os olhos atentos em sua configuração constitucional. É a Constituição da República quem, em última análise, estabelece os princípios fundamentais e os objetivos que norteiam a Assistência Social, bem como define os parâmetros para a concessão do benefício assistencial.

São inúmeros os princípios constitucionais que iluminam a Assistência Social, muitos deles previstos expressamente nos arts. 194 e 203 da Constituição e decorrentes da própria configuração constitucional da Seguridade Social. De todos os princípios, aquele que deve nortear todo e qualquer passo daqueles que lidam com a Assistência Social é o da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, tal como previsto no art. 1º, III, do Texto Constitucional.

Partindo desse princípio, é necessário considerar que as políticas assistenciais já não podem mais ser encaradas meramente sob a forma de “caridade” com os pobres, assumindo, nos dias de hoje, verdadeira feição de direitos de cidadania.

É desse arcabouço constitucional que se extrai, de forma mais específica, os pressupostos para a concessão do benefício assistencial.

Com efeito, ao incluir o benefício assistencial como um dos objetivos da Assistência Social, a Constituição da República, no inciso V do art. 203, definiu de forma clara quais são os seus pressupostos. Eis o teor do dispositivo:

‘Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.’

O benefício assistencial consiste, portanto, em uma prestação mensal de um salário mínimo, garantida independentemente de contribuição à seguridade social, àqueles que atenderem às condições estabelecidas no dispositivo constitucional.

E são duas as condições exigidas: a) uma de ordem pessoal (idade avançada ou deficiência); b) uma de ordem socioeconômica (não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida pela família).

Embora o Texto Constitucional traga elementos suficientes para se analisar, no caso concreto, as condições para a concessão do benefício assistencial, o próprio dispositivo constitucional delega à lei a especificação dos seus pressupostos, visando evitar uma interpretação genérica deles e a existência de divergências no momento da análise do caso concreto para a concessão do benefício.

Nesse contexto foi editada a Lei n° 8.742/93, que tratou do benefício assistencial em seus artigos 20 e 21, os quais possuíam a seguinte redação originariamente:

‘Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se por família a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes.

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.

§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.

§ 6º A deficiência será comprovada através de avaliação e laudo expedido por serviço que conte com equipe multiprofissional do Sistema Único de Saúde (SUS) ou do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), credenciados para esse fim pelo Conselho Municipal de Assistência Social.

§ 7º Na hipótese de não existirem serviços credenciados no Município de residência do beneficiário, fica assegurado o seu encaminhamento ao Município mais próximo que contar com tal estrutura.

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.       

§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.

§ 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização.’

Esses dispositivos legais sofreram modificações em sua redação posteriormente. As mais recentes foram determinadas pelas Leis n° 12.435/11 e 12.470/11, as quais alteraram significativamente o teor das normas acima descritas.

As principais modificações promovidas pela Lei n° 12.435/11 incidiram diretamente nas definições de deficiência e de família, para fins de concessão do benefício assistencial, as quais recomendam um novo olhar sobre as condições pessoal e socioeconômica estabelecidas pela Constituição da República.

No que se refere ao requisito etário, não houve modificação relevante, já que a nova redação do caput do art. 20 da Lei n° 8.742/93, dada pela Lei n° 12.435/11, ao assegurar o benefício de prestação continuada ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos de idade, nada mais fez do que consolidou o critério etário já consagrado pelo Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2003) em seu art. 34.

Em verdade, embora o art. 20, caput, da Lei n° 8.742/93, em sua redação originária, adotasse o conceito de idoso como aquele que tivesse pelo menos 70 anos de idade, o art. 38 da mesma lei, também em sua redação original, determinava a redução da idade para 67 anos e, após, para 65 anos. Tal redução, porém, foi obstada pela Lei n° 9.720/98, que, modificando o dispositivo referido, manteve a idade de 67 anos. O limite etário foi, enfim, novamente modificado pelo Estatuto do Idoso para 65 anos e mantido pela redação atual determinada pela Lei n° 12.435/11.

Modificação mais sensível ocorreu no conceito de deficiência.

Imperioso ressaltar, em princípio, que a Constituição, ao prever a possibilidade de concessão do benefício ao portador de deficiência, não conceituou o que seria deficiência, de forma que a tarefa restou submetida ao legislador ordinário.

Na redação original do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, a deficiência foi equiparada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho.

Parece-me, porém, que tal redação confundia o conceito de deficiência com o de incapacidade. Ressalto que, no que tange à contingência da incapacidade, já há no âmbito da previdência social a previsão de benefícios específicos: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente.

O Decreto n° 1.744/95, ao regulamentar a Lei n° 8.742/93, definiu como pessoa portadora de deficiência ‘aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho’.

Esse dispositivo foi revogado pelo Decreto n° 6.214/2007, que continuou a identificar pessoa portadora de deficiência como aquela incapacitada para o trabalho e para a vida independente, mas, revelando razoável avanço, conceituou incapacidade como ‘fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social’.

Muito se discutiu na doutrina e na jurisprudência se, diante do teor dos dispositivos acima mencionados, a incapacidade deveria ser para o trabalho e para  vida independente, cumulativamente, ou bastaria a incapacidade para o trabalho ou para a vida independente, de forma alternativa.

Vinha prevalecendo na jurisprudência a interpretação constitucional do dispositivo, que preconiza que as situações não poderiam ser exigidas cumulativamente, já que o art. 203, V da Constituição não contém tal exigência, a qual somente foi imposta pela via infraconstitucional.

Tal entendimento restou consolidado na Súmula n° 29 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, que estabelece que ‘Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também impossibilita de prover ao próprio sustento’.

Conclui-se, assim, que o conceito de incapacidade para a vida independente não estava adstrito apenas às atividades do dia-a-dia, não sendo exigível que o beneficiário estivesse em estado vegetativo para fazer jus ao benefício, sendo necessária uma análise mais ampla das suas condições pessoais, familiares, profissionais e culturais do meio em que vivia para melhor avaliar a existência ou não dessa incapacidade.

Na prática, o que se observava é que, para a concessão do benefício assistencial nos casos concretos, vinha sendo adotada a noção de incapacidade laborativa, por entender-se que daí também advinha, subsidiariamente, a incapacidade para os atos da vida independente. O fato de alguém não dispor de capacidade para o trabalho já seria suficiente para impedir a sobrevivência sem o auxílio de outras pessoas.

O conturbado conceito de deficiência restou, então, modificado pela Lei n° 12.435/11, que alterando a redação do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, passou a conceituar pessoa com deficiência, no inciso I, como ‘aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas’. Tecnicamente o conceito de deficiência contido no inciso I consistiria em notável avanço, não fosse a redação do inciso II, que continuou a vincular o conceito de “impedimento de longo prazo” com a incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de dois anos.

Por fim, a Lei n° 12.470/11 novamente alterou o conceito de deficiência para fins de concessão do benefício, modificando a redação do § 2º do art. 20 da Lei n° 8.742/93 e suprimindo do conceito de deficiência a incapacidade para a vida independente e para o trabalho.

Eis a redação atual do dispositivo mencionado: § 2o  Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas’

Considero que tal modificação revela-se fundamental para garantir a inclusão social da pessoa portadora de deficiência e, por conseqüência, assegurar a efetiva concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Considera-se deficiente, de acordo com a nova redação do art. 20, § 2º, a pessoa com dificuldades de inserção na sociedade por razões psicológicas, fisiológicas ou anatômicas, independentemente de efetiva repercussão dessas dificuldades no trabalho ou na vida diária. Antes da modificação promovida pela Lei n° 12.470/11, o portador de deficiência permanecia privado de qualquer inserção no mercado de trabalho, já que mera tentativa de retorno ao trabalho remunerado poderia acarretar a cessação do benefício assistencial.

A Lei n° 12.470/11, nesse aspecto, concretiza tendência que já se revelava com a ratificação pelo Brasil da Convenção Internacional sobre os Direitos  das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York), assinada em Nova York em 30/03/2007. Tal Convenção, em seu art. 1º, considera pessoa deficiente aquela que possui ‘impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas’. A Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n° 1866, de 09/07/2008 e internalizada pelo Presidente da República por meio do Decreto n° 6.949, de 25/08/2009. Considerando que o art. 5º, § 3º, da Constituição da República, incluído pela Emenda Constitucional n° 45/04, dispõe que ‘Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais’, é possível se concluir que o conceito de pessoa portadora deficiente contido na Convenção Internacional sobre os Direitos  das Pessoas com Deficiência assume caráter constitucional, dele não podendo se distanciar a lei.

A vinculação do conceito de deficiência à idéia de inserção social também se revela pela nova redação dada pela Lei n° 12.470/11 ao § 6º do art. 20 e ao § 3º do art. 21 da Lei n° 8.742/93 e pela inclusão do art. 21-A.

De acordo com a redação dada ao § 6º do art. 20 da Lei n° 8.742/93 pela Lei n° 9.720/98, a deficiência, até então ligada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho, demandava apenas análise médica. Já de acordo com a redação dada pela Lei n° 12.470/11, não basta a avaliação médica para se constatar a deficiência, ficando a concessão do benefício  sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social.

Por outro lado, o § 3º do art. 21 da Lei n° 8.742/93, com a redação dada pela Lei n° 12.470/11, passou a estabelecer que ‘O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em regulamento’. Assim, com a nova configuração dada pela Lei n° 12.470/11 ao benefício assistencial, verifica-se que a idéia não é excluir o deficiente do mercado de trabalho, mas assegurar-lhe condições minimamente dignas de vida para estimulá-lo a se integrar ou reintegrar à sociedade, não obstante as dificuldades de ordem física, psíquica ou intelectual existentes.

Esse intuito de integração ou reintegração do titular do benefício assistencial ao mercado de trabalho também é revelado pelo art. 21-A da Lei n° 8.742/93, incluído pela Lei n° 12.470/11, que estatui que ‘O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual’. Caso a relação trabalhista ou a atividade empreendedora seja extinta, sem que o titular não faça jus a qualquer benefício previdenciário, poderá ele voltar a receber o benefício assistencial até então suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, prevê o art. 21-A, § 2º que a contratação de pessoa com deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do benefício assistencial, ficando limitado a dois anos, porém, o recebimento concomitante da remuneração e do benefício.

Embora a Lei n° 12.470/11 tenha caminhado positivamente ao vincular a definição de deficiência à noção de inclusão social, pecou ao estabelecer prazo mínimo de dois anos para a caracterização da deficiência.

Não é novidade que o benefício assistencial tenha caráter temporário, pois o caput do art. 21 já previa a necessidade de revisão do benefício a cada dois anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. Logo, caso se verifique que as condições que justificaram a concessão do benefício assistencial não se mantiveram após dois anos, o benefício deve ser cessado.

As Leis n° 12.435/11 e 12.470/11 criaram uma nova exigência: a de que a deficiência se mantenha pelo prazo de dois anos.

Tal inovação gera uma dificuldade de ordem prática e não encontra respaldo constitucional.

Caso se entenda que o interessado deva comprovar não só a sua deficiência, mas também que ela se estenderá ao futuro por dois anos, certamente estaria sendo exigível a comprovação de circunstância que ainda não ocorreu, dificultando ou até mesmo impossibilitando uma análise segura por parte da equipe de médicos e assistentes sociais responsáveis pela avaliação da deficiência.

Caso se entenda que a deficiência deva perdurar previamente por no mínimo dois anos para que seja possível ao interessado requerer o benefício, estar-se-ia afrontando o princípio da dignidade da pessoa humana. Significaria verdadeiro retrocesso do direito social ao benefício assistencial impor ao portador de deficiência que fique à própria sorte por dois anos para somente então fazer jus ao benefício.

Por outro lado, como já mencionado anteriormente, a Convenção de Nova York, ao ser integrada ao ordenamento jurídico nacional com status constitucional, define o conceito de deficiência sem sujeitá-lo a qualquer restrição de ordem temporal. Por conseqüência, parece-me que a exigência temporal criada pelas Leis n° 12.435/11 e 12.470/11 é inconstitucional, já que limita, sem que a Constituição o faça, um direito assegurado por norma de cunho constitucional.

Assim, considero que a interpretação constitucional possível do prazo de dois anos hoje previsto no § 10 do art. 20 da Lei n° 8.742/93, com redação dada pela Lei n° 12.470/11, é aquela que o vincula ao caráter temporário do benefício, tal como previsto no art. 21 da Lei n° 8.742/93, possibilitando a revisão do benefício a cada dois anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

Passo, então, à análise das modificações legislativas relacionadas à condição socioeconômica para a concessão do benefício.

Já em sua redação original o art. 20, § 3º, da Lei n° 8.742/93 considerava incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita fosse inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

Trata-se de critério objetivo que já foi declarado constitucional pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN 1.232-1/DF.

Não obstante a constitucionalidade do dispositivo, formou-se, no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, jurisprudência no sentido de que o limite objetivo contido no art. 20, § 3º, da Lei n° 8.742/93 não seria o único critério a ser avaliado na aferição da miserabilidade. Assim, deveria o Poder Judiciário, diante de situações concretas, utilizar outros elementos para verificar a existência do direito ao benefício.

Por ocasião do julgamento da Reclamação n° 2303, o Egrégio Supremo Tribunal Federal entendeu que o art. 20, § 3º, da Lei n° 8.742/93 não só seria constitucional, como também seria o único critério a ser utilizado para aferição das condições de miserabilidade da unidade familiar integrada pelo idoso ou deficiente. A partir de então, o STF passou a julgar procedentes as reclamações ajuizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS para cassar decisões proferidas pelas instâncias jurisdicionais inferiores que concediam o benefício assistencial entendendo que o requisito definido pelo § 3º do art. 20 da Lei n° 8.742/93 não é exaustivo. O Tribunal definiu que o critério de ¼ do salário mínimo era objetivo e não poderia ser conjugado com outros fatores indicativos da miserabilidade do indivíduo e de seu grupo familiar, cabendo ao legislador, e não ao juiz, na solução do caso concreto, a criação de outros requisitos para a aferição do estado de pobreza daquele que pleiteia o benefício assistencial.

Esse posicionamento, porém, tem sido flexibilizado pelo próprio Supremo Tribunal Federal em julgamentos mais recentes. Paulatinamente, a interpretação da Lei n° 8.742/93 em face da Constituição vem sofrendo modificações substanciais na jurisprudência do STF. Não se pode negar que a superveniência de legislação que estabeleceu novos critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais - como a Lei n° 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei n° 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei n° 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei n° 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas; assim como o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03) - revela que o próprio legislador tem reinterpretado o art. 203 da Constituição da República. A análise reiterada de inúmeros e diversificados casos concretos vem demonstrando, na prática, que os critérios objetivos estabelecidos pela Lei n° 8.742/93 são insuficientes para atestar a situação de miserabilidade. Assim, os juízes e tribunais têm, em regra, possibilitado a comprovação da condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova. Não se declara, com tal conduta, a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei n° 8.742/93, mas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade.

A questão pouco se modifica com a entrada em vigência das Leis n° 12.435/11 e 12.470/11, que mantiveram o critério objetivo na redação atual do § 3º do art. 20 da Lei n° 8.742/93.

No que se refere à condição socioeconômica para a concessão do benefício assistencial, a alteração legislativa mais relevante é aquela pertinente ao conceito de família.

Em sua redação original, o § 1º do art. 20 da Lei n° 8.742/93 definia família, para fins de concessão do benefício assistencial, como sendo ‘a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes’.

Apesar da generalidade do termo ‘unidade mononuclear’, a qual era alvo de algumas críticas, simpatizava com essa noção de família, para os estritos fins de análise da condição socioeconômica do benefício assistencial, por estar fundada em dois elementos que considero primordiais na hipótese: a convivência sob o mesmo teto e a colaboração para o orçamento familiar.

Contudo, a Lei n° 9.720/98 alterou a redação do dispositivo em foco, passando a definir família, para fins de concessão do benefício assistencial, como ‘o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto’. Afastou-se da noção de contribuição para o orçamento familiar e adotou-se o rol do art. 16 da Lei n° 8.213/91, que indica de forma taxativa o conjunto de dependentes para fins previdenciários: a) cônjuge ou companheiro; b) filhos, enteados ou tutelados até 21 anos e não emancipados, ou incapazes de qualquer idade; c) pais; d) irmãos até 21 anos de idade não emancipados ou incapazes de qualquer idade.

A restrição comandada pela Lei n° 9.720/98 não se mostrava razoável.

Em um país de dimensões continentais e com tantas diversidades regionais, a família assume uma noção bem mais ampla, de forma que são comuns, em especial nas famílias de menor renda, os agrupamentos de familiares com o intuito de melhor enfrentamento das contingências da vida.

Nesse aspecto, por sua percuciência, convém citar a lição de Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, contida na obra Direito da Seguridade Social – Prestações e Custeio da Previdência, Assistência e Saúde (Porto Alegre, Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 279/280):

‘Ocorre, porém, que, em especial nas famílias de menor renda, o agrupamento de pessoas constitui-se em forma que encontram para melhor fazer face ao contingenciamento da vida, para tentar reunir recursos conjuntos e depender de um único local para habitar. Assim, não se podem desconsiderar outros parentes (como, por exemplo, filhos maiores e netos) do grupo, pois evidentemente também fazem parte da família, o que promove como conseqüência que tanto a renda que eventualmente tiverem deve ser somada à renda familiar, quanto que devem ser considerados como usuários da renda do grupo.

A respeito do tema, de extrema pertinência as considerações tecidas por Roger Raupp Rios:

‘(...) a proteção jurídica aos desamparados não pode ignorar que, nas classes populares, a realidade familiar é culturalmente distinta dos padrões de classe média tidos, na prática, como parâmetros para a elaboração da legislação ordinária. Neste ambiente sócio-cultural, a família é vivida e compreendida de modo mais extenso e dinâmico, possibilitando os mais diversos arranjos a partir da consangüinidade, eu vai além do núcleo formado pela conjugalidade e os filhos daí diretamente decorrentes’.

A jurisprudência, em parte, seguiu essa trilha, tanto que no Fórum Nacional dos Juízes do Juizado Especial Federal – FONAJEF foi aprovado o Enunciado n° 51, com a seguinte redação: ‘O art. 20, parágrafo primeiro, da Lei 8742/93 não é exauriente para delimitar o conceito de unidade familiar’.

Seguindo essa linha, já revelada pelo Enunciado n° 51 do FONAJEF, a Lei n° 12.435/11 ampliou o rol de pessoas que deveriam ser consideradas integrantes da família para fins de concessão do benefício assistencial, dando ao § 1º do art. 20 da Lei n° 8.742/93 a seguinte redação: ‘Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto’.

Não se nega que a nova redação dada ao dispositivo configura notável avanço no sentido de se resguardar a dignidade da pessoa humana. A partir da nova redação do dispositivo, situações muito recorrentes, como a dos filhos e dos irmãos maiores que continuam residindo com a família e participando do orçamento familiar, seja contribuindo para a renda familiar, seja dela usufruindo, passaram a ser incluídas no conceito de família, para os fins do caput do art. 20 da Lei n° 8.742/93.

No entanto, a nova redação do dispositivo dada pela Lei n° 12.435/11 continua restringindo, ainda que em menor grau, o conceito de família para fins de concessão do benefício assistencial. Não foi abarcada na nova redação, por exemplo, a situação de netos que são mantidos, de fato, por avós que não detêm a guarda ou a tutela deles. Assim, continua-se a correr o risco, ainda que em menor grau, de se criar situações injustas, em razão da dificuldade de se estabelecer um conceito hermético de família, tal como mencionado anteriormente.

Em resumo, é de conhecimento geral a produção legislativa desenfreada característica do Brasil. Note-se que as Leis n° 12.435 e 12.470 foram editadas em 6 de julho de 2011 e 31 de agosto de 2011, respectivamente, com menos de dois meses de intervalo entre uma e outra. Os arts. 20 e 21 da Lei n° 8.742/93 são alvos de constantes modificações, as quais nem sempre contribuem para uma análise mais adequada das hipóteses que justificam a concessão do benefício assistencial. Contudo, o princípio da dignidade da pessoa humana sempre iluminou a Constituição da República e a redação do inciso V do art. 203 da Constituição, que assegura o direito ao benefício assistencial, jamais foi modificada. Logo, é inegável que, diante de uma hipótese de pedido de benefício assistencial, não pode o operador do direito descuidar das previsões legais existente. Mas o que é fundamental e imprescindível é que tal análise não se afaste jamais dos regramentos constitucionais, que trazem, em última análise, elementos suficientes para definir, no caso concreto, se determinada pessoa faz jus ou não ao recebimento do benefício.” 

O dr. Paulo Ricardo Arena Filho tratou da aposentadoria do trabalhador rural e enfatizou que “a CF/88 ampliou a proteção do regime geral de previdência (RGPS) aos trabalhadores rurais, equiparando-os aos urbanos, garantindo a uniformidade e a equivalência de benefícios a ambos”. Ressaltou ainda os seguintes pontos:

Trabalhadores Rurais – Categorias - Em regra, há quatro categorias de trabalhadores rurais, sob a ótica previdenciária: a) empregado rural (art. 11, I, “a”); b) contribuinte individual/autônomo (11, V, “g”); c) trabalhador avulso (11, VI); e d) segurado especial (11, VII).

Carência do Trabalhador Rural - regra geral de carência para os rurais: recolhimento de 180 contribuições; regra transitória: art. 143, da lei 8.213/91. Em face de alterações legislativas, esta regra chegou a ser aplicada a todas as espécies de trabalhadores rurais, mas depois, por último, ao empregado rural, segurado contribuinte individual/autônomo e ao segurado especial (Lei 9.063/95) – tudo antes da entrada em vigor da Lei 11.718/2008. Pelo disposto no art. 143, o trabalhador rural tinha que demonstrar, no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo (ou ao implemento da idade, de acordo com recente jurisprudência), labor no campo em número idêntico ao da carência exigida, nos termos da tabela do art. 142, da Lei 8.213/91.

Algumas questões práticas sobre o tema, em consonância com a jurisprudência dominante - período imediatamente anterior: não se admite período trabalhado na roça que não seja imediatamente anterior, ou seja, que esteja muito além da data da DER ou do implemento da idade exigida (PET 7476/STJ e TNU). Início de prova material: há que se ter ao menos um documento válido e contemporâneo dentro do período de carência a ser demonstrado, a título de início de prova material. não importa que este documento abranja ou se refira apenas a pequena parte do período que se quer demonstrar. O início de prova material não exige prova plena, mas meramente indiciária, a possibilitar a instrução do processo e o seu julgamento. Sem o início de prova material, o processo é julgado improcedente de pronto, não se abrindo à oitiva de testemunhas. Os documentos aceitos como início de prova material são os mais variados possíveis (documentos oficiais: certidões nascimento, casamento, óbito; certidão do incra, justiça eleitoral, ITR, entre outros; se aceita também carteira de filiação a sindicatos de trabalhadores; carnês de recolhimento da contribuição sindical, entre outros) - consulta ao site www.jf.jus.br ou www.cjf.jus.br, na parte da TNU, jurisprudência temática da TNU, onde há indicação dos documentos servíveis e inservíveis como início de prova material. Aceitam-se também documentos em nome de terceiros próximos, tais como pais, cônjuges. Entende-se também que as certidões de registro de nascimento, casamento e óbito, dada a sua natureza de documento público, podem, em caráter excepcional, ser aceitas como início de prova material, mesmo que extemporâneas ao período que se quer demonstrar. Cabe à prova testemunhal ampliá-la (início de prova material), seja retrospectivamente, seja prospectivamente, para o fim de reconhecer todo o período pugnado. Bóia-fria: tem-se entendido não se exigir início de prova material do bóia-fria, tendo em vista as peculiaridades da sua atividade rural (trabalho em inúmeras propriedades). Períodos intercalados com atividade urbana: tem-se entendido que não elide a qualidade de rurícola se o trabalhador labora alguns períodos urbanos (entressafra; seca, entre outros). tem que ficar claro que a atividade rural é a predominante. se for por longos períodos, descaracteriza. Segurado Especial – Questões Específicas: segurado especial é aquele que desempenha labor rural (produtor, proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro, arrendatário, seringueiro, pescador) em regime individual ou em regime de economia familiar. No regime de economia familiar há de haver o concurso e o esforço comuns (mútua dependência e colaboração) dos membros que integram a família. atividade de subsistência. No regime individual (muito debatido, dada a dificuldade de caracterizá-lo) o esforço concentra-se todo na figura de uma só pessoa. ex.: filho solteiro que explora solitariamente determinada propriedade. Uso de empregados/terceiros nas atividades: a legislação permite que haja o concurso eventual e limitado de empregados; não podem ser permanentes. Trabalho ou aposentadoria urbana de um dos cônjuges não descaracteriza o regime de economia familiar. O STJ e a TNU (súmula 41) entendem que o labor ou aposentadoria urbana de um dos cônjuges não descaracteriza, por si só, a condição de segurado especial do outro cônjuge. Nessa hipótese é imperioso que se demonstre que os ganhos auferidos pela atividade rural sejam imprescindíveis à mantença da família. A conclusão contrária, no sentido da renda rural ser apenas um complemento, a predominar a renda urbana, descaracterizaria a qualidade de segurado especial.

Fim da regra transitória para os trabalhadores rurais - a regra inserta no art. 143 da Lei 8.213/91 persistiu até 20/06/2008 para o segurado especial e até 31/12/2010 para o empregado rural e o autônomo/segurado contribuinte individual. Assim sendo, desde 21/06/2008, o art. 143 não se aplica mais para o segurado especial. Entretanto, tem-se entendido que, a par da revogação dessa norma, persiste em caráter permanente a possibilidade de obtenção de tal benefício, sem caráter contributivo, com base no art. 26, inc. III (independe de carência), art. 39, inc. I e art. 48, § 2º da mesma Lei 8.213/91. É evidente que a partir de 2011 aplicar-se-á sempre a exigibilidade do prazo carencial de 180 contribuições, no período imediatamente anterior. Esse benefício, nesses moldes, atualmente, dada a natureza contributiva da previdência social, torna-se um corpo estranho, porque continua, mesmo ultrapassado o período da norma de transição, manifestamente ‘não contributivo’. Entretanto, para o empregado rural e o autônomo/segurado individual, a norma transitória vigeu até 31/12/2010. Prováveis consequências das alterações - pelo que se depreende dos termos da Lei 11.718/2008 (registro que ainda há muitas dúvidas interpretativas a respeito entre os colegas), a situação ficou da seguinte forma: a) para o empregado rural foi inserida mais uma regra de transição, antes de compeli-lo ao recolhimento de ao menos 180 contribuições. Assim, para obter aposentadoria por idade rural, no importe de 01 salário-mínimo, o segurado terá que, de janeiro/2011 a dezembro/2015, comprovar uma contribuição a cada três meses, ou seja, pelo menos 04 contribuições por ano; de janeiro/2016 a dezembro de 2020, de ao menos uma contribuição a cada dois meses, ou seja, 06 contribuições por ano de carência; e a partir daí a regra geral de 180 contribuições. Mas considerando que quanto ao empregado rural o recolhimento é presumido – pelo seu empregador -, na prática, basta demonstrar meses de atividade rural durante o ano (então de 2001/2015, basta demonstrar 04 meses trabalhados para valer 01 ano; de 2016 a 2020, basta demonstrar 06 meses trabalhados para valer 01 ano). b) para o contribuinte individual/autônomo não se aplica tal regra, vez que por força do art. 3º, parágrafo único da Lei 11.718/08, foi expressamente excluído de regra de transição. isto significa dizer que ao segurado contribuinte individual resta demonstrar o recolhimento de 180 contribuições previdenciárias. Fato este que é cruel para com o autônomo – que, diferentemente do empregado rural, ficou sem a transição da transição. Talvez uma interpretação sistemática da legislação processual, ancorada no princípio constitucional da isonomia, possa reincluir o contribuinte individual/autônomo dentro da nova sistemática (mesmo porque lhe é mais benéfica). Mas como já dito, a nova legislação é confusa e sujeita a muitos vetores interpretativos, que podem variar à medida que os casos passem a ser julgados. Considero, por oportuno, que os benefícios cujo titular, seja empregado rural, seja contribuinte individual/autônomo, tenham sido requeridos a partir de 2011, mas cujos requisitos já se encontrem satisfeitos antes de 31/12/2010, seguem a sistemática revogada do art. 143, da Lei 8.213/91, em face do direito adquirido. Mas, especialmente no caso do empregado rural, caso os requisitos sejam atendidos já dentro da nova sistemática, é de se considerar tanto o período pretérito, nos termos do então art. 143, e os termos da nova legislação, para os períodos posteriores a 01/01/2011. Esse é o meu pensar nesse momento, ainda de parca discussão jurídica sobre a recente alteração.

Esse magistrado discorreu ainda sobre a perícia por similaridade, observando que “o JEF de Ribeirão Preto, até meados de 2009, valia-se da perícia por similaridade quando a empresa não mais existia. Entretanto, dada a falta de segurança das perícias, vez que nem sempre o ambiente, ainda que supostamente semelhante, era retratado de modo fidedigno, deixou-se de recorrer a este expediente. Atualmente somente em casos muito pontuais é determinada a sua realização.”

O dr. Leonardo Estevam de Assis Zanini discorreu sobre o tema da desaposentação e deixou como contribuição cópia de uma sua sentença, recém-exarada, que compreende as diversas questões abordadas naquela oportunidade, a qual segue transcrita:

“Vistos em sentença. REGINALDO VELOSO DE MENEZES, com qualificação na inicial, propôs a presente demanda, sob o procedimento ordinário, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando sua desaposentação, cômputo de período posteriormente laborado e subsequente concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição mais vantajosa, com pagamento das diferenças atrasadas, acrescidas de honorários advocatícios. A inicial veio instruída com os documentos indispensáveis ao ajuizamento da ação. Concedidos os benefícios da justiça gratuita e determinado à parte autora que emendasse a petição inicial (fl. 47), esta se manifestou à fl. 49. É o relatório. Decido. Inicialmente, destaco o disposto no artigo 285-A do Código de Processo Civil (incluído pela Lei 11.277/2006): ‘Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada’. Assim sendo, passo ao julgamento, recebendo como emenda à inicial a petição de fl. 49. Usando como razão de decidir os fundamentos utilizados nas sentenças proferidas nos autos n.º 2007.61.83.000878-7 (em 17/11/2009), publicada no Diário Eletrônico da Justiça de 07/12/2009, páginas 255-260, e nos autos n.º 2009.61.83.007478-1 (em 25/06/2010), publicada no Diário Eletrônico da Justiça de 01/07/2010, páginas 413-417, passo a sentenciar, nos termos do mencionado artigo do CPC, fazendo apenas as alterações pertinentes ao presente caso. A discussão central gira em torno da possibilidade da desconstituição do ato da aposentadoria, por iniciativa de seu titular, a fim de que o beneficiário possa contar o tempo de filiação anteriormente computado para efeito de concessão de novo benefício. A aposentadoria é um ato complexo, e, como tal, composto de elementos distintos, não tendo nenhum deles, isoladamente, aptidão para produzir efeitos jurídicos. O fato idôneo previsto em lei capaz de fazer nascer o direito à percepção das prestações mensais da aposentadoria verifica-se no momento em que o interessado requer o benefício, já que a aposentadoria depende de uma sucessão de atos para sua aquisição. Marco decisivo, portanto, é o do momento em que o trabalhador expressa sua vontade de passar para a inatividade. No sistema normativo vigente até a Emenda Constitucional 20/98, era facultado, ao segurado, aposentar-se proporcionalmente por tempo de serviço, se assim o quisesse, observados os demais requisitos legais. Em outras palavras, o interessado poderia exercer seu direito, disponível, de se aposentar mais cedo, arcando, contudo, com o ônus de receber um valor menor do que receberia se tivesse laborado durante todo o tempo necessário para a percepção de uma prestação maior. Não se ignora, decerto, que há muita discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade da desaposentação, e, mesmo para aqueles que a admitem, remanesce a indagação se ela seria permitida apenas quando o segurado pretende a obtenção de aposentadoria em regime previdenciário distinto ou se também seria admissível para a percepção de nova aposentadoria dentro do próprio Regime Geral da Previdência Social. Na última hipótese, o que o segurado almeja, no final das contas, é a revisão de sua aposentadoria mediante a majoração do coeficiente de cálculo do benefício, computando-se o tempo de contribuição posterior à data de concessão da aposentadoria proporcional. Em outras palavras, o que a parte deseja, na verdade, não é um novo benefício, mas o mesmo benefício com valor maior. Tal pretensão, contudo, esbarra em vários óbices. Não se harmoniza com nosso ordenamento, em primeiro lugar, a tese de que, ao segurado, cabe a escolha do critério de cálculo e, especialmente, da lei que considere mais interessante na aplicação da prestação almejada, podendo optar, ad aeternum, pelas normas que entenda mais adequadas à sua aspiração, independentemente de considerações sobre sua eficácia no tempo. O que se busca, ao contrário, é a segurança das relações jurídicas, cabendo ao interessado, seguindo as regras pertinentes, manifestar sua intenção em passar para a inatividade, e, ao órgão previdenciário, aplicar a lei em vigor. Observe-se, ademais, que o ato concessivo da aposentadoria apresentou-se, no caso, revestido de todos os elementos necessários para lhe dar validade, estando protegido, por conseguinte, pelo artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República. Como se tais argumentos não bastassem, não se pode esquecer que o §2º do artigo 18 da Lei 8.213/91 veda expressamente, ao jubilado que continuar ou voltar a exercer atividade sujeita ao Regime Geral da Previdência Social, o recebimento de qualquer prestação decorrente do exercício dessa atividade, com exceção do salário-família e da reabilitação profissional, no caso do empregado. O §3º do artigo 11 do Plano de Benefícios dispõe, ainda, que o aposentado que continuou ou voltou a trabalhar é segurado obrigatório, ficando necessariamente sujeito, portanto, às contribuições previdenciárias devidas em razão dessa atividade ulterior. Por fim, reza o artigo 181-B do Decreto 3.048/1999 que as aposentadorias por idade, por tempo de contribuição e especial são irreversíveis e irrenunciáveis. Desse quadro normativo, importa destacar, em síntese, a irreversibilidade da aposentadoria, a sujeição do aposentado que optou por continuar trabalhando às exações destinadas ao custeio da Seguridade Social e a impossibilidade de percepção de qualquer benefício relacionado à atividade exercida após a aposentadoria, salvo o salário-família e a reabilitação profissional, e, mesmo assim, apenas em se tratando de empregado. Postas tais premissas, é forço concluir que o tempo de serviço posterior à aposentadoria não pode ser computado, surgindo a desaposentação, nesse contexto, como mero expediente para contornar a legislação em busca da majoração do valor do benefício por meio do aumento do coeficiente de cálculo. No sentido de que o período laborado após a passagem para a inatividade nem gera direito a nova aposentadoria nem pode ser contado para fins de alteração do coeficiente proporcional, vejam-se, a propósito, os seguintes julgados: ‘PREVIDENCIÁRIO – REVISÃO DE BENEFÍCIO – PERMANÊNCIA EM ATIVIDADE - AUMENTO DO COEFICIENTE DE CÁLCULO - VEDAÇÃO IMPOSTA PELO ART.18, § 2º DA LEI 8.213/91 1. O art.18, § 2º da Lei 8.213/91 veda expressamente ao aposentado que permanece ou retorna à atividade sujeita ao Regime Geral de Previdência Social o direito à percepção de qualquer prestação decorrente do exercício dessa atividade. 2. O tempo de serviço posterior à aposentadoria não gera direito à nova aposentação, nem pode ser computado para fins de aumento de coeficiente proporcional desta. 3. O art. 53, I, da citada lei previdenciária diz respeito, tão-somente, à forma de apuração da renda mensal inicial nos casos de aposentadoria por tempo de serviço, o que não é o caso dos autos. 4. Recurso improvido.’ (TRF da 2ª REGIÃO. Classe: Apelação Cível n.º 163071. Processo n.º 9802067156/RJ. Relator Desembargador Federal Frederico Gueiros. DJU de 22/03/2002, p. 326/327). ‘PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO LABORADO APÓS A JUBILAÇÃO PARA FINS DE REVISÃO DA RENDA MENSAL DA APOSENTADORIA. ÓBICE. ART. 12, § 4º, DA LEI Nº 8.212/91 E ART. 18, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, CPC. DECISÃO SUPEDANEADA NA JURISPRUDÊNCIA DO C. STF E DESTA CORTE. AGRAVO DESPROVIDO.  A decisão agravada está em consonância com o disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil, visto que supedaneada em jurisprudência consolidada do Colendo Supremo Tribunal Federal e desta Corte. O cômputo do tempo de contribuição laborado após a jubilação, para fins de revisão da renda mensal da aposentadoria, encontra óbice nos artigo 12, § 4º, da Lei nº 8.212/91 e artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91. As contribuições recolhidas pelo aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ele retornar, destinam-se ao custeio da Previdência Social, em homenagem ao princípio constitucional da universalidade do custeio, não gerando direito à nenhuma prestação da Previdência Social, em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. Consoante entendimento esposado pelo STF, não há correspondência entre a contribuição recolhida pelo aposentado, que permanece ou retorna à atividade, e o incremento dos proventos, pelo que totalmente incabível a pretensão da parte autora de recálculo da renda mensal de sua aposentadoria com o aproveitamento do tempo de serviço e das contribuições vertidas após a sua jubilação. As razões recursais não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando a rediscussão da matéria nele contida. Agravo desprovido.’ (Origem: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL – 1451719. Processo: 2008.61.83.011633-3. UF: SP. Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA. Data do Julgamento: 06/07/2010. Fonte: DJF3 CJ1 DATA: 14/07/2010 PÁGINA: 1786. Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI)(grifo nosso). Não há nada de aberrante, aliás, na exigência de contribuição do aposentado que voltou a trabalhar sem que haja a possibilidade, em regra, de percepção de benefícios do Regime Geral da Previdência Social. Afinal, o constituinte de 1988, tendo em mira a justiça e o bem-estar sociais, consagrou o princípio de que alguns terão que suportar encargos maiores a fim de que outros, mais carentes, possam ser atendidos com prioridade, estabelecendo-se, assim, a solidariedade entre gerações e entre classes sociais. Não há um paralelismo necessário, assim, entre benefício e contribuição previdenciária. É estranha ao sistema da previdência pública, com efeito, a correlação estrita entre a obrigação de contribuir e o direito aos benefícios. A ‘(...) tanto equivaleria a simples edificação de uma grande caderneta de poupança (seja-nos permitida a expressão) compulsória, à chilena’. (Wagner Balera. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo, Ltr, p. 58-59). Nossa Carta Fundamental, em vez disso, ‘(...) cristalizou a idéia de que a seguridade social deve ser financiada por toda a sociedade, desvinculando a contribuição de qualquer contraprestação (...)’, vedando, em seu artigo 195, ?§5º, ‘(...) a criação, majoração ou extensão de benefício ou serviço da Seguridade Social sem a correspondente fonte de custeio, mas não o contrário’, do que se depreende que ‘(...) o trabalhador aposentado por tempo de serviço, que continua trabalhando ou retorna à atividade produtiva incluída no Regime da Previdência Social, reassume a condição de segurado e contribuinte obrigatório, sujeitando-se às contribuições destinadas ao custeio da Seguridade Social.’ (TRF 3ª Região; Apelação Cível n.º 1165219; Processo n.º 2005.61.19.006629-4; Relatora Desembargadora Federal Ramza Tartuce. DJU de 06/06/2007, p. 402). Contribuindo, destarte, para o sistema, e não para uma contraprestação específica, o aposentado que retorna ao mercado de trabalho ou nele permanece deve recolher as importâncias devidas aos cofres da Previdência Social em razão do caráter social das contribuições, e não com o escopo de aumentar sua renda mensal, não se admitindo, por conseguinte, o cômputo dessas contribuições ulteriores para a concessão de benefício com valor superior, até para que não se venha a contornar, na prática, de modo oblíquo e sem qualquer base legal, a extinção do abono de permanência em serviço. Logo, também sob esse enfoque revela-se injustificada a desaposentação, computando-se o período posteriormente laborado com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de serviço integral, já que não há - nem se pretende que haja - liame pessoal entre as contribuições e as prestações. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a demanda, extinguindo o processo com resolução do mérito, com fulcro no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Em razão da concessão da justiça gratuita, fica a parte autora eximida do pagamento de custas e honorários advocatícios, conforme posicionamento pacífico da 3ª Seção do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Transcorrido o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais, dando-se baixa na distribuição. P. R. I.”

O dr. Leonardo também repassou para este coordenador, objetivando fosse retransmitido aos colegas, as recentes decisões do STF sobre a desaposentação, as quais, de modo sintetizado, integram este texto:

Desaposentação é tema de repercussão geral

O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de repercussão geral na questão constitucional suscitada em recurso em que se discute a validade jurídica do instituto da desaposentação, por meio do qual seria permitida a conversão da aposentadoria proporcional em aposentadoria integral, pela renúncia ao primeiro benefício e o recálculo das contribuições recolhidas após a primeira jubilação. A matéria é discutida no Recurso Extraordinário (RE) 661256, de relatoria do ministro Ayres Britto.

Segundo o ministro Ayres Britto, a controvérsia constitucional está submetida ao crivo da Suprema Corte também no RE 381367, cujo julgamento foi suspenso em setembro do ano passado pelo pedido de vista do ministro Dias Toffoli. No referido recurso, discute-se a constitucionalidade da Lei 9.528/97, a qual estabeleceu que ‘o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado’.

‘Considerando que o citado RE 381367 foi interposto anteriormente ao advento do instituto da repercussão geral, tenho como oportuna a submissão do presente caso ao Plenário Virtual, a fim de que o entendimento a ser fixado pelo STF possa nortear as decisões dos tribunais do país nos numerosos casos que envolvem a controvérsia’, destacou o ministro Ayres Britto ao defender a repercussão geral da matéria em debate no RE 661256.

Para o ministro, ‘salta aos olhos que as questões constitucionais discutidas no caso se encaixam positivamente no âmbito de incidência da repercussão geral’, visto que são relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e ultrapassam os interesses subjetivos das partes envolvidas. Há no Brasil 500 mil aposentados que voltaram a trabalhar e contribuem para a Previdência, segundo dados apresentados pela procuradora do INSS na sessão que deu início ao julgamento do RE 381367, no ano passado.

RE 661256

No recurso que teve reconhecida a repercussão geral da matéria constitucional debatida, o INSS questiona decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheceu a um segurado aposentado o direito de renunciar à sua aposentadoria com o objetivo de obter benefício mais vantajoso, sem que para isso tivesse que devolver os valores já recebidos. O autor da ação inicial, que reclama na Justiça o recálculo do benefício, aposentou-se em 1992, após mais de 27 anos de contribuição, mas continuou trabalhando e conta atualmente com mais de 35 anos de atividade remunerada com recolhimento à Previdência.

Ao tentar judicialmente a conversão de seu benefício em aposentadoria integral, o aposentado teve seu pedido negado na primeira instância, decisão esta reformada em segundo grau e no STJ. Para o INSS, o reconhecimento do recálculo do benefício, sem a devolução dos valores recebidos, fere o princípio do equilíbrio atuarial e financeiro previsto na Constituição (artigo 195, caput e parágrafo 5º, e 201, caput), além de contrariar o caput e o inciso 36 do artigo 5º, segundo o qual a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito.

RE 381367

No outro recurso (RE 381367), de relatoria do ministro Marco Aurélio e que trata de matéria constitucional idêntica, aposentadas do Rio Grande do Sul que retornaram à atividade buscam o direito ao recálculo dos benefícios que lhe são pagos pelo INSS, uma vez que voltaram a contribuir para a Previdência Social normalmente, mas a lei só lhes garante o acesso ao salário-família e à reabilitação profissional. As autoras alegam que a referida norma prevista na Lei 9.528/97 fere o disposto no artigo 201, parágrafo 11, da Constituição Federal, segundo o qual “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.

O caso começou a ser analisado pelo Plenário do STF em setembro do ano passado, quando o relator votou pelo reconhecimento do direito. Para o ministro Marco Aurélio, da mesma forma que o trabalhador aposentado que retorna à atividade tem o ônus de contribuir, a Previdência Social tem o dever de, em contrapartida, assegurar-lhe os benefícios próprios, levando em consideração as novas contribuições feitas. O julgamento, no entanto, foi suspenso por pedido de vista.

Por fim, falou Rui Brunini Júnior, gerente executivo do INSS em Ribeirão Preto, que apresentou ao público alguns demonstrativos da Previdência Social (números), o que surpreendeu os presentes, já que a grande maioria não tinha visão tão clara da proficiência que tem caracterizado o INSS nos últimos tempos. 

(*) Texto: juiz Paulo César Scanavez, coordenador do Núcleo de Ribeirão Preto da EPM 

Fotos: Núcleo de Ribeirão Preto

 

 


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