Núcleo de Ribeirão Preto realiza “Encontro sobre responsabilidade civil decorrente de erro médico”
O Encontro sobre Responsabilidade Civil decorrente de erro médico, promovido pelo Núcleo Regional de Ribeirão Preto da Escola Paulista de Magistratura, no dia 4 de fevereiro de 2012, no salão do júri em Ribeirão Preto, contou com a presença de três palestrantes: Dr. Ênio Santarelli Zuliani, Dr. Carlos Teixeira Leite Filho, ambos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Álvaro Avezum Júnior, MD, PhD, Especialista em Cardiologia, Diretor da Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia São Paulo.
Confira, abaixo, o resumo do evento:
- O dr. Ênio Santarelli Zuliani falou sobre os Aspectos da Responsabilidade Civil por Erro Médico – evolução da jurisprudência com mudanças e paradigmas – inversão do ônus da prova e incidência da teoria da chance perdida como critério de indenização. Resumiu sua fala no seguinte texto:
“Introdução. A área de saúde tem destaque quando se trata de responsabilidade civil. Impressiona a frequência com que são relatados danos suportados por aqueles que se submetem a tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas.
Em 2008, uma pesquisa do STJ já revelava um aumento de 200% no número de processos por erro médico. Em um só ano, quase 400 novos processos foram autuados por esse motivo, a maioria questionando a responsabilidade civil dos profissionais (http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicação/engine.wsp?tmp.area=
398&tmp.texto=89920).
Ademais, estudos do CREMESP concluídos em 2007 apontaram um aumento, em sete anos, no número de médicos denunciados (75%) e de processos em andamento (120%). Apurou-se que 35% das denúncias e 43% dos processos contra médicos estariam relacionados a suposta má prática profissional (negligência, imperícia ou negligência), sendo que, no período, 1.250 médicos foram punidos após julgamento.
Dentre as especialidades médicas, a da cirurgia plástica seria a de maior taxa de reclamações. Em 2008, revelou-se que cerca de 97% dos médicos que responderiam a processos ético-profissionais, relacionados a cirurgias plásticas e procedimentos estéticos, não possuiriam título de especialista na área.
A publicidade irregular ou enganosa seria responsável por cerca de 67% dos processos, enquanto as denúncias de má prática profissional responderiam por cerca de 28% dos processos éticos, que envolvem a suposta má prática (negligência, imperícia ou imprudência).
É preciso observar que, dentre outros fatores, a falta de quantidade suficiente de médicos e hospitais estruturados, as falhas na relação e comunicação entre os profissionais e seus pacientes e até problemas de formação acadêmica colaboram para a verificação crescente de danos morais, físicos e estéticos, que não podem ficar sem a devida reparação.
Com o consumidor exigindo cada vez maior eficiência, estimulado, também, pelo progresso dos aparelhos médicos e hospitalares que garantem os resultados, a relação entre paciente e médico perdeu o encanto que a credibilidade insuspeita outorgava.
Não se sabe se, bem por isso ou pela má-formação deles, os erros médicos agravaram-se em quantidade e variedade, assustando os juízes, que, perplexos com o crescimento e com a complexidade da matéria, vacilam no exame de alguns casos concretos e, com isso, perdem a oportunidade de construção de uma jurisprudência saudável. A política de interesse do consumidor deverá contagiar a função jurisdicional.
Diante desta realidade, o Judiciário tem papel relevante no controle da qualidade e segurança dos serviços médicos prestados ao consumidor, estimulando, por meio das sentenças proferidas, a conscientização setorial e avanços no tratamento dos pacientes, colaborando para que a sociedade não se acomode com uma medicina muitas vezes exercida com aspecto massificado.
Ressalte-se que a responsabilidade civil na área de saúde é matéria que está em constante desenvolvimento, na medida em que acompanha o próprio progresso da medicina. A evolução no campo de responsabilidade civil médica é notada pelo próprio avanço e pela mutação nos entendimentos jurisprudenciais. Há algum tempo, por exemplo, prevalecia o entendimento de que o chefe da equipe médica e o hospital poderiam responder pelo erro cometido pelo médico anestesista, principalmente por se admitir a subordinação deste profissional. Citem-se, como exemplo:
“CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ERRO MÉDICO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO CIRURGIÃO (CULPA IN ELIGENDO) E DO ANESTESISTA RECONHECIDA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO - MATÉRIA DE PROVA - SUM. 7/STJ. I - O MÉDICO CHEFE É QUEM SE PRESUME RESPONSÁVEL, EM PRINCÍPIO, PELOS DANOS OCORRIDOS EM CIRURGIA POIS, NO COMANDO DOS TRABALHOS, SOB SUAS ORDENS E QUE EXECUTAM-SE OS ATOS NECESSÁRIOS AO BOM DESEMPENHO DA INTERVENÇÃO. II - DA AVALIAÇÃO FÁTICA RESULTOU COMPROVADA A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO CIRURGIÃO (QUANTO AO ASPECTO "IN ELIGENDO") E DO ANESTESISTA PELO DANO CAUSADO. INSUSCETÍVEL DE REVISÃO ESTA MATÉRIA A TEOR DO ENUNCIADO NA SUM. 7/STJ. III - RECURSO NÃO CONHECIDO.” (STJ, REsp 53104 / RJ, Ministro Waldemar Zveiter, DJ 16/06/1997).
“Agravos retidos não providos e provimento, em parte, dos recursos de apelação - Hipótese de inexplicável e absurdo risco compartilhado por médicos (clínico, cirurgião e anestesista) ao realizarem cirurgia de hemorróidas, com anestesia geral, permitindo, por falta de prévia avaliação do paciente sobre reações adversas, que sucedesse parada cardiorrespiratória no pós-cirúrgico - Responsabilidade dos membros da equipe, notadamente do clínico que atuou como auxiliar cirúrgico e não advertiu o anestesista (por ele escolhido) sobre as condições adversas do paciente (ansioso e com antecedente de parada cardíaca), o que constituí falta grave pela imprudente, negligente e imperita atuação do anestesista, considerado médico sem condições (idoso) de cumprir a tarefa – Vínculo do cirurgião que permitiu a anestesia em tais condições (...)” (TJ/SP, Apelação nº 994.08.016551-1 Relator ÊNIO SANTARELLI ZULIANI, j. em 13.05.2010).
“RESPONSABILIDADE CIVIL - Erro médico - Filho dos autores que, ao ser submetido à cirurgia para retirada de adenóide e amídalas nas dependências da ré, sofreu danos neurológicos irreversíveis, em virtude de falta de oxigenação no cérebro durante a cirurgia, segundo os laudos periciais carreados aos autos - Possível a responsabilização do hospital pelos danos causados - Preposição fundada não em relação de subordinação entre a instituição e o médico e o anestesista que realizaram a cirurgia, mas sim na direção econômica e organizacional do hospital sobre os profissionais que nele atuam – Conceito funcional de preposição - Danos materiais e morais evidentes - Indenização por danos materiais que abrange não apenas os gastos já efetuados com o tratamento do menor, mas também as despesas futuras a este título - Necessária majoração da indenização por danos morais, a fim de atender as funções reparadora e punitiva da indenização - Devida ainda a atribuição de pensão mensal vitalícia, considerada a incapacidade laborai permanente do menor e o fato de seus pais auferirem parcos rendimentos (...) ” (TJ/SP, Apelação nº 990.10.014137-6, Relator Francisco Loureiro, 09.09.2010).
Ocorre que, recentemente, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o chefe da equipe médica não responderia solidariamente por erro médico cometido pelo anestesista que participou do procedimento cirúrgico (EREsp 605435/RJ , conforme noticiado no site do STJ, aos 30.09.2011).
O caso era de paciente que se submeteu à cirurgia plástica e sofreu parada cardiorespiratória e graves danos cerebrais. De acordo com a decisão, somente caberia a responsabilização solidária do chefe da equipe médica se o causador do dano tivesse atuado na condição de subordinado e sob seu comando.
O julgamento foi por maioria e o voto da relatora ministra Nancy Andrighi, ficou vencido, pois reconheceu que a clínica e o chefe da equipe poderiam responder, solidariamente, pelo erro médico cometido pelo anestesista, já que, uma vez caracterizado o trabalho de equipe, deveria ser admitida a subordinação dos profissionais de saúde que participam do procedimento cirúrgico em si, configurando-se verdadeira cadeia de fornecimento do serviço, nos termos do artigo 34, c/c artigo 14, do CDC. Os ministros Massami Uyeda, Luis Felipe Salomão e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a relatora.
Por outro lado, os ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antônio Carlos Ferreira, Villas Boas Cueva e Marco Buzzi divergiram em parte e o relator para o acórdão (ministro Raul Araújo) consignou que deveria prevalecer a tese de que, se o dano decorre exclusivamente de ato praticado por profissional que, embora participante da equipe médica, atua autonomamente em relação aos demais membros, sua responsabilidade deve ser apurada de forma individualizada, excluindo-se aí a responsabilidade do cirurgião-chefe.
O julgamento mencionado está em consonância com o entendimento de que a ideia de independência do anestesista está prevalecendo sobre a noção de que o cirurgião-chefe seria responsável por todos os problemas acontecidos durante a intervenção cirúrgica.
Nesse sentido, Hamid Charaf Bdine Júnior afirma que o cirurgião-chefe não pode mais ser visto como responsável pela conduta do anestesista, já que cada qual tem sua autonomia. (“Responsabilidade civil em infecção hospitalar e na anestesiologia”, in Responsabilidade Civil da Área de Saúde, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 125).
Trata-se, portanto, de exemplo da constante atualização dos conceitos em matéria de responsabilidade civil no campo médico e, sobre o assunto, convém ao magistrado estar atento às circunstâncias do caso concreto, diferenciando hipóteses em que o anestesista realmente atuou de forma autônoma daquelas em que a subordinação prevalece até mesmo pelo fato de a escolha do profissional ter derivado exclusivamente do chefe da equipe, sem qualquer participação do paciente (culpa in eligendo e in vigilando).
2. Regime jurídico da responsabilidade civil na área de saúde
O cerne da responsabilidade civil está na ideia de que quem causa um dano a outrem deve providenciar a sua integral reparação, não se podendo perder de vista, portanto, os pressupostos da obrigação de indenizar: ação, dano e nexo de causalidade, delineados no art. 927, do CC.
No campo médico, pode-se dizer que a ação consiste em uma lesão ao direito à vida, à integridade física ou psíquica. Já o dano pode ser material, moral ou estético, sendo que o art. 951, do CC estabelece: “O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.
O art. 948, do CC dispõe que, no caso de morte, devem ser pagas as despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família, além dos alimentos devidos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. O art. 949, do CC, por sua vez, assegura indenização pelas despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, no caso de lesão ou outra ofensa à saúde. Por fim, o art. 950, do CC, garante pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação sofrida, na hipótese de defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho.
Como terceiro pressuposto tem-se o nexo de causalidade entre a ação e o resultado danoso, sendo que a sua investigação é o verdadeiro desafio na análise das condutas e omissões médicas e as lesões sofridas pelos pacientes.
Acrescente-se que de diversas formas os profissionais da área de saúde podem trazer danos indenizáveis a seus pacientes. A lesão à vida a à integridade física pode ocorrer, não apenas em casos de erro médico propriamente dito, mas também de falhas no dever de informação (consentimento informado), ausência de recomendações e exames no pré e pós-operatório, erros de diagnóstico, omissão de socorro, etc.
Quanto aos seus fundamentos, convém salientar que a responsabilidade civil evoluiu e sofreu expansões em diversos aspectos, como ensina Carlos Roberto Gonçalves (“Responsabilidade Civil”. 11 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 6), “o surto de progresso, o desenvolvimento industrial e a multiplicação dos danos acabaram por ocasionar o surgimento de novas teorias, tendentes a propiciar maior proteção às vítimas”.
Verifica-se notória evolução no tocante ao seu fundamento, pois deixou se ser embasada apenas na culpa, que se mostrou incapaz de gerar a reparação de todos os danos relevantes. Com isso, a indenização passou a ter como base também o risco, possibilitando uma tutela jurídica mais ampla às pessoas lesadas e a admissão de que o desenvolvimento de atividade arriscada pode dar ensejo à responsabilidade civil. Houve ainda uma ampliação quanto à sua área de incidência, com maior abrangência dos fatos que ensejam o ressarcimento, de pessoas responsáveis e sujeitos beneficiados, com aceitação da culpa presumida e responsabilidade pelo risco da atividade, além da indenização, não só direta e por fatos próprios, mas também indireta e por fatos de terceiros, animais e coisas. Ademais, se constata evolução quanto ao alcance da responsabilização, que deverá visar à total reparação dos direitos das vítimas ou seus herdeiros, através de uma restauração “in natura” ou pela indenização do equivalente pecuniário.
Conforme lição de Caio Mário da Silva Pereira (“Instituições de direito civil”, Vol. III, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 560), “campo fértil aos debates e aos litígios, a responsabilidade civil tem procurado libertar-se do conceito tradicional de culpa. Esta é, às vezes, constritora e embaraça com frequência a expansão da solidariedade humana. A vítima não consegue, muitas vezes, vencer a barreira processual, e não logra convencer a Justiça dos extremos da imputabilidade do agente. Desta sorte, continuando, embora vítima, não logra o ressarcimento. É verdade que a tendência é o alargamento do conceito de culpa e consequente ampliação do campo da responsabilidade civil, ou do efeito indenizatório”.
Especialmente quanto aos fundamentos, quando se trata de responsabilidade civil na área de saúde, ganha destacada importância a diferenciação entre responsabilidade objetiva e subjetiva, além do sentido de ampla reparação de danos, ainda que pela compensação em valor pecuniário.
3. Perda de uma chance
A responsabilização pela chance perdida representa um exemplo da busca da ampla reparação de danos.
Consiste em compensar a vítima por conduta omissiva ou comissiva que lhe retirou real oportunidade de obter um resultado que lhe é favorável, tal como, na área médica, no caso de tratamento negligente que diminui as chances de cura ou sobrevida do paciente.
Recomenda-se a leitura das obras de Rafael Peteffi da Silva (“Responsabilidade civil pela perda de uma chance”, Ed. Atlas) e Sérgio Savi (“Responsabilidade pela perda de uma chance”, Ed. Atlas) e Juan Manuel Prévôt e Rubén Alberto Chaia (“Pérdida de chance de curación”, Ed. Astrea, Buenos Aires) e Aída Kemelmajer de Carlucci (“Reparación de la ‘chance’ de curación y relación de causalidad adecuada”, in Revista de Derecho de Daños). E sobre o tema, cabe destacar os seguintes precedentes:
“Responsabilidade civil - Paciente que se apresenta com sintomatologia de úlcera duodenal e que é internado e tratado caso de obstrução intestinal, recebendo alta sem que se realizasse o exame com duodenoscópio (instrumento utilizado para examinar o interior do duodeno), sabidamente o mais seguro para indicar o diagnóstico cientificamente mais provável - Morte no dia seguinte ao da liberação hospitalar por hemorragia decorrente de úlcera duodenal sangrante - Desidia no atendimento e que envolve erro de diagnóstico, aplicando-se a teoria da chance perdida (de sobrevida) para deferir indenização por danos morais à companheira do falecido - Provimento, em parte.” (Apelação nº 564.866.4/0, Ênio Santarelli Zuliani, j. em 13.08.2009).
“Responsabilidade civil - Plano de saúde - Morte de paciente socorrida por pessoa que, sem diploma, se passava por médico contratado pela clínica de atendimento de emergência - Estabelecimento que se defende sobre o erro afirmando que o falso médico exercia funções em rede pública, o que não se aceita por não ser dispensada a prova da qualificação no ato de admissão no emprego - Indenização (dano moral) devida para compensar o sentimento ruim dos parentes que, somente mais tarde, descobriram o engodo, porque, agora, convivem com a angustiante expectativa de que, ainda que mínima, haveria possibilidade de sobrevida ou de reanimação pós-parada cardíaca, caso os procedimentos fossem realizados por médico diplomado e não pelo intruso - Aplicação da teoria da chance perdida para deferir indenização por danos morais, reduzidos, porém, para R$ 50.000,00, com atualização a partir deste julgamento [Súmula n° 362 do STJ] Provimento, em parte” (Apelação nº 0229618-90.2006.8.26.0100, Ênio Santarelli Zuliani, j. em 24.03.2011).
“Responsabilidade civil - Erro médico - Parturiente que é encaminhada a hospital de madrugada diante dos primeiros sinais do parto, é medicada com substância para induzir o nascimento da criança e depois deixada sozinha no leito, sem o adequado acompanhamento, vindo a ser socorrida apenas com a troca de plantonistas ocorrida de manhã, quando já verificado o óbito do feto - Prova documental e pericial de que os réus não promoveram o adequado monitoramento da evolução do trabalho de parto após a indução, o que favorece quadro de hipoxia e o óbito da criança - Manutenção da sentença que condenou os requeridos ao pagamento de indenização por danos morais de 300 salários mínimos - Recurso não provido, com observação (convertida a indenização em R$ 163.500,00, com atualização monetária a partir do presente julgamento)” (Apelação nº 0002400-39.2003.8.26.0565, ÊNIO SANTARELLI ZULIANI, j. em 12.05.2011).
“Erro médico - Médica ginecologista que não constata, em paciente, gravidez tubáría ectópica por falta de prudência e diligência na pesquisa de sintomas, submetendo-a a tratamento de cisto ovaríano; indenização que se legaliza para compensar a dor moral da eliminação do poder de procríação natural da mulher que, por acontecimento anterior, perdeu a tuba esquerda e, com a evolução da prenhez ectópica não diagnosticada, teve de extirpar a tuba direita - Provimento, em parte, para reduzir o valor da indenização, pela falibilidade dos métodos de conservação das trompas em situações do gênero” (Apelação nº 246.225-4/6, Ênio Santarelli Zuliani, j. em 29.09.2005).
“Responsabilidade civil - Perda de uma chance - Óbito de feto no 9° mês de gestação, dentro do útero da mãe - Autores que pretendem responsabilizar a médica que acompanhou o pré-natal, sob o argumento de que ela errou na previsão da data do parto - Embora não se possa dizer que houve equivoco quanto à estimativa da idade gestacional ou responsabilidade direta da médica na morte da criança, é de se admitir que a adoção de comportamento desidioso colaborou para que a autora sofresse abalo moral com a perda do filho - Paciente que, dias antes do ocorrido, já estava reclamando de fortes dores e não foi adequadamente examinada e nem encaminhada a hospital - Ultrassom atestando o óbito intrauterino associado à severa redução de líquido amniótico, situação que poderia ter sido averiguada anteriormente, aumentando as chances de a autora ter uma gestação de sucesso - Médica responsável pelo pré-natal não forneceu nenhuma explicação para o óbito do feto – Danos materiais indevidos, declarada a compensação pelos efeitos danosos derivados do descaso com o atendimento - Recurso parcialmente provido, para arbitrar indenização por danos morais de R$ 10.000,00” (Apelação nº 994.09.322548-8, Ênio Santarelli Zuliani, j. em 24.06.2010)
“Plano de saúde - Amputação de dedo mínimo da mão esquerda – Paciente que alega descaso e negligência da UNIMED que não providenciou a sua remoção aérea - Cidade litorânea que não dispunha de local propício para pouso - Situação que se enquadra na hipótese de exclusão prevista contratualmente - Cooperativa que prestou todo o atendimento necessitado pelo autor, encaminhando uma ambulância para fazer a sua remoção - Intervalo entre o acidente e a cirurgia de reimplante do dedo que não implica no sucesso ou insucesso do procedimento, sabido, no entanto, que quanto menor o intervalo maior a chance de sucesso - Aplicação da teoria da chance perdida para deferir indenização por danos morais, reduzidos, porém, para R$ 10.000,00, com atualização a partir deste julgamento - Provimento, em parte” (Apelação nº 593.927-4/6, Ênio Santarelli Zuliani, j. em 1º.10.2009).
“Caso conhecido como das “pílulas de farinha” (...) - Hipótese em que a autora, com a juntada de cartela e duas drágeas restantes que não possuíam os princípios ativos a que se destinavam, prova ter engravidado pela falha da indústria em não destruir os produtos manufaturados para testes [placebos] da máquina empacotadora recém adquirida e pela culpa quanto à guarda desse material que, infelizmente, foi inserido no comércio como produto regular - Dever de compensar a mulher pela concepção indesejada ou inesperada, como espécie de dano existencial, conforme já admitido pelo Tribunal Superior, inclusive em lide ajuizada por defeito de outro anticoncepcional produzido pela Schering [Resp. 918.257 SP] e de pagar pensão à filha, aceita essa fórmula de indenizar como reparação pela perda de chance de cumprir o princípio do cuidado previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção Internacional sobre os Direito da Criança.” (Apelação nº 482.037-4/0, Ênio Santarelli Zuliani, j. em 29.01.2009).
4. Responsabilidade objetiva e subjetiva e obrigações de meio e de resultado
Como é sabido, a responsabilidade civil subjetiva (arts. 186 e 927, do CC) é regra no nosso ordenamento jurídico, tem como fundamento a culpa e demanda a análise da existência de vontade de lesar ou de conduta negligente, imprudente ou imperita.
Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva é excepcional (art. 927, parágrafo único, do CC de art. 14, do CDC), tem como fundamento o risco e exige apenas a verificação de nexo causal entre a ação e a lesão, sendo irrelevante o aspecto subjetivo ou o comportamento do ofensor.
A matéria também exige a distinção entre obrigações de meio e de resultado. Nas obrigações de resultado, o devedor está obrigado a obter um determinado objetivo e o lesado apenas tem de mostrar que a finalidade não foi atingida, sendo presumida a culpa do primeiro. De outra feita, nas obrigações de meio, o devedor está obrigado a empregar todos os meios possíveis para alcançar a finalidade acordada, sendo que o lesado deve provar sua culpa na frustração do negócio.
Note-se que a relação entre paciente e prestador de serviços na área de saúde é uma relação de consumo. Contudo, não se pode invocar de forma simplista a responsabilidade objetiva do prestador de serviços prevista no art. 14, do CDC, justamente diante da necessidade de se verificar se a obrigação assumida é de meio ou de resultado. Mas, ainda que se esteja diante de uma obrigação de meio e responsabilidade subjetiva, deve ser buscado o sentido da ampla reparação dos danos, não se podendo conceber que, pela dificuldade probatória, fique a vítima do mal injusto desprovida de qualquer compensação.
Nessa toada, a inversão do ônus da prova surge como ferramenta para minimizar a vulnerabilidade do lesado, bem como para favorecer a segurança e prevenção tuteladas pela ordem jurídica em uma sociedade de riscos, como será visto.
4.1. Médicos – Obrigação de meio e responsabilidade subjetiva
O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/200), em seu Capítulo III, dispõe o que obviamente se espera daqueles profissionais que lidam com a saúde alheia: ou seja, que é vedado ao médico: “Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida”.
A regra geral é a de que os médicos têm responsabilidade civil subjetiva, ou seja, que depende da demonstração da culpa, nas modalidades negligência, imprudência ou imperícia. Nesse sentido, dispõe o art. 14, § 4º, do CDC: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Sobre o tema, Maria Helena Diniz (“Curso de direito civil brasileiro”, v. 7, 23 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 309/310) esclarece que a responsabilidade civil do médico é contratual e traduz uma obrigação de meio, de modo que não contém o dever de curar o paciente, mas sim de prestar cuidados atentos e conscienciosos, de acordo com os progressos da medicina.
E nem poderia ser diferente, diante da inviabilidade de se obrigar que os profissionais da área de saúde garantam e obtenham a cura de seus pacientes. O sucesso de tratamentos e intervenções médicas dependem também de fatores genéticos, da condição de saúde dos pacientes e de circunstâncias imprevisíveis. Desse modo, razoável é exigir que os profissionais lutem pelo melhor resultado possível, sem responsabilizá-los pelo imponderável. Os médicos não podem responder pelo resultado da empreitada, mesmo que diverso, porque que a pessoa doente já corre o risco de sucumbir por sua própria fragilidade e seria absurdo exigir o salvamento e cura daquele que se dispõe a tratá-la, por mais competente que seja.
A responsabilidade desses profissionais, portanto, dependerá na análise da sua conduta, e não da conclusão de seu trabalho. Assim, ausente a prova da culpa, não se configura a obrigação de indenizar. Esse é o caso do REsp 1104665 / RS (Ministro Massami Uyeda, DJe 04/08/2009), que tratou do falecimento na cirurgia de uma mulher de 70 anos. Considerou-se a ausência de prova da culpa do médico, a inexistência de nexo de causalidade e inviabilidade de aplicação da teoria da perda de uma chance.
4.2. Responsabilidade no caso de cirurgia plástica embelezadora
As cirurgias plásticas podem ser reparadoras ou embelezadoras. Nas primeiras, tem-se obrigação de meio, porque o médico nem sempre poderá prometer a melhora, como por exemplo, no caso de eliminação de uma marca de queimadura.
Já nas segundas, entende-se que a obrigação é de resultado, por se tratar de intervenção eletiva, puramente estética, por meio da qual o paciente legitimamente espera uma melhoria em sua aparência, eis que só se submete à intervenção cirúrgica em virtude da garantia do resultado satisfatório.
Ninguém se expõe a uma cirurgia plástica se não for para obter melhorias em seu aspecto físico. Sendo assim, se após a operação o paciente adquire um resultado obviamente pior que o anterior, fica evidenciado o dever de indenizar do cirurgião. Sobre o assunto, destaque-se a jurisprudência:
“1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido. 2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia. 3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional. 4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em “termo de consentimento informado”, de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório” (STJ, REsp 1180815 / MG, Ministra Nancy Andrighi, DJe 26/08/2010)
“RESPONSABILIDADE CIVIL - Erro médico - Cirurgia estética - Redução de mamas - Procedimento que acarretou significativa assimetria mamária e cicatrizes - Culpa do médico caracterizada - Obrigação de resultado - Dever de indenizar - Danos morais – Sofrimento caracterizado - Valor estipulado na sentença (R$ 80.000,00) que, no entanto, se mostra exagerado - Fixação em R$ 20.000,00 - Verba de sucumbência distribuída na forma do art. 21, parágrafo único, do CPC, ante a sucumbência preponderante do réu - Recurso da autora provido e parcialmente provido o do réu” (TJ/SP, Apelação nº 9128284-68.2003.8.26.0000, Rui Cascaldi, j. em 16. 08.2011).
Contudo, não se pode esquecer que, como todo procedimento médico, a cirurgia plástica também está sujeita a diversos fatores alheios à conduta do profissional (condições orgânicas da pessoa, por exemplo) e que a avaliação do resultado obtido envolve as opiniões e as expectativas do paciente, possuindo, por vezes, um grau de subjetivismo que não pode ser desconsiderado.
Mesmo que a obrigação seja de resultado, cabe ao cirurgião observar o art. 333, II, do CPC e provar que o resultado adverso decorreu de reações próprias do organismo do paciente, circunstâncias cuja possibilidade de verificação devem ter sido previamente avisadas ao lesado.
Sendo assim, cabe verificar as situações caso a caso e, de toda forma, ainda que se considere se tratar de obrigação de meio, é adequada a inversão do ônus da prova, demonstrando o profissional que não foi negligente, imprudente e imperito antes, depois e durante o procedimento.
Aliás, outro ponto importante diz respeito justamente ao dever de informação dos médicos. Saliente-se o direito que o consumidor possui quanto à informação adequada, nos termos do arts. 6º, III, 31 e 39, VI, do CDC.
O Código de Ética Médica (Resolução CFM n° 1931/2009), inclusive, dispõe que é vedado ao médico: "Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte".
No que tange às cirurgias estéticas, é especialmente significante a observância de deveres anexos dos profissionais da área de saúde. Não basta que o cirurgião desenvolva com diligência o procedimento em si. O médico deve estar atento e informar claramente o paciente no pré e pós-operatório sobre todos os riscos inerentes à intervenção, pedindo-lhe exames, analisando seu histórico e fornecendo ainda as recomendações necessárias para minimizar potenciais problemas (como cicatrizes, por exemplo).
Justamente por se tratar de intervenção cirúrgica eletiva e estética, é direito do paciente obter todas as informações possíveis para exercer uma escolha consciente ao se submeter ao procedimento. Nesse sentido, também é fundamental o consentimento informado para que o cirurgião seja posteriormente eximido de responsabilidade.
O consentimento resulta da comunicação entre o médico e seu paciente, constituindo o instrumento pelo qual se legaliza uma atividade voltada a proteger a saúde e a vida da pessoa. Ciente da importância do consentimento, o juiz deverá valorar com cautela o perfil cultural do enfermo, seu grau de conhecimento sobre os avanços tecnológicos da medicina, para, somente após exaustiva aferição da relação médico-paciente, interpretar a ausência de consentimento contra o médico, cumprindo, nesse caso, graduar a indenização com equidade (art. 944, do CC), mormente em situações em que os médicos observaram os regramentos do Código de Ética Médica, a função social do trabalhos e os predicados da boa-fé no exercício médico.
O Col. STJ, inclusive, reconhece a responsabilidade civil médica em casos de falta de informação quanto aos riscos de cirurgia plástica: "Civil. Responsabilidade civil. Cirurgia plástica. Dano moral. O médico que deixa de informar o paciente acerca dos riscos da cirurgia incorre em negligência, e responde civilmente pelos danos resultantes da operação. Agravo regimental não provido." (AgReg no Al 818.144 SP, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 5.11.2007).
Sobre o assunto, destaquem-se ainda os seguintes casos submetidos ao TJ/SP:
“Responsabilidade civil - Médico - Cirurgia plástica para eliminar gordura abdominal e flacidez (abdominoplastia) termina com resultado adverso (reinserção tardia do umbigo, em virtude de falta de fixação no ato cirúrgico), provocando dano estético irreversível - Na obrigação classificada como de resultado, o médico somente se exonera dos efeitos nocivos da adversidade final provando consentimento da paciente, apesar dos riscos esclarecidos (o que não aconteceu), caso fortuito ou culpa da vítima (também inocorrentes), sob pena de indenizar os danos produzidos (moral, estético e gastos da cirurgia corretiva) - Provimento, em parte.” (TJ/SP, Apelação n° 994.09.035657-8, Rel. Ênio Santarelli Zuliani, j. em 29.04.2010).
“Responsabilidade civil na área da saúde - Tratamento estético contra varizes conhecido como escleroseterapia - Dever de indenizar [reparar as lesões permanentes] e compensar os danos morais diante da frustração do resultado, competindo ao médico [não esclarecimento sobre previsibilidade de fracasso ou adversidades e por não ter provado que o fim desejado se alterou por culpa da paciente ou por fatores imprevisíveis] e o plano de saúde [por ter credenciado o médico escolhido pela paciente e que atua em clínica despida de condições para realizar o serviço] responderem, em solidariedade - Aplicação da teoria da rede contratual e falha do dever de prestar correta informação - Não provimento aos recursos.” (Apelação nº 460.666.4/9-00, Rel. Ênio Santarelli Zuliani j. em 24.04.2008).
4.3. Hospitais e demais prestadores de serviços – Responsabilidade objetiva.
Em regra, os hospitais, laboratórios, clínicas e sociedades de médicos respondem de forma objetiva pelos danos causados a seus pacientes, com fulcro no art. 14, do CDC.
Poderá até ocorrer responsabilidade solidária do médico e da sociedade, valendo para o primeiro a responsabilidade subjetiva e, para a segunda, a objetiva. Porém, é preciso esclarecer: quando se trata de responsabilidade do nosocômio em razão da atuação dos profissionais de seus quadros, há necessidade de prova de culpa (negligência, imprudência e imperícia) por parte de seus prepostos. Em outras palavras, o hospital responde de forma objetiva pela conduta culposa daqueles que agem como seus prepostos (art. 932, III, do CC).
Na verdade, os hospitais responderão objetivamente mesmo em relação aos serviços inerentes ao seu estabelecimento comercial, tais como: instalações, enfermagem (ex. falha em administração de remédio via oral, falha no manuseio do paciente), estadia, exames e equipamentos. Nesse sentido:
“O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia), etc e não aos serviços técnicos-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa) (...)” (STJ, REsp 258389 / SP, Ministro Fernando Gonçalves, DJ 22/08/2005)
Como exemplo de responsabilidade objetiva decorrente de falha dos serviços básicos hospitalares (manutenção e manuseio adequados de equipamentos), convém lembrar de caso de parturiente que sofreu queimadura em razão de curto-circuito em eletrocardiograma (TJ/SP, Apelação nº 994.09.334833-4, Rel. Ênio Santarelli Zuliani, j. em 29.04.2010). Em outro caso analisado pelo TJ/SP, a paciente sofreu queimaduras pela indevida colocação de bolsa de água quente em suas pernas (TJ/SP, Apelação nº 0128377-82.2006.8.26.0000, Relator Luiz Ambra, 13.07.2011). Já no REsp 1145728 / MG (Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 08/09/2011), o STJ tratou de caso de menina portadora de paralisia cerebral em virtude de falta de adequado atendimento no pós-parto. Foi admitida a responsabilidade do hospital em virtude da ausência de médico especializado na sala de parto apto a evitar o quadro clínico e também da ausência de vaga no CTI, com espera de mais de uma hora que agravou o estado da vítima.
Na situação de dano decorrente de atuação profissional, uma vez provada a culpa dos médicos atuantes nos nosocômio, cabe, em regra, a responsabilização dos hospitais.
Tal responsabilidade pode ser fundada no art. 14, do CDC, em virtude da falta de qualidade do serviço prestado; no art. 927, parágrafo único, do CC, em razão do risco da atividade; e também no art. 932, do CC, cogitando-se de responsabilidade civil indireta na área da saúde, o que se invoca, não só em caso de vínculo empregatício de médico e hospital, mas também em situações de terceirização.
De acordo com Claudio Luiz Bueno de Godoy (“Terceirização nos serviços prestados na área de saúde” in Responsabilidade Civil da Área de Saúde, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 44 e 54) “Os exemplos recorrentes são do hospital, clínica ou laboratório que terceirizam a realização de serviços que lhes são afetos, chegando mesmo à questão dos planos de saúde em relação aos profissionais que credencia. E ainda situações assemelhadas recebem idêntico tratamento, como a do cirurgião, em relação ao dano injusto causado por quem componha a equipe médica sob sua direção. Repita-se, casuística que vem sendo enfrentada pela jurisprudência com recurso à responsabilidade do comitente por ato do preposto”. Acrescenta que o conceito de preposição vem sendo alargado no campo da casuística do atendimento à saúde, visando responsabilizar: o hospital por erro de médico componente de seu corpo clínico, mesmo que sem vínculo laboral; o chefe da equipe cirúrgica por falhas de seus auxiliares; e até os planos de saúde por atos de seus credenciados. Mas ressalta que esses casos encontram melhor fundamento na questão da existência de redes contratuais e contratos coligados, vale dizer, de cadeia de fornecedores de serviços de atendimento à saúde.
Dessa forma, a finalidade comum e o liame entre os prestadores de serviços caracteriza nexo funcional que impede que um ou outro se furte da responsabilidade alegando que não firmou contrato específico com o lesado.
Em relação à responsabilidade do hospital por falha do profissional que nele atuou, aliás, cumpre esclarecer que raramente será verificada a completa ausência de vínculo. Como situação excepcional poderia se pensar na hipótese de médico que exerce compulsoriamente a prerrogativa de internar ou assistir seus pacientes em hospitais privados ou públicos, mesmo sem fazer parte de seu corpo clínico, invocando o direito previsto no Cap. II, item VI, do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/200). Mas, em regra, a tendência é interpretar de forma ampla a relação entre o hospital ou plano de saúde e os médicos neles atuantes, para se obter efetivas reparações aos danos causados e valorizar a situação do consumidor.
No DJ de 1º/02/2012 foi publicado acórdão em que se reconheceu a responsabilidade do hospital por danos sofridos por recém-nascido, em virtude de demora (omissão de socorro e imperícia) no atendimento da parturiente pela médica por ela escolhida e que não integrava o corpo clínico do hospital. Admitiu-se que, apesar de atendimento ter sido feito por médico particular, o hospital não poderia assistir passivamente o agravamento do mal da pessoa internada, competindo agir subsidiária ou com autonomia, o que não ocorreu. O acórdão foi proferido no RESP 1.173.058-DF, Relator Ministro Luis Salomão, anotando voto vencido do Ministro Raul Araújo.
Convém analisar, inclusive, como os tribunais enfrentam a questão da existência ou não de vínculo entre o hospital e o profissional. São comuns, por exemplo, os casos de falhas de plantonista ligado ao corpo clínico do estabelecimento. No REsp 1184128 / MS (Ministro Sidnei Beneti, DJe 01/07/2010), o STJ admitiu a responsabilidade objetiva do hospital por ato de médico plantonista integrante de seu corpo clínico (óbito do paciente poucas horas após ser encaminhado ao posto de saúde pelo médico plantonista do pronto-socorro):
“RECURSO ESPECIAL: 1) RESPONSABILIDADE CIVIL - ERRO DE DIAGNÓSTICO EM PLANTÃO, POR MÉDICO INTEGRANTE DO CORPO CLÍNICO DO HOSPITAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL; 2) CULPA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM - 3) TEORIA DA PERDA DA CHANCE - 4) IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO DA PROVA PELO STJ - SÚMULA 7/STJ 1.- A responsabilidade do hospital é objetiva quanto à atividade de seu profissional plantonista (CDC, art. 14), de modo que dispensada demonstração da culpa do hospital relativamente a atos lesivos decorrentes de culpa de médico integrante de seu corpo clínico no atendimento. 2.- A responsabilidade de médico atendente em hospital é subjetiva, a verificação da culpa pelo evento danoso e a aplicação da Teoria da perda da chance demanda necessariamente o revolvimento do conjunto fático-probatório da causa, de modo que não pode ser objeto de análise por este Tribunal (Súmula 7/STJ). 3.- Recurso Especial do hospital improvido”.
No REsp 696284 / RJ (Ministro Sidnei Beneti, DJe 18/12/2009), também foi reconhecida a responsabilidade do hospital pelo erro de diagnóstico do plantonista integrante de seus quadros (pneumonia bacteriana que deveria ter sido abordada com antibiótico, e não com analgésicos e antitérmicos).
O Tribunal de Justiça de São Paulo também têm precedentes reconhecendo a responsabilidade de hospitais pelas falhas de médicos que atuam em suas dependências:
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Demanda fundada na alegação de erro médico - Danos oriundos de corpo estranho (gaze) deixado no interior da genitália da autora por ocasião de parto nela realizado - Quadro de dor e odor fétido provenientes daquela região - Retirada do material uma semana após o parto por outro profissional - Negligência do médico que realizou o parto e integra o pólo passivo - Responsabilidade objetiva do hospital aonde se realizou a cirurgia - Artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, ainda mais porque também administra o plano de saúde contratado pela autora - Condenação solidária (hospital e médico) – Danos morais – Ocorrência - Quantum indenizatório - Fixação em R$ 10.000,00 (dez mil reais) - Majoração - Cabimento - Fato grave, violador da intimidade da ofendida em grande intensidade - Arbitramento em 250 (duzentos e cinquenta) salários mínimos, vigentes na data do efetivo pagamento (...)” (TJ/SP, Apelação nº 9219659-82.2005.8.26.0000, Relator Salles Rossi, j. em 8 de setembro de 2011).
“Erro médico. Autora que se submeteu a cesariana e dois meses depois retirou atadura esquecida em seu útero por ocasião do parto. Negligência da médica responsável pela cirurgia. Legitimidade passiva do hospital para responder pela indenização por dano causado por seus prepostos. Autora que durante dois meses sentiu dores, febre e exalou mau cheiro. Dano moral configurado. Indenização bem arbitrada em 20 salários mínimos. Critério de correção monetária que deve obedecer à Súmula Vinculante n° 4. Recurso da médica desprovido, e parcialmente provido o do hospital.” (TJ/SP, Apelação nº 9231097-76.2003, Pedro Baccarat j. em 31 de agosto de 2011).
“APELAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Erro médico - Julgamento “extra petita” - Inocorrência - Infecção causada por cirurgia para retirada de cateter esquecido por médico - Negligência médica – Cirurgia desnecessária - Morte prematura – Responsabilidade subjetiva do médico e objetiva do hospital - Fixação da indenização em salários mínimos como referência para arbitramento do dano moral, não se confundindo como índice de reajuste - Afastado o vínculo do valor indenizatório ao salário mínimo - Termo inicial para contagem dos juros a partir da data da ocorrência do dano - Obrigação oriunda de ato ilícito (art. 398 do C.C. e Súmula 54 do STJ) - Sentença mantida - Recurso não provido” (TJ/SP, 9069296-49.2006, Relator Silvério Ribeiro, j. em 31 de agosto de 2011).
“INDENIZAÇÃO DANOS MATERIAIS E MORAIS - PACIENTE QUE FOI INTERNADO COM FORTES DORES NAS PERNAS COM SUPOSTA TROMBOSE VENOSA AGUDA - EXAME REALIZADO SOMENTE TRÊS DIAS APÓS A INTERNAÇÃO CONSTATANDO QUADRO DE ERISIPELA, EM ESTÁGIO AVANÇADO DE INFECÇÃO LEVANDO O PACIENTE A ÓBITO CONJUNTO PROBATÓRIO QUE APONTA A EXISTÊNCIA DE ERRO MÉDICO - DEMORA NO DIAGNÓSTICO QUE ACABOU AGRAVANDO O QUADRO CLÍNICO DO PACIENTE TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE AÇÃO PROCEDENTE EM PARTE VERBA DEVIDA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS FIXADA EM VALOR APROPRIADO - VERBA HONORÁRIA QUE NÃO SE MOSTROU EXCESSIVA OU IMODERADA SENTENÇA MANTIDA - RECURSOS NÃO PROVIDOS.” (TJ/SP, Apelação nº 9131966-89.2007.8.26.0000, Relator Erickson Gavazza Marques, 3 de agosto de 2011).
4.4. Infecção hospitalar
Cabe também tratar da responsabilidade dos hospitais em situações de infecção hospitalar. A septicemia acontece quando o ambiente do hospital proporciona o contágio infeccioso e pode caracterizar defeito do serviço prestado, gerando, em regra, a responsabilidade objetiva do hospital (art. 14, do CDC). O serviço, nesse caso, não fornece a segurança esperada, lembrando que deve ser essencial à atividade médica a busca de todos os meios possíveis para minimizar infecções.
O consumidor que procura o nosocômio busca melhorar o seu estado de saúde, sendo legítima a expectativa de não tê-lo agravado por uma infecção hospitalar. É claro que é difícil se alcançar um índice de absoluta improbabilidade de infecção. Porém, os hospitais devem fazer de tudo para conter o infortúnio, evitando operar pacientes antes da recuperação da imunidade, ministrando antibióticos para combater processos infecciosos previsíveis e adotando todas as medidas concernentes à limpeza e esterilização de instrumentos, equipamentos e instalações. Veja-se sobre o assunto:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. INFECÇÃO HOSPITALAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL. ART. 14 DO CDC. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. O hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si. O valor arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional intervenção desta Corte para revê-lo. Recurso especial não conhecido” (REsp 629212 / RJ, Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ 17/09/2007).
Entretanto, há casos em que não se pode reconhecer a responsabilidade objetiva dos estabelecimentos de saúde, diante da ausência de nexo de causalidade, podendo ser citado o exemplo de paciente que adquiriu infecção previamente à internação. Discute-se, também, a hipótese de a infecção ter sido causada por condutas e instrumentos exclusivos do médico, sem relação com o hospital. Já no AgRg no Ag 721956 / PR (Ministro Carlos Fernando Mathias, DJe 15/09/2008) não se acolheu a pretensão de responsabilização do hospital por infecção contraída pelo fato de o médico não ter prescrito antibióticos adequados, entendendo-se tratar de responsabilidade subjetiva.
5. A questão da prova na responsabilidade civil médica
5.1. Responsabilidade dos médicos – obrigação de meio – ônus da prova é do paciente
A complexidade da ciência médica, das técnicas utilizadas e do corpo humano torna especialmente problemática a questão da prova na responsabilidade civil médica, sobretudo no que tange à demonstração do nexo de causalidade entre a conduta ou omissão dos profissionais e o dano suportado pelo paciente.
Se a obrigação é de meio, é necessário comprovar que o médico deixou de dispor dos meios possíveis para obter o resultado favorável ao paciente, ou seja, é preciso demonstrar conduta culposa, caracterizada pela imprudência, negligência ou imperícia.
O problema é que o paciente encontra-se em situação de hipossuficiência econômica e técnica. Como pondera Carlos Roberto Gonçalves, na prática, a comprovação de negligência, imprudência e imperícia por parte dos médicos constitui verdadeiro tormento aos lesados pelo desmazelo e despreparo profissionais.
Assim, diante de deficiências probatórias, é comum que os pedidos de indenização acabem sendo rejeitados pelos juízes, tendo as vítimas que se conformar com a posição de desafortunadas do destino.
Mas, sob uma perspectiva de tutela do consumidor e ampla reparação do dano injusto, é cabível se valer da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC) quando houver verossimilhança da alegação ou hipossuficiência, como forma de atenuar tais obstáculos, conforme se verá a seguir.
5.2. Responsabilidade dos hospitais – responsabilidade objetiva – prova das excludentes.
Por outro lado, quando se trata de responsabilidade objetiva dos hospitais de mais prestadores de serviços, já existe uma presunção de culpa em virtude do dano, competindo à sociedade ou entidade produzir a prova que exclui a sua responsabilidade. Aplica-se o art. 333, II, do CPC: “O ônus da prova incumbe ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”. Logo, a saída do hospital será essencialmente demonstrar ausência de nexo de causalidade entre o atendimento ocorrido no seu estabelecimento e a lesão verificada. Nesse ponto, destacam-se julgados do TJ/SP:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. Erro médico. Indenização. Mãe dos autores ficou internada no hospital réu para tratamento de lesões decorrentes de acidente automobilístico e, após ter recebido alta, retornou ao nosocômio duas vezes, vindo a falecer na segunda oportunidade em virtude de hemorragia interna causada por perfuração pulmonar. Provas dos autos a indicar a inexistência de nexo causal entre a conduta dos médicos que atenderam a paciente e seu falecimento. Sintomas apresentados pela genitora dos requerentes até um dia antes de sua morte eram incompatíveis com quadro de hemorragia interna. Impossibilidade de responsabilização do hospital requerido pelo ocorrido, em virtude da ausência de culpa de seus médicos, ou de que a lesão que levou à morte da paciente se encontrasse presente no período de internação. Ação improcedente. Recurso não provido.” (TJ/SP, Apelação nº 9190039-88.2006.8.26.0000, Relator Francisco Loureiro, j. em 15.09.2011).
“APELAÇÃO CÍVEL. Indenização por danos morais e materiais. Suposto erro médico por negligência no tratamento de infecção hospitalar contraída após cirurgia cardíaca, que deixou sequelas. Alegação de que a biópsia da região infeccionada foi realizada tardiamente. Laudo pericial concluiu que as condutas adotadas pela equipe médica foram condizentes com o quadro clínico apresentado pela paciente. Estado de saúde da paciente que contribuiu para agravar a infecção. Obrigação de meio. Sentença mantida Apelo não provido” (TJ/SP, Apelação nº 9215664-27.2006, José Carlos Ferreira Alves, j. 23 de agosto de 2011).
6. Inversão do ônus da prova
6.1. Conceito e cabimento
Na área médica, como visto, apesar da existência de relação de consumo, nem sempre se poderá aplicar se forma simplista a responsabilidade objetiva mencionada no art. 14, do CDC, porque muitas obrigações assumidas são de meio e requerem a apuração de conduta negligente, imprudente ou imperita. A verdadeira ferramenta utilizada para facilitar a defesa dos direitos do consumidor paciente é a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do CDC.
Havendo verossimilhança da alegação e hipossuficiência, é cabível a inversão, passando a competir ao profissional a prova de que se valeu de todos meios para alcançar o resultado mais favorável ao lesado.
Considerando uma realidade de procedimentos médicos massificados, a vulnerabilidade daqueles que expõem suas vidas aos cuidados cirúrgicos de outrem, assim como levando em conta a necessidade de ampla reparação dos danos causados, a inversão do ônus da prova surge como técnica para superar certos absurdos vistos na responsabilidade civil médica e eliminar o risco da dúvida que fundamenta as sentenças que deixam carentes de justiça as vítimas das falhas médicas, sem que seja desrespeitada a segurança do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF).
É notório o desafio do paciente de fazer prova quando lida com uma ciência complexa e alheia à sua área de conhecimento, o que pode ser agravado por dificuldades econômicas (para se valer da ajuda de assistente técnico, por exemplo) e ainda por perícias que acabam sendo pouco esclarecedoras sobre o problema ocorrido. O médico, por outro lado, tem melhores condições de apresentar em juízo os elementos necessários para apuração do que aconteceu com o paciente. Inexiste paridade de armas nesses processos e a inversão do ônus da prova é uma saída para esses entraves, lembrando que não se coaduna com a ideia de justiça deixar de amparar uma vítima de erro médico em virtude de deficiências probatórias. A alteração na carga probatória se relaciona à função do magistrado de ter papel ativo e propiciar um processo justo, chegando o mais perto possível da verdade real.
Não basta, para comprovar o que parece ser óbvio e que não se prova no sistema tradicional, requisitar prontuários médicos, se não há possibilidade de ser designado um perito especialista que traduza, para o juiz, a verdade oculta entre os lançamentos desconexos que existem nessas planilhas. Ademais, esses papéis, unilaterais, são facilmente manipuláveis e não outorgam confiança como meio de prova de exclusão de responsabilidade médica. A única chance de um doente inutilizado e miserável obter a reparação de danos por erro médico é, data vênia, invertendo o ônus da prova
Com a inversão do ônus da prova, a presunção de culpa onera a situação processual do médico e competirá a ele demonstrar que agiu de forma prudente e diligente, bem como que o resultado adverso decorreu de causas imprevisíveis. Se o dano é evidente e a experiência indica que a prestação de serviços não atendeu ao que razoavelmente se espera, é adequada a inversão do ônus da prova na fase intermediária do processo (art. 331, do CPC), com redistribuição da carga probatória e determinação para que o profissional demonstre fato extintivo do direito invocado, ou seja, mostre que desempenhou com regularidade e cuidado o seu trabalho.
No AgRg no Ag 969015 / SC (Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 28/04/2011), por exemplo, o STJ tratou de erro médico em procedimento cirúrgico e consignou que é cabível a inversão do ônus da prova ainda que seja subjetiva a responsabilidade civil do médico atendente:
“A responsabilidade subjetiva do médico (CDC, art. 14, §4º) não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis, adotando as cautelas devidas. Observo que a decisão proferida no acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, a qual tem firmado o entendimento de que "a responsabilidade de médico atendente em hospital é subjetiva, necessitando de demonstração pelo lesado, mas aplicável a regra de inversão do ônus da prova (CDC. art. 6º, VIII)" (REsp 696.284/RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe de 18.12.2009). (...) A inversão do ônus da prova não implica a procedência do pedido; significa apenas que o juízo de origem, em face dos elementos de prova já trazidos aos autos e da situação das partes, considerou presentes os requisitos do art. 6º do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência), requisitos estes insusceptíveis de revisão na via do recurso especial, cometendo ao médico o ônus de demonstrar que exerceu sua profissão dentro dos protocolos técnicos aplicáveis (...)”
6.2. Carga dinâmica da prova
A teoria da carga dinâmica da prova é utilizada em casos de resultado adverso e que não se explica. A vítima não tem mais nada a provar, de modo que quem tem que produzir a prova é o médico.
Aplica-se quando se percebe que o profissional adota posição passiva quanto ao dever de cooperação processual na descoberta da verdade, ficando na defensiva e deixando de apresentar os prontuários e outros documentos que estão em seu poder.
O adequado é que as partes ajam com lealdade processual e que os médicos colaborem com a formação da cognição judicial, juntando aos autos todos os exames, prontuários e eventuais vídeos atinentes ao caso. Mas, por vezes, há réus que sonegam dados e elaboram manifestações de estimulam laudos periciais não conclusivos.
Nessas hipóteses, a inversão do ônus da prova detém essa tendência nociva e força o demandado a se concentrar em demonstrar sua conduta regular na prestação do serviço. Não se pode mais exigir que os lesados por intervenções médicas se conformem no papel de “vítimas do destino”.
Daí a importância da ampla investigação sobre a conduta dos profissionais da área de saúde e da prova de que atuam de forma consciente, atenciosa e prudente em relação a seus pacientes, o que se espera legitimamente daqueles que escolhem lidar com vida e a integridade física das pessoas.
- O dr. Carlos Teixeira Leite Filho tratou da cirurgia plástica estética e o consentimento informado. Ressaltou de sua exposição os seguintes pontos:
“Partindo da premissa de que a questão a envolver responsabilidade civil na área médica foi esgotada pelo meu ilustre antecessor, Des. Ênio Zuliani, devo examinar, por simples e rápidas considerações, alguns aspectos jurídicos quando se cuidar de cirurgia estética, mais conhecida como plástica, e, em específico, aquela que não tem um caráter exclusivamente de reparação.
Afinal, a proposta foi apresentar algumas conclusões, retiradas de experiências ao longo de sete anos, examinando essas causas com meus colegas, inclusive Sua Exa.
Já sobre o tema, aceitando o argumento de que uma coisa é igual a outra, melhor será a definição de se cuidar de uma cirurgia, qualificada pela proposta de algum resultado.
Essa discussão foi revelada com suficiência pelo autor português André Gonçalo Dias Pereira, então revelando que, em matéria de cirurgia plástica estética, há grandes divergências na doutrina. Daí, tão oportuno quanto necessário apresentá-la.
“A mais antiga entende que se deve fazer uma distinção entre a cirurgia puramente estética e a cirurgia reparadora. Outros entendem que não se deve considerar que a intervenção puramente estética seja em si uma obrigação de resultado. É que estas intervenções têm um caráter aleatório como quaisquer outras, sendo, aliás, por vezes, de enormíssima complexidade técnica e com enormes riscos. Apenas se pode tornar em razão do modo como a operação foi apresentada, das informações que o médico forneceu ao doente. Ou seja, uma intervenção pode ser transformada a sua natureza jurídica, de obrigação de meios em obrigação de resultado, por força do modo como foi prestado o esclarecimento sobre seus fins.
Assim, com Martínez-Pereda Rodríguez afirmo que o acento não se deve colocar tanto na distinção entre obrigações de meios e de resultado, ‘ni tampoco de demoniza la cirúrgia estética, sino insistir em el deber de información’, sugestivamente, Galán Cortés entende que a obrigação do cirurgião estético deve ser qualificada como uma obrigação de meios ‘acentuada’, salvo se tiver prometido um ‘resultado’, pois a sua condição não pode ser pior que a de qualquer outro tipo de cirurgião.
Efectivamente, nesta cirurgia também intervém o ‘azar’ ou o elemento aleatório, conatural a toda a actuação cirúrgica, dada a incidência, na sua evolução posterior, de múltiplos e variados factores endógenos e exógenos que podem prejudicar o fim ou resultado perseguido.
E é precisamente essa especial e rigorosa obrigação de informar o cliente, o que faz que considere como ‘acentuada’ a sua genérica obrigação de meios” (cf. obra O Consentimento Informado).
Pois bem.
Se assim é, cabe afirmar que uma boa compreensão da questão do consentimento, associada à da exatidão do dever de informação por parte do profissional, são elementos fundamentais para bem resolver os conflitos propostos diante dos insucessos dessas cirurgias.
Afinal, é a partir desse momento que se estabelece a relação entre médico e paciente, esse, com a busca de um resultado qualificado que, na maioria das vezes, lhe foi sugerido ou até mesmo, prometido, e consequentemente, esperado.
Contudo, como se sabe, por variadas razões muitas vezes isso não ocorre, ou, se ocorre, como na sensível melhora de um aspecto anterior, pode não atingir aquele desejo e daí os conflitos nessa área.
Portanto, é exatamente daquele ajuste que surge não só a expectativa da paciente como também os termos de um verdadeiro contrato, o que remete, caso não atendida, à responsabilidade civil do profissional, como se sabe, tratada como objetiva diante do inadimplemento de uma obrigação.
Nesse tema, a envolver o aspecto físico do ser humano, está sempre associada alguma questão do seu íntimo, portanto, em tudo subjetivo. Se erros, falhas e omissões são coisas admissíveis e, consequentemente, reparáveis ou indenizáveis, o certo é que, aqui, essa exigência – porque não se obteve a sonhada “beleza” – pode extrapolar a razoabilidade.
É da rotina forense que, sem uma completa satisfação, não raras vezes os médicos são cobrados porque erraram, ou, ainda que acertando, não informaram que não haveria perfeição, não explicaram o que seria queloide, não orientaram sobre os bons efeitos do repouso e da abstinência de sol durante a recuperação de uma intervenção cirúrgica, como ainda da importância da regularidade de curativos e limpezas etc.
Como se sabe, pelo Código de Defesa do Consumidor esses litígios são resolvidos com a inversão do ônus da prova a beneficiar o paciente, daí obrigando o médico a provar que houve induvidoso consentimento e conhecimento, especialmente, a respeito do que será feito, o que será buscado, a margem de erro aceitável, além das necessárias recomendações a serem observadas no pós-operatório, bem como das interferências ditadas pelas características pessoais de cada indivíduo, evidentemente, sem prejuízo da demonstração de ausência de erro profissional no curso do ato cirúrgico que não logrou êxito.
A propósito, além da obrigação de informar, têm-se que legalidade acerca da necessidade de alguém consentir a qualquer procedimento que não é de urgência ou emergência, vem do artigo 15 do Código Civil, que afirma que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Também, o Código de Ética Médica, nos artigos 46 e 59, destaca essa obrigação do médico.
Daí porque, no exame de toda e qualquer questão a envolver essa relação contratada entre médico e paciente, assume importância a boa identificação desse específico consumidor; saber qual a expectativa dele em relação ao serviço e o que o levou a essa busca, com tal definição.
Nesse vértice, cabe indagar o grau de satisfação que procura e o leva a assumir determinado risco, isto porque, como toda e qualquer cirurgia, optou-se por uma parcela adicional de periculosidade que se compensa por uma contrapartida de vaidade, associada ou não a alguma utilidade.
Com isso, diante desse específico contexto – e risco aceito – não é errado concluir que não explicar, não informar, é exceção e não regra e, consequentemente, diante de uma circunstância excepcional, aquela que escapa do que é usual, a exclusiva exigência do profissional em demonstrar seu acerto e correção de proceder poderá ser repartida.
Em abono dessa interpretação, que procura trazer equilíbrio no cuidado dessas causas, porque a questão de prova nem sempre é uma equação justa, Rizzatto Nunes destaca a necessidade de se identificar o consumidor típico de determinado produto ou serviço para daí avaliar o grau de qualquer falha.
Aliás, nessa busca de responsabilidade por omissões quanto a qualidades e características de um serviço ou produto, o fundamental, de acordo com o Ministro Herman Vasconcellos Benjamim, é que a parcela omitida tenha o condão de influenciar a decisão do consumidor.
Em outras palavras, se o paciente, ao ser informado dessa ou daquela possibilidade de insucesso (risco), teria feito a opção de não realizar a cirurgia ou a faria de qualquer modo. Aliás, daí também surge a utilidade de um ajuste por escrito, detalhado para o procedimento que se vai realizar.
Por outro lado, no exame dessas questões cabe o registro de que o CDC é de 1990 e, hoje, vinte anos depois, o mundo é muito diferente daquele que inspirou o legislador. Se, naquele tempo, essa proteção surgiu também como necessidade de compensar uma grave omissão quanto ao passado, e daí a criação de mecanismos exclusivamente voltados a atender a parte mais fraca em toda e qualquer relação, e assim tem prevalecido, não me parece desproporcional que, na atualidade, isso deva ser um pouco diferente: afinal, há um novo tipo de consumidor.
O fenômeno do resultado da inclusão social decorrente da estabilidade econômica desses últimos anos, associado à variedade e quantidade de informação que se pode retirar da internet, disponível a cada vez mais pessoas, além da comunicação ampliada pelas redes sociais, revelam essa salutar alteração de postura em todo e qualquer contrato, o que não pode ser ignorado pelo seu intérprete.
A título de curiosidade, basta examinar o que decorre de uma singela consulta a sites de busca sobre um determinado procedimento de natureza estética, para se concluir pela impossibilidade de se alegar total desconhecimento sobre os eventuais riscos e, consequente, uma mesma ou maior necessidade de informação. Recordo-me de um artigo que relatava o aumento do tempo das consultas médicas após esse fenômeno, porque os pacientes passaram a questionar, sugerir, discutir tratamentos, remédios, muito mais do que antes se fazia.
Inegavelmente, há muito mais informação e interesse sobre questões médicas, estéticas. Aliás, isso se explica e sustenta também pela televisão, com variados e constantes programas, que trazem especialistas para comentar cirurgias, procedimentos. E o que falar do Dr. Hollywood, com cirurgias explicadas e filmadas?
Aliás, nessas questões de beleza, em especial para as mulheres, não se pode esquecer da opinião das cunhadas, vizinhas, colegas de trabalho, também do marido ou namorado atento.
Portanto, não consigo imaginar que o consumidor, ao procurar um cirurgião plástico ou concordar com um procedimento não urgente, eletivo, não está informado, de antemão, sobre razoável parte dele, significativa para sua decisão.
Por outro lado, nesse exame do que não deu certo, não se pode descuidar da importância do pós- operatório para aquele resultado exigido pela paciente, até porque, como se sabe, é de impossível controle pelo médico.
E, em matéria de cirurgia plástica, que é uma especialidade da medicina, qualquer laudo a respeito de um procedimento, mesmo uma perícia, será mais segura quando apresentada por outro cirurgião plástico.
Assim, as questões sobre a responsabilidade civil do cirurgião plástico por alegado erro devem sempre ser sempre analisadas, levando-se em consideração o perfil do consumidor que, espontaneamente, submeteu-se ao procedimento, sob pena de se onerar excessivamente o profissional na produção da prova , mormente se for questionável a razoabilidade da expectativa do paciente quanto ao resultado, nesses caso, sempre não alcançado.”
(*) Texto: juiz Paulo César Scanavez, coordenador do Núcleo de Ribeirão Preto da EPM
Fotos: Núcleo de Ribeirão Preto