Seminário "Ética para o juiz: um olhar externo" é realizado na EPM

Magistrados e outros profissionais do Direito reuniram-se na EPM, no dia 28 de setembro, para o “I Seminário Ética para o juiz: um olhar externo”, oferecido, também, na modalidade a distância.  

A abertura dos trabalhos foi feita pelo corregedor-geral da Justiça, desembargador José Renato Nalini, coordenador do evento, que agradeceu aos palestrantes e participantes, ao diretor da EPM, por abrir a Escola para um evento pioneiro e à Presidência do TJSP pelo apoio. Ele explicou que o objetivo do seminário foi trazer um olhar externo sobre o Poder Judiciário para reflexão dos magistrados. “Queríamos saber o que os intelectuais da mais elevada estatura, o pensamento mais atualizado, mais pioneiro do País, enxerga do juiz brasileiro”, ressaltou. 

O desembargador Armando Sérgio Prado de Toledo parabenizou a iniciativa do corregedor-geral, salientando que essa é uma nova cultura, multidisciplinar. “Esse evento permite a nós magistrados pensar em outras questões, que envolvem não necessariamente nossa judicatura, mas nossa vida, ajudando-nos enquanto julgamos e nos relacionamos com colegas, funcionários e outros Poderes”. Ele frisou que esse é o primeiro evento de muitos: “A ideia da Escola, que é a mesma da Corregedoria e da Presidência do Tribunal, é de que nós evoluamos, fazendo o melhor que possamos, mostrando que o juiz é, antes de tudo, gente e está disposto a ouvir”, concluiu. 

Palestras  

A palestra inicial foi ministrada pelo professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro, que conjugou a literatura, o jornalismo e a história para discutir a função dos meios de comunicação e do Judiciário. “O papel de apurar, no caso do jornalista, e o de julgar, no caso do juiz, se interpenetram, porque, muitas vezes, o juiz tem o papel de apurar, na instrução, e o jornalista, em várias ocasiões, também julga”, observou, ponderando que isso traz riscos de que haja falhas, que podem acarretar injustiças. “Sempre haverá dois caminhos: o do suporte lógico desprovido de verdade factual e o da verdade factual – talvez frágil, mas, talvez, o mais justo para se levar em conta no processo e na sentença”, concluiu. 

Na sequência, o jornalista Tonico Ferreira discorreu sobre a imagem que o cidadão tem sobre a Justiça, citando pesquisa da FGV sobre o índice de confiança do cidadão nas instituições, em que o Judiciário está em sexto lugar (42%). Ele explicou as dificuldades que os jornalistas têm para explicar à população questões que envolvem o Judiciário, em especial, as razões da morosidade do Judiciário. “Há uma certa desconfiança em relação ao Judiciário e pergunto se a culpa disso é da imprensa, que ignora ou não sabe explicar os trâmites; do Judiciário com suas decisões às vezes contraditórias; das duas instituições ou da legislação”, indagou, frisando que, apesar dessa ‘confiança limitada’, é importante ressaltar que a população conta com o Judiciário e busca esse Poder para resolver suas questões cotidianas. 

Em seguida, o crítico literário Manuel da Costa Pinto, da Rede Cultura, apresentou um panorama da literatura mundial, destacando a obra “O Estrangeiro”, de Albert Camus. Ele descreveu o julgamento do personagem principal, baseado na relação de causa e efeito, para questionar se os juízes e outros profissionais que lidam com as questões jurídicas devem ou não levar em conta as realidades subjetivas ou “verdades interiores” do indivíduo ao julgar os efeitos de seus atos: “Será que podemos fazer isso ou apenas a literatura, por ser uma linguagem que fala da subjetividade, consegue aprofundar as relações tensas, controvertidas e ambíguas que elas têm com as noções de ética e justiça”. 

O jornalista Ethevaldo Siqueira proferiu palestra seguinte, que teve a participação do desembargador Miguel Angelo Brandi Júnior e do juiz Jayme Martins de Oliveira Neto, que presidiu a mesa. Ele discorreu sobre o impacto das novas tecnologias na sociedade e como elas podem aprimorar os serviços públicos, principalmente, a prestação jurisdicional. Entre as ferramentas disponíveis, citou a integração das redes, as fibras óticas, a nuvem, a mobilidade e a convergência, ponderando que elas podem estar a serviço do cidadão em vários aspectos, inclusive para orientação quanto às leis. “Para que possamos alcançar a Justiça com que sonha o cidadão, é preciso aprimorar a estrutura do Judiciário, como um todo, e aperfeiçoar e simplificar as leis e códigos”.  

O professor Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, ministrou a última palestra da manhã, em mesa presidida pelo desembargador Marco Antonio Marques da Silva. Ele discorreu sobre a história política brasileira e a atuação do Judiciário, apontando situações que, embora legais, não seriam éticas. Entretanto, ponderou que, assim como se espera, muitas vezes, que as escolas resolvam todos os problemas, se imputa ao Judiciário a solução de todas as mazelas sociais. “Ainda estamos construindo a democracia, de forma paulatina, mas estamos dando passos importantes e o Poder chave na construção desse Brasil democrático é o Judiciário, porque pode enfrentar e destruir a corrupção e a impunidade”, ressaltou. Ele ponderou que 2012 pode representar um ponto de inflexão: “O julgamento mais importante do STF, que está ocorrendo agora, pode ser essa mudança”, frisou, destacando, ainda, a importância da visão geral para o profissional do Direito. 

Hegel e a relação entre a ética e a esfera pública 

Iniciando os debates na parte da tarde, o professor Vladimir Pinheiro Safatle, da Universidade de São Paulo, apresentou o pensamento do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel para refletir sobre os desafios de uma teoria contemporânea do Estado. “É possível que possamos conservar os aspectos essenciais da teoria hegeliana do Estado, ao insistir que instituições podem ser modos de gestão de conflitos sobre normas e valores”, ponderou, observando que a institucionalização do Estado moderno permite a produção de normatividades sociais que têm baixo poder descritivo, mas com a força para garantir a coesão social: “Essas normas não dizem exatamente como devo agir, mas como devo negociar as interpretações que procuro defender e a legimidade do que pretendo fazer”, explicou, indagando se, duzentos anos depois de Hegel, é possível pensar em uma ideia melhor para a regulação das lutas políticas. 

Em seguida, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet proferiu palestra sobre a relação entre ética e a esfera pública. Ele citou conceitos de Montesquieu e Maquiavel acerca da ética e virtude, destacando as virtudes da probidade e da veracidade, no contexto da política. Nesse sentido, citou Kant e, principalmente, Hannah Arendt, lembrando suas obras “Verdade e Política” e “Mentindo na Política – Reflexões sobre os papeis do Pentágono”. Ele apontou problemas como a corrupção e impunidade, ponderando que há uma indulgência resignada da sociedade quanto às acusações de corrupção. Mencionou, ainda, estratégias de marketing como as “mentiras estruturais ou sistemáticas”, dos países totalitários, e a “conversão de fatos em meras opiniões”, que ocorre em países democráticos.  Por fim, destacou a importância da reforma política e do combate à impunidade e do acesso pleno à educação de qualidade. “Tudo isso seria incrivelmente ingênuo, se não existisse uma terceira virtude: a esperança, que nos salva do cinismo e permite antever um futuro em que a política e a moral, sem se confundirem, deixem de seguir caminhos divergentes”, concluiu. 

O encerramento do seminário teve a participação da escritora Lygia Fagundes Telles, integrante da Academia Brasileira de Letras e da Academia Paulista de Letras: “Na minha vida, o meu amor e paixão foi a palavra escrita; tentar passar para o próximo uma palavra de conforto, de amor, de esperança, através das personagens. Sou, de certo modo, a intérprete do pensamento desses personagens, mas não sei se penso o mesmo: é um mistério permanente e encantador, que me apaixona e me faz caminhar”, afirmou, deixando a seguinte mensagem: “O escritor pode ser corrompido, mas não corrompe o leitor; pode ser louco, mas não enlouquece o leitor – ao contrário, pode desviá-lo da loucura –; pode ser triste e solitário, mas fará companhia ao leitor que está na solidão”.  

Falando em nome do presidente do TJSP, o desembargador Ricardo Henry Marques Dip saudou o sucesso do evento e parabenizou, em especial, o coordenador do seminário: “O número de participantes põe à mostra a importância rediviva do questionamento ético nos dias atuais e a relevância de uma obra de muitas décadas que a esse tema vem dedicando o desembargador Nalini”, concluiu. 

Entre as autoridades e personalidades presentes, estavam os desembargadores Carlos Eduardo de Carvalho, Carlos Eduardo Cauduro Padin e Volnei Ivo Carlin; o jurista José Gregori, ex-ministro da Justiça; e a juíza Andrea Pachá, ex-conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); e o presidente da Academia Paulista de Letras, Antonio Penteado de Mendonça, entre outros participantes.

 


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