Direitos humanos dos afrodescendentes são debatidos na "Jornada Mundial de Direitos Humanos"

Nessa quarta-feira, 14 de agosto, foi realizada, no Palácio da Justiça, a segunda mesa de debates da Jornada Mundial de Direitos Humanos: o Novo Constitucionalismo, promovida pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) e pelo Grupo do Capitalismo Humanista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com o apoio da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

 

O tema em questão, “Direitos humanos dos afrodescendentes”, teve como expositores a juíza do Tribunal Penal Internacional (TPI) Sylvia Helena de Figueiredo Steiner e o promotor de Justiça e professor Eduardo Dias de Souza Ferreira, assessor técnico da Secretaria de Segurança Pública.

 

A mesa de trabalhos foi composta pelo desembargador Armando Sérgio Prado de Toledo, diretor da EPM; pelo professor José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares; e pelos professores Ricardo Hasson Sayeg e Willis Santiago Guerra Filho, integrantes da coordenação do evento.

 

Na abertura do evento, o desembargador Armando Toledo saudou os coordenadores e participantes e agradeceu a presença dos palestrantes. Ele destacou a importância da Jornada, lembrando que as mesas de debates prosseguem até o dia 10 de dezembro, já estando confirmada a presença de especialistas de onze países. “Esse será um evento marcante e convido todos a participarem dos debates seguintes, para criarmos essa cultura de divulgação dos direitos humanos”, ressaltou.

 

Na oportunidade, o diretor da EPM leu uma carta encaminhada  pela ministra de Estado chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Republica, Maria do Rosário Nunes, em que ela lamenta a impossibilidade de participar do evento e cumprimenta o desembargador Armando Toledo e os coordenadores da Jornada pela iniciativa, ao “debater, por meio de metodologia inovadora, com base no diálogo entre os pares, os mais diversos temas relacionados á afirmação e compromisso em torno dos direitos humanos”.

 

O professor José Vicente saudou a iniciativa da Jornada, em especial, o debate da questão dos direitos humanos dos afrodescendentes. “Gostaria de agradecer a abertura de um espaço no Judiciário para discutir um tema tão importante, que diz respeito a todos os brasileiros”, ressaltou, frisando que a questão da igualdade racial traz muitos desafios, a despeito das leis, sendo fundamental buscar continuamente a convivência harmônica e respeitosa entre todos e “recuperar a humanidade” para o aprimoramento da perspectiva dos direitos humanos. “Só assim, todos poderão usufruir da condição humana”, ressaltou.

 

Legislação e mudança de cultura

 

Iniciando as exposições, a juíza Sylvia Steiner cumprimentou os organizadores da Jornada e apresentou um panorama sobre a questão do racismo e da violência racial do ponto de vista do Direito Internacional. Ela recordou o estabelecimento dos primeiros acordos bilaterais e multilaterais, no século XIX, de repressão ao tráfico de escravos e de abolição da escravatura, como a “semente” do novo Direito Internacional, que passou a regular não apenas a relação entre os Estados, mas, também das pessoas ou grupos de pessoas. “O advento desses tratados representou uma revolução para o Direito Internacional, porque, pela primeira vez, Estados se reuniam para celebrar tratados que criavam obrigações para Estados não participantes, conferindo proteção a grupos de pessoas não pertencentes aos signatários”, salientou.

 

Ela destacou, também, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, como o primeiro documento que estabeleceu a igualdade, independentemente de raça, cor ou religião, e a Convenção contra o Genocídio, também de 1948, que previu como crime internacional a matança ou a perseguição em razão de raça, cor ou religião. “Essa Convenção consagrou o racismo como uma das condutas mais odiosas do Direito Internacional, sendo o primeiro instrumento internacional a prever a inaplicabilidade das regras de imunidade para chefes de Estado e a criar a ‘cláusula de jurisdição universal’, que obriga todas as nações a processar e julgar todos os acusados por crimes de genocídio ou entregá-los a um Estado que o faça”, explicou.

 

A juíza recordou, ainda, o estabelecimento dos primeiros tribunais ad hoc pelo Conselho de Segurança da ONU, em Ruanda (1994) e na extinta Yugoslavia. Ela explicou o contexto do conflito estabelecido entre os dois grupos étnicos, em Ruanda, iniciado durante a colonização, que resultou no maior genocídio da história: em três meses, mais de um milhão de pessoas foi morta. “Foi a partir da instalação do Tribunal em Ruanda que passou a ser articulada a criação de um Tribunal Penal Internacional permanente”, explicou, lembrando que o TPI foi instalado em 2003, a partir do Estatuto de Roma, aprovado durante a Conferência de Roma, em 1998.

 

Por fim, Sylvia Steiner ponderou que a existência do arcabouço legal nacional e internacional não é o suficiente para acabar com estruturas de perseguição e violência racial, mas também funciona como um fator de mudança, que deve ser engendrado em conjunto com a mudança de cultura e de comportamento da sociedade, por meio da educação e do debate. “Os dois caminhos se completam”, concluiu.

 

Complementando as exposições, Eduardo Dias de Souza Ferreira recordou os principais marcos históricos do Brasil em relação à questão racial, discorrendo sobre o advento da Lei Áurea e sobre as consequências de eventos como a Guerra do Paraguai, a Guerra do Contestado e o conflito de Canudos para a população afrodescendente do País. “A base do movimento negro no Brasil nunca foi históricamente composta”, observou.

 

Ele ponderou que a discriminação racial tem diminuído no Brasil, mas ainda existe, em especial em relação a alguns grupos, como as mulheres e os jovens mais pobres. “Essa situação exige uma ação do Estado de promoção de direitos e de intervenção, que deve ser encaminhada com o tempo”, frisou.

 

Do ponto de vista econômico, Eduardo Ferreira ponderou que também houve um avanço, mas ainda há muito a fazer: “As regras de transição nunca foram feitas e não discutimos por quanto tempo deverão existir leis que discriminem afirmativamente – as chamadas ‘ações afirmativas’”, observou, frisando que os marcos internacionais são importantes, mas também os movimentos internos e os avanços da sociedade: “Aquilo que não foi feito com a instituição da Lei Áurea e nem foi alcançado cem anos depois, mas que tentamos fazer paulatinamente, especialmento depois de 1988”, concluiu.

 

Jornada Mundial de Direitos Humanos

 

Composta de 19 mesas de debates, a Jornada Mundial de Direitos Humanos terá continuidade no auditório da EPM, tendo, entre seus próximos temas, a proteção dos direitos humanos da infância e juventude; das mulheres e pessoas homoafetivas; dos trabalhadores; dos enfermos e idosos; os direitos humanos ambientais e os da atividade empresarial e bancária, entre outros (veja a programação completa).

 

As inscrições e matrículas para as mesas de debates do mês de setembro podem ser feitas até o dia 29 de agosto no site da EPM (clique aqui para acessar as respectivas fichas de inscrição).


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