Resolução de conflitos sob a ótica da Justiça Restaurativa é debatida na EPM
Realizou-se ontem (17), na EPM, mais uma aula do Curso de Justiça Restaurativa, com a participação da psicoterapeuta Loide Muniz Barreros, professora do curso, e do juiz Daniel Issler, um dos coordenadores.
A aula consistiu em uma preleção inicial, exibição de um vídeo (“Como os sonhos de seus filhos vão se realizar se um mundo melhor não existir?”), e em uma dinâmica da construção de “Círculos de construção de paz”, procedimento prático de resolução de conflitos da Justiça Restaurativa. Seu ponto de partida foi a recuperação do caso concreto de perturbações de ambiente escolar, causadas por um menino de 13 anos, transtornado pelo abandono do pai e pela ausência da mãe, obrigada a trabalhar fora de casa em razão da sobrevivência. Divididos em oito grupos, cada um contando com a participação de um facilitador/guardião, os alunos debateram e apresentaram suas propostas para o encaminhamento do caso em exposição.
No início da aula, a professora exibiu alguns objetos simbólicos relacionados, em seu entendimento, aos princípios da Justiça Restaurativa. Dentre eles, uma coruja, símbolo da sabedoria; três bonequinhas orientais, “às quais, segundo uma lenda vietnamita, conta-se um problema antes de adormecer e obtém-se a resposta ao acordar”; e também um conjunto de pequenos seixos fluviais, “pontudos no início do leito do rio e arredondados em seu curso pelos atritos. Por analogia, assim também é o ser humano, feito por modelagem e polimento constante”, assinalou Loide Barreros, exibindo o punhado de pedrinhas nas mãos.
Na preleção inicial, a professora afirmou: “A Justiça Restaurativa é para mim uma proposta de esperança. Há um tesouro dentro de cada ser; somos sempre maiores do que os problemas que temos para resolver”.
Iniciado em 23 de setembro, o curso é dividido em três disciplinas (“Introdução à Justiça Restaurativa”, “Procedimentos restaurativos” e “Dinâmicas institucionais e sociais”). As atividades prosseguem até o dia 5 de maio, sob a responsabilidade dos juízes Egberto de Almeida Penido e Daniel Issler, coordenadores do Centro de Estudos de Justiça Restaurativa da EPM.
Um comentário sobre Justiça Restaurativa
“A Justiça Restaurativa traz uma nova forma de resposta aos conflitos com a lei, uma verdadeira mudança de paradigmas, daquele retributivo (punitivo) para aquele restaurativo, pois, tomando como foco central os danos e consequentes necessidades, tanto da vítima como também do ofensor e da comunidade, trata das obrigações decorrentes desses prejuízos de ordem material e moral, valendo-se, para tanto, de procedimentos inclusivos e cooperativos, nos quais serão envolvidos todos aqueles que têm interesse na resolução do problema – vítima, ofensor, comunidade, Poderes Públicos e sociedade –, tudo de forma a corrigir os males e dar um rumo correto àquele caminho que nasceu errado (cf. ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre crime e justiça. São Paulo: Editora Palas Athena, 2008, p. 257. Esta obra escrita pelo norte-americano Howard Zehr é um dos grandes nortes doutrinários da Justiça Restaurativa).
Para a Justiça Restaurativa, o ponto fundamental é a busca de novas atitudes diante do erro cometido, a partir do reconhecimento, por parte do ofensor, quanto ao mal praticado, responsabilizando-se ele pela reparação dos danos causados à vítima e à sociedade, e, por outro lado, atendendo-se, também, às necessidades psíquicas, sociais e culturais tanto da vítima quanto do ofensor, de forma a promover a conscientização e responsabilização como orientadores para uma outra cultura de convivência e a possibilidade de um novo caminho pautado pela ética e pela cidadania. Tudo com a participação de famílias e representantes da comunidade, de forma a envolver as partes conflitantes, os respectivos familiares e a sociedade na responsabilidade pela solução dos conflitos e pela busca da paz.
Os trabalhos voltados à Justiça Restaurativa desenvolvem-se no âmbito dos chamados círculos de construção da paz, que são espaços seguros de conversação, coordenados por facilitadores preparados a tanto, no qual as pessoas poderão ouvir e serem ouvidas, tranquila e respeitosamente, e, assim, contar as suas histórias e tratar de sentimentos profundos, tais como dor, angústia, tristeza, medo, privação, injustiças.
Participam dos círculos, para além dos facilitadores, ofensor, eventual vítima, familiares de cada qual, pessoas da comunidade e representantes de entes públicos e privados. A partir de técnicas próprias que possibilitam a fala e a escuta, o ofensor poderá narrar toda a sua trajetória de vida e expor as necessidades que o levaram a cometer aquele mal. Por outro lado, a vítima também terá espaço para dizer sobre os seus sentimentos e o trauma relacionado ao crime.
As pessoas ali presentes contarão suas histórias, o que proporciona ao infrator dois momentos de reflexão. O primeiro deles ocorre quando o ofensor se dá conta de que, mesmo tendo praticado algo ruim, as pessoas não estão ali querendo seu mal, como esperava ele, mas, sim, falando sobre suas próprias vidas e procurando ajuda-lo, o que constrói um canal efetivo de comunicação. Em segundo, ao ouvir sobre a biografia de tais pessoas, e, ainda, a narrativa da própria vítima acerca do trauma e da angústia causados pelo delito, o infrator poderá compreender que, apesar de tudo o que passou durante a sua história, não tinha o direito de fazer o que fez e, assim, reconhecer o erro.”
Fonte: Justiça Restaurativa: uma mudança de paradigma e o ideal voltado à construção de uma sociedade de paz, artigo assinado por Marcelo Nalesso Salmaso, juiz de Direito da Comarca de Tatuí e membro da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo. Disponível no site do TJSP (www.tjsp.jus.br), Coordenadoria da Infância e Juventude.
ES (texto e fotos)