Relações entre o Judiciário e a Justiça Restaurativa são analisados na EPM
“A cultura de paz, propositiva e engajada em suas práticas, busca entender porque somos arraigadamente violentos para aprender a lidar com a violência sem violência, pois a paz se aprende”. A partir desta assertiva, o professor e coordenador juiz Egberto de Almeida Penido, desenvolveu hoje (10), na EPM aula do Curso de Justiça Restaurativa, sob o tema “Justiça Restaurativa: Conflito – Punição – Impunidade – Responsabilidade – Olhar do Judiciário”.
Egberto Penido debruçou-se na análise da cultura da violência, na evolução histórica das práticas judiciárias punitivas e na racionalidade que funda o papel do Judiciário na resolução dos conflitos. “O nosso Judiciário avançou muito em relação a sistemas sociais e legais, tendo transitado da violência como forma punitiva, constitutiva da Lei do Talião, até a extinção da vendetta pelos estados nacionais, diante da percepção de que a violência retroalimenta a violência”.
A aula consistiu em preleções tópicas e exibição do documentário “Justiça”, de Maria Augusta Ramos, sobre práticas judiciárias consideradas cristalizadas, e um vídeo, sobre busca da satisfação do desejo, egoísmo e como a cultura da violência nasce e se dissemina para impor e dominar.
“Os conflitos fazem parte intrínseca da vida. Mas precisamos vê-los como oportunidades de aprendizagem e mudança e não como episódios de violência”, ensinou o professor. Essa mudança de perspectiva implica contrapor à cultura do medo – que parte do pressuposto da violência inevitável, já que há pessoas boas e más, e que estas últimas precisam ser castigadas – à cultura da paz, noção de que é possível lidar com a violência sem violência, que a paz se aprende. “A racionalidade da punição (infligir dor àquele que causou a dor) não tem sido uma estratégia eficaz”, aduziu.
Como destruir a dinâmica da violência, neutralizar seus mecanismos? Segundo o professor, a resposta é encontrada no domínio da estética: “O que motiva os agentes da paz social é o encontro do humano com o que é belo e harmonioso, um lugar que gostaríamos de estar permanentemente, apesar dos conflitos”.
O império da violência é ameaça constante à harmonia. Para a mudança da ideia da Justiça Criminal como punição, assentada no senso comum, é necessário vivenciar a Justiça, ouvir e entender o réu. “Os agentes da Justiça Restaurativa, irradiadores da paz, devem fazer reconexões permanentes com valores, pois enfrentarão muitos desafios, contramovimentos e refluxos, inclusive de pessoas próximas. Daí a importância do preparo físico, emocional, intelectual e espiritual. E para além da tecnologia social da Justiça Restaurativa, há o desafio de implementá-la no dia a dia do território dos conflitos”, afirmou Egberto Penido.
A inspiração do Judiciário na promoção da paz social pela via das técnicas da Justiça Restaurativa há de ser buscada nos movimentos alternativos que tem a Justiça como valor, imbuídos da responsabilidade social. O professor partiu de um complexo raciocínio ancorado na filosofia de Heráclito e na física quântica para a superação das dualidades e alcance da verdade subjacente ao estado de aparência, extraído de uma palestra do ministro Ayres Brito, cuja síntese é perceber na contraposição visível a harmonia invisível. Esta premissa está fundada em uma aritmética amorosa, em que um mais um equivale a um e o ego cede lugar à alma na grande viagem. “É necessário que os agentes da Justiça – juízes, promotores, advogados, defensores públicos –, trabalhem em esforço cooperativo para neutralizar a violência ainda existente em sua base formada por interesses antagônicos”, arrematou o professor.
Como princípio ideal de aplicação da Justiça Restaurativa, Egberto Penido invocou palavras de Ghandi: “Uma questão não é resolvida a não ser que seja resolvida para todos. A finalidade da Justiça não é arrasar o outro, mas construir um mundo melhor para todos”.
Finalmente, a base para a desconstrução da violência na Justiça Restaurativa, lastreada na percepção da alteridade, no princípio do respeito e da dignidade, buscou-a o professor no conceito africano ubuntu, que afirma um vínculo orgânico da humanidade, realizado dentro e através das outras pessoas.
Iniciado em 23 de setembro, o curso é dividido em três disciplinas (“Introdução à Justiça Restaurativa”, “Procedimentos restaurativos” e “Dinâmicas institucionais e sociais”). As atividades prosseguem até o dia 5 de maio, sob a responsabilidade dos juízes Egberto de Almeida Penido e Daniel Issler, coordenadores do Centro de Estudos de Justiça Restaurativa da EPM.
ES (texto e fotos)