Previdência privada é analisada no curso de Direito Econômico e Negocial
O sistema previdenciário e suas diferenciações pública e privada, perspectivas e críticas da dinâmica da atividade atuarial na esfera brasileira e mundial foram analisados na EPM, no dia 1º de abril, na programação do 1º Curso de especialização em Direito Econômico e Negocial. A aula foi ministrada pelo professor Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub (foto), coordenador do curso de Ciências Atuariais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O professor iniciou sua preleção salientando a importância crescente do debate sobre os sistemas previdenciários em razão do aumento da longevidade da população. “As pessoas estão vivendo mais e gerando menos filhos. Esses dois fenômenos conjugados impactam diretamente os sistemas de seguro social.”
Segundo Arthur Weintraub, a taxa de nascimento no Brasil e nos EUA é de 1,9 filhos por mulher; 1,2 na Europa, “o que equivale a não ter mais “reposição vegetativa”. E no Japão a taxa é ainda menor. Além disso, atualmente, há estudos atuariais baseados na perspectiva de avanços das ciências biológica e médica que preveem a vida em 6 mil anos.”
Ele ensinou que o conceito de previdência social tem seu marco histórico em Otto Von Bismarck, que criou o benefício para aqueles que tivessem atingido determinado idade, ao que consta, após verificar que soldados que haviam lutado pelo país não tinham qualquer assistência do Estado. “Ocorre que a expectativa de vida, em 1940, era de 40 anos, já uma conquista, porque, em Roma, a expectativa era de 22 anos”, observou o professor, que lembrou que, até a Segunda Guerra Mundial não havia antibiótico. “Após esse período, os avanços da ciência iniciaram um processo de prolongamento da vida humana.”
A seguir, o professor falou sobre as bases do sistema previdenciário mundial moderno, o chamado “sistema de repartição simples”, fundado no princípio de solidariedade inter-gerações. Explicou que, durante a Segunda Guerra Mundial, o economista inglês William Henry Beveridge (1879–1963) foi chamado para criar um plano de proteção social, cujo desenho amparasse pessoas que atingissem certa faixa etária, entre outros casos.
Sua fórmula, que previa a proteção do Estado do berço ao túmulo, propunha que todos os trabalhadores ativos deveriam pagar uma contribuição semanal ao Estado, criando um fundo pecuniário a ser usado como subsídio para doentes, desempregados, reformados e viúvas. Os subsídios deveriam então tornar-se um direito dos cidadãos, em troca de contribuições, em vez de pensões dadas pelo Estado. “Essa ideia, consistente na regra de que os trabalhadores da ativa pagam pela aposentadoria de quem já está aposentado, alastrou-se no mundo inteiro, inclusive o Brasil. Nosso sistema previdenciário, previsto no artigo 194 da Constituição Federal, e o dos demais países tem essa base atuarial previdenciária”, afirmou.
Arthur Weintraub explicou que o plano criado por William Beveridge, o Report on Social Insurance and Allied Services, visando libertar o homem da necessidade, é calcado na pirâmide demográfica, em que a base, mais numerosa e composta pelos jovens, financiam o vértice, menos numeroso e composto pelos velhos. “Esse sistema começa a apresentar problemas quando a composição do vértice aumenta e a da base diminui. E esse tem sido o problema da previdência no mundo inteiro, notadamente no Japão”, informou.
Adiante, o professor indicou outras causas do problema previdenciário lastreado no sistema de repartição simples. “Seu equilíbrio também é perturbado pela longa permanência das pessoas no sistema, gerando aumento de custos e um déficit social. Também há de ser considerada a mudança das relações empregatícias, com alta rotatividade de emprego, migrações para o mercado informal e instabilidade de contribuição previdênciária.”
Estado atual da previdência social no Brasil
No âmbito da previdência brasileira, o professor recordou a Lei Eloy Chaves, de 1923, que promovia caixas de aposentadoria para os trabalhadores da agroindústria do café, a maioria italianos, que já vinham politizados de seu país de origem. “O embrião de nosso sistema funda-se em uma ideia não muito robusta de previdência social”, comentou.
A seguir, declinou os dispositivos constitucionais do sistema de previdência social brasileiro. Entre estes, citou o artigo 194, onde estão traçados os seus princípios organizadores. Depois mencionou as emendas constitucionais para a recuperação do equilíbrio entre arrecadação e gastos, a EC 41, que reformou as regras de aposentadoria de trabalhadores do setor público, e a EC 20, relacionada ao setor privado.
Adiante, teceu comentários sobre aspectos particulares de nosso sistema previdenciário, regrado pela Lei 8.212, que dispõe sobre o custeio, a Lei 8.213, que prevê situações de benefício, tais como invalidez, maternidade, pensão por morte, auxílio reclusão, etc.
Quanto ao déficit previdenciário, o professor apresentou dados estatísticos para demonstrar seus contornos. Previsto como direito fundamental no artigo 6º da Constituição, o país gasta, atualmente, 11% do PIB com a gestão de aposentadorias e benefícios dos sistemas público (RPPS) e privado (RGPS). Para efeitos comparativos, gasta, em média, 5% com educação. “Uma constatação óbvia da balança desfavorável é que a despesa supera a receita, situação bem diversa dos primórdios do sistema: na década de 1940 havia 14 trabalhadores para cada aposentado”, observou.
Arthur Weintraub também mencionou os dispositivos para coibir as fraudes previdenciárias, como a escala de contribuição para trabalhadores autônomos e perícia médicas para recebimento do auxílio-doença.
Sob o aspecto da crise global do sistema de previdência social, o professor informou conhecer apenas um país que não tem esse problema: Serra Leoa, onde a média de vida é de 36 anos de idade.
A crise do sistema de repartição simples e a criação da previdência privada
Após a exposição preliminar, Arthur Weintraub discorreu sobre o sistema de previdência privada, explicando, inicialmente, sua natureza e origem legal. “Ele nasce com a Emenda Constitucional 20, que incutiu na Constituição o princípio financeiro e atuarial. Com ele, criou-se um sistema de capitalização autônomo, complementar à previdência social, sem qualquer vinculação com o contrato de trabalho, em que não existe solidariedade e mutualismo, ou seja, o contribuinte paga para ele mesmo. Seus institutos obrigatórios são o resgate, a portabilidade, o autopatrocínio e o benefício proporcional diferido.”
A seguir, informou que esse sistema, facultativo no Brasil, é obrigatório no Chile, na Argentina e na Austrália. “A partir da Emenda 41, de 2003, aquele que quiser receber acima do teto de valor previdenciário (R$ 4.309,00 no valor atual) tem que ingressar na previdência privada”, afirmou. Ele observou, ainda, que “a previdência privada não é o sistema ideal, mas o que temos de melhor. Reflete uma tendência mundial, em que se verifica um achatamento do valor do teto previdenciário.”
O professor afirmou que a previdência privada constitui-se por regime aberto e fechado e pormenorizou a natureza desses dois institutos: “Abertas são aquelas geridas por sociedades anônimas, em que qualquer um pode ingressar (PGBL e VGBL no Brasil). Seus planos podem ser individuais ou coletivos. Naquele, os participantes podem aderir por contrato de adesão; neste, existe uma relação linear entre o contribuinte e o plano. Fechada é aquela constituída por fundos de pensão (atualmente 368 no Brasil, compostas por empregados de uma determinada empresa e associados de sindicatos e órgãos de classe.”
Arthur Weintraub esclareceu que a previdência privada fechada, ao contrário da aberta, não tem fins lucrativos. De acordo com a Lei Complementar 109, não permitem a entrada de qualquer um como participante e só podem ser organizados na forma de fundação gerida por órgãos internos, a saber, conselho deliberativo, diretoria executiva e conselho fiscal.
A par da crescente busca da complementação previdenciária e do consequente incremento do empreendimento para atender à demanda de trabalhadores no mundo, o professor comentou o maior dado estatístico de sua movimentação financeira: 19 trilhões de dólares nos EUA.
Quanto aos riscos inerentes ao empreendimento da previdência privada, citou a quebra da empresa de energia norte-americana Enron Corporation, cujo faturamento atingia 101 bilhões de dólares em 2000, acarretanto aos seus 21.000 trabalhadores a perda de casa, emprego e previdência.
Arthur Weintraub informou, finalmente, ter criado na Unifesp a Revista Brasileira de Previdência, vinculada aos cursos de Ciências Atuariais e Contábeis, que pode ser acessada no endereço eletrônico www.prev.unifesp.br.
ES (texto)