Aula versa sobre constitucionalização do Direito Civil e aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas

No dia 20 de março, a programação do 2º Curso de especialização em Direito Civil da EPM foi dedicada ao tema “Constitucionalização do Direito Civil e aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas”. A aula foi ministrada pelo desembargador Carlos Alberto Garbi, professor assistente do curso, e teve a participação do desembargador Benedito Silvério Ribeiro (clique aqui para acessar o material de apoio).

 

Inicialmente, Carlos Garbi destacou a importância de se entender o chamado Direito Civil Constitucional, porque ele é a base do atual Direito Privado brasileiro, mas ponderou que a denominação não é muito correta, pois pode dar a impressão de que outros ramos do Direito não são constitucionais.

 

Ele ressaltou que esse novo pensamento começou a ser disseminado no Brasil na década de 1990 e representa uma virada na forma de se interpretar o Direito Civil, trazendo um imenso desafio para os profissionais do Direito.

 

Em relação às bases do Direito Civil Constitucional, explicou que estão determinadas por acontecimentos históricos e sociais, que marcam a passagem do Estado Liberal para o Estado Social e o desenvolvimento do Neoconstitucionalismo. Ele recordou o advento da Revolução Francesa e a criação do Código Civil de Napoleão (1804), que estabeleceu as bases do Liberalismo (autonomia do indivíduo, com a liberdade para os contratos e proteção absoluta do direito de propriedade), e destacou sua influência na codificação de outros países da Europa e do Brasil, até chegar ao Código Civil brasileiro de 1916.

 

O palestrante chamou a atenção para as consequências negativas do Liberalismo para as relações sociais: “Com o tempo, se percebeu que o excesso de liberdade trazia distorções, favorecendo a imposição daqueles com maior poder econômico”.  Ele lembrou que isso trouxe a necessidade de intervenção do Estado na vida privada, para buscar a igualdade substancial, fazendo com que este assumisse, a partir do início do século XX, uma característica social. “No Brasil, o passo maior foi a Constituição de 1988, conhecida como ‘Constituição Cidadã’, que instituiu o Estado Social brasileiro”, ressaltou.

 

Carlos Garbi observou que o Liberalismo produz efeitos até hoje, sendo responsável pela maior parte das dificuldades enfrentadas pelo Direito Civil brasileiro. “Nosso Código Civil de 1916 ainda foi baseado nas ideias da Revolução Francesa e foi praticamente reproduzido no chamado ‘Novo Código Civil’, de 2002. E foi esse mundo liberal que formou toda uma escola de operadores do Direito no Brasil”, salientou.

 

Nesse sentido, ponderou que o maior entrave para a aplicação do Direito Civil é o pesado legado da doutrina liberal difundida nas escolas de Direito. “Ideias como a função social da propriedade, o fato de as regras de contratos não serem mais absolutas e a constatação de que declarações de vontade, embora vinculantes, podem ser modificadas por uma decisão judicial representam um esforço para aqueles formados na doutrina liberal”, observou, frisando que a convivência conflituosa entre um código liberal e uma constituição moderna é o maior desafio do jurista que lida com o Direito Civil.

 

O surgimento do Direito Civil Constitucional

 

Carlos Garbi observou que foi nesse ambiente de conflito entre as ideias do Estado Liberal e do Estado Social que surgiu a doutrina do Direito Civil Constitucional, que entende a Constituição como a lei maior, cujas regras devem ser aplicadas em todos os graus da legislação brasileira. “E, conforme preconiza o Neoconstitucionalismo, todas as normas e os princípios constitucionais têm aplicação direta e imediata, ou seja, efetividade, e os princípios valem mais do que as regras”, complementou.

 

Nesse sentido, ensinou que o Direito Civil Constitucional é o Direito Civil interpretado de acordo com a Constituição e com os princípios constitucionais, observando, ainda, que, como a Constituição se ocupa também de normas do Direito Civil, não há mais dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado. “A partir da Constituição de 1988, não existem mais essas fronteiras e o Direito Privado passou a ser aplicado, também, nas relações de Direito Público”, acrescentou.

 

Ponderando que o Código Civil de 2002 já nasceu desatualizado, salientou que ele ‘ganha vida’ ao se fazer sua interpretação e aplicação a partir dos princípios e dispositivos da Constituição. “E são as cláusulas gerais, como a função social do contrato e da propriedade e boa fé objetiva que dão vida ao Código Civil”, ressaltou, frisando que a Constituição tem como valor maior a dignidade da pessoa humana e tudo deve ser pensado e interpretado com base nesse princípio.

 

Em relação a esse modelo aberto de interpretação, destacou o caráter qualitativo que passou a ter a intervenção do intérprete da lei. Quanto à crítica de ativismo judicial, ponderou que o juiz apenas cumpre o seu papel, que é encontrar uma regra no ordenamento jurídico para decidir o caso concreto ou criá-la, se necessário, porque não pode se omitir. Entretanto, asseverou que ele não está usurpando as funções do Legislativo ao exercer sua função, como é alegado. “A garantia de segurança da decisão judicial nesse modelo aberto de interpretação, que inclui princípios, cláusulas gerais e conceitos indeterminados, é a motivação racional do magistrado”, frisou.

 

Por fim, Carlos Garbi destacou a necessidade de os profissionais do Direito repensarem o Direito Civil à luz da Constituição e estabelecerem novos parâmetros do Direito Privado. “Em outras palavras, precisamos reconstruir o Direito Privado brasileiro”, concluiu.

VD (texto)


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