Crimes contra a humanidade, anistia e jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos são analisados na EPM
No último dia 13, o juiz Marcos Alexandre Coelho Zilli ministrou a palestra “Crimes contra a humanidade e anistia. A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos” no curso Temas controvertidos de direitos humanos. A aula teve a participação da juíza Camila de Jesus Mello Gonçalves, coordenadora do curso e da área de Filosofia e Direitos Humanos da EPM.
Marcos Zilli recordou, inicialmente, que o primeiro documento internacional que fez referência expressa aos crimes contra a humanidade foi o estatuto de criação do Tribunal Militar de Nuremberg. “Nos julgamentos de Nuremberg (1945-46), foram estruturados os elementos iniciais do Direito Penal Internacional”, frisou.
Ele lembrou que, a partir desse julgamento e de seu estatuto, foram criados os “Princípios de Nuremberg”, série de postulados aprovados pela ONU, que definem os crimes contra a humanidade. “O princípio VI incluiu nessa categoria os crimes de homicídio, extermínio, escravidão, deportação e outros atos inumanos, por um lado, e, por outro, as perseguições por motivos raciais, políticos ou religiosos”, explicou, observando que tais crimes devem ter ocorrido antes ou durante uma guerra e ter como alvo a população civil. “A qualificação desse tipo de vítima é a principal característica que distingue essa categoria dos chamados crimes de guerra”, explicou.
O palestrante relacionou, ainda, eventos posteriores que tiveram influência na elaboração do Estatuto de Roma – que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional – e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ampliando o conceito de crimes contra a humanidade. Entre eles, destacou a Convenção Internacional sobre a Repressão e o Castigo dos Crimes de Apartheid, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Inumanos ou Degradantes, o Tribunal Internacional para a ex-Iugoslávia, o Tribunal Internacional para Ruanda e o Tribunal Especial para Serra Leoa.
Em seguida, discorreu sobre o Estatuto de Roma, observando que ele detalhou, em seu artigo 6º, parágrafo 1º, a definição dos crimes contra a humanidade, incluindo, nessa categoria, o homicídio, o extermínio, a escravidão, deportação ou transferência forçada, prisão ou outra forma de privação da liberdade, tortura, agressão sexual, escravidão sexual, prostituição, esterilização forçada, ou outras formas de violência sexual, perseguição por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, desaparecimento forçado e crime de apartheid, entre outros atos desumanos que causem grande sofrimento ou afetem a integridade física, ou a saúde física ou mental.
Marcos Zilli acrescentou que o citado artigo do Estatuto de Roma estipula que esses atos devem ser considerados perante um ataque generalizado ou sistemático, um ataque de acordo com a política de um Estado ou de uma organização contra a população civil, e deve haver, ainda, a consciência do autor ou dos autores da existência desse ataque.
Ele destacou, ainda, a importância da jurisprudência dos tribunais internacionais: “Ela traduz esse direito engessado pelos estatutos de criação dos tribunais e acaba vivificando esses estatutos na operação da área de aplicação de seus dispositivos”. A seguir, citou os elementos que caracterizam os crimes contra a humanidade, de acordo com a normativa e a jurisprudência internacional: a) ato inumano que produz grande sofrimento ou que provoca graves lesões à integridade física ou à saúde física ou mental da vítima; b) o ato é parte de um ataque generalizado ou sistemático; c) o ataque representa uma política de perseguição do Estado ou de organização; e d) o ataque é impetrado contra a população civil.
Anistia e posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Na sequência, Marcos Zilli discorreu sobre a anistia, lembrando que ela é dividida em duas categorias: as anistias absolutas, que são estabelecidas pela legislação de seu país de origem e, portanto, conferem isenção absoluta de responsabilidade penal; e as anistias condicionadas, nas quais a isenção de responsabilidade só ocorre se cumpridos determinados requisitos. “Via de regra, estas anistias são operadas com o objetivo de pôr fim a um estado de conflito, àquele círculo não virtuoso de criminalidade em massa”, ensinou.
Ele observou que, no plano internacional, há uma rejeição da ideia de que a anistia seria compatível com os crimes contra a humanidade, destacando o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, segundo a qual as leis de anistia e outras medidas impeditivas da instauração de investigação e punição dos responsáveis pelas graves violações de direitos humanos são inadmissíveis. “A Lei de Anistia impede qualquer investigação ou punição. Por via de consequência, impede qualquer apuração e identificação dos responsáveis por aquelas práticas delituosas. É um impedimento ao exercício da justiça”, ponderou.
Nesse sentido, explicou que, para a Corte Interamericana, todas as leis de anistia, quando tiverem acobertando crimes contra a humanidade, carecem de efeitos jurídicos. E, se os países aderentes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, preservarem as leis de anistia, estarão violando o acordo. “Quando o Estado adere ao Sistema, ele precisa readequar todo o seu aparato administrativo, judiciário e legislativo aos termos da Convenção Americana e de sua jurisprudência”, concluiu.
VD (texto)