Inovações no indulto e comutação de pena são analisadas no Fórum da Barra Funda

“O enfrentamento do desafio gerado pela correlação entre o crescimento do aparato repressivo na esfera jurisdicional e a perspectiva da necessidade de devolução de cidadãos melhores e mais úteis à sociedade”. Essa foi uma das ideias centrais apontadas pelo juiz Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi na palestra Indulto e comutação de pena à luz do Decreto Presidencial nº 8.172 de 24/12/2013, realizada pela EPM, no último dia 3, no Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães.

 

O evento teve a participação do coordenador de Execuções Penais do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Otávio Augusto de Almeida Toledo, dos coordenadores da área de Execuções Criminais da EPM, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia e juiz Jayme Garcia dos Santos Júnior, e da diretora do Fórum Criminal da Barra Funda, juíza Maria de Fátima dos Santos Gomes Muniz de Oliveira, entre outros magistrados, promotores de Justiça e servidores.

 

Integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça, Luís Geraldo Lanfredi foi o relator da comissão instituída pelo CNPCP para a elaboração da minuta do Decreto nº 8.172, que prevê as hipóteses de indulto com a liberdade (perdão da sanção condenatória) ou comutação da pena por outra menos gravosa (conversão de pena restritiva de liberdade em pena restritiva de direitos).

 

A comissão foi formada por magistrados, integrantes do Ministério Público, advogados e professores e recebeu propostas da sociedade durante a elaboração da minuta. “Nossa intenção é tentar compreender e aglutinar todas as pretensões de política criminal que se revelavam por trás das propostas que foram encaminhadas, após ampla convocação social, no sentido de aprimoramento do documento”, declarou o palestrante, no início de sua exposição.

 

Premissas, princípios e finalidade do direito de graça

 

Luís Geraldo Lanfredi ponderou, preliminarmente, que a execução penal brasileira revela um momento crítico, com índices massivos de encarceramento, sem o incremento de saídas menos aflitivas e mais inclusivas, sendo escassos os programas contendores do encarceramento e ínfimo o compromisso da comunidade com o egresso prisional. “Daí derivam as reflexões metajurídicas sobre o tipo de sociedade que buscamos, sobre o papel e a importância da punição e o seu ressignificado perante a sociedade, bem como sobre o desiderato do ideal ressocializador do cumprimento da pena. Sob este aspecto, a norma do indulto é voltada para a humanização do cumprimento da pena privativa da liberdade, em especial, como também das demais sanções contempladas no nosso ordenamento jurídico penal, no sentido de atenuar a agruras de um drama que reconhecidamente não conseguimos vencer”, assinalou.

 

Adiante, ensinou que o “direito de graça”, outro nome do indulto, sempre foi duramente questionado ao longo da história por diversos motivos, mas que resiste a desaparecer do mundo civilizado. “A prerrogativa, atribuída ao chefe de Estado, remonta ao Império, herança do Direito lusitano. Constitui-se importante instrumento de política criminal como ferramenta que permite equacionar injustiças insolvíveis e sanar os rigores da punição ditada pelo Poder Judiciário. É exercido pelo Estado de Direito comprometido com princípios humanísticos e garantias individuais, que não se compraz com situações de excessos de uma execução demorada ou desvios alarmantes da execução penal para torná-la menos degradante. Isso já é bastante para a conclusão de sua importância intrínseca”, ponderou.

 

Aclarou, ainda, que o direito de graça caracteriza-se como intervenção anômala e excepcional do Poder Executivo, como se fosse um calibrador ou medida compensatória que se instala no curso da execução penal. Justifica-se na medida em que a execução mereça adequação a um pressuposto de justiça. Segundo o palestrante, o instituto é exercido não no pressuposto da correção de erro judiciário, mas na perspectiva da deterioração do sistema penal punitivo, na redefinição das finalidades e desígnios inerentes à execução penal, humanizando penas que, em certa medida, tenham perdido o sentido ou se esvaziado em suas finalidades.

 

Nesse sentido, afirmou que o cumprimento da pena fixada pelo magistrado há de ser sempre revisitado para ponderar bens jurídicos conflitantes e em permanente tensão. “Pensar o direito de graça a partir dessas premissas significa buscar satisfazer o primado da justiça social”, ressaltou.

 

Contra o clamor de que o Brasil seria “o país da impunidade”, revelou que, no passado recente, nenhuma nação ensejou um crescimento tão vertiginoso da população prisional em tão pouco tempo, notadamente após a redemocratização, ultrapassando a marca de meio milhão de encarcerados. E a clientela carcerária total, em cumprimento de outras penas e medidas, alcança quase dois milhões de pessoas, segundo informação do Departamento Penitenciário Nacional.

 

Principais inovações do Decreto nº 8.172/2013

 

O paradigma das novas regras do indulto foi o Decreto nº 7.873/2012, que já havia consolidado os movimentos mais amplos e atuais da sociedade. “O decreto antecedente foi tratado, desde o princípio, como algo a ser preservado e, dentro do possível, aprimorado, ajustando-se pontualmente eventuais distorções”, salientou Luís Geraldo Lanfredi.

 

Em seguida, passou a comentar as novas hipóteses autorizadoras do indulto e da comutação de penas, quando ocorrer flagrante violação a direitos humanos dos condenados, bem como para prestigiar a valorização do esforço de cada um com sua própria reinserção social.

 

Segundo o palestrante, seu espírito foi o da inovação procedimental para desobstruir os gargalos de atuação do Judiciário, buscando torná-la mais objetiva, breve e célere, permitindo-se inclusive a declaração de indulto ao juiz do processo de conhecimento, nas hipóteses de condenação de réu primário, e desde que haja o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para o Ministério Público, nos termos do artigo 6º.

 

Dentre as inovações, indulto e comutação passam a ser entendidos como direitos reconhecidos e concedidos, que dependem,  exclusivamente, da satisfação de requisitos objetivos. Por outro lado, a decisão judicial está caracterizada nelas como um ato meramente declaratório, na medida em que os pressupostos elencados no decreto são por si constitutivos do direito à contemplação. E a declaração de indulto e comutação de penas também terá preferência a qualquer outro incidente no curso da execução penal.

 

De acordo com o decreto, ainda, os órgãos da execução penal passam a ter a obrigação do encaminhamento social do indultado após a contemplação, permitindo-lhe e a seus familiares o amparo e a integração através da rede de assistência psicossocial ou do Sistema Único de Assistência Social, sistemas disponibilizados pelo Ministério da Saúde.

 

Ampliando o que já havia sido concedido no decreto antecedente, o novo dispositivo beneficia, também, os sentenciados que se esforçarem no sentido da aquisição de conhecimento, conforme preconizam os incisos VIII e IX do art. 1º. O decreto beneficia, igualmente, condenados à pena privativa de liberdade que tenham sido vítimas de tortura praticada por agente público ou investido nesta função, conforme redação do inciso XVIII.

 

ES (texto)

 

 


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