Doação de sangue como pena alternativa é discutida no curso de Direito Penal

A programação do 5º Curso de especialização em Direito Penal da EPM do último dia 3 foi dedicada ao tema “Penas alternativas”. A aula foi ministrada pelo juiz Jayme Walmer de Freitas (foto), professor assistente do curso, e teve a participação da juíza Elaine Cristina Monteiro Cavalcante, coordenadora adjunta do curso.

 

Em sua exposição, Jayme de Freitas destacou a implementação de um programa, pioneiro no país, de utilização da doação voluntária de sangue como pena alternativa para sentenciados primários e sem antecedentes criminais, que empreendeu na comarca de Sorocaba.

 

Inicialmente, ele revelou alguns fatos que o inspiraram a refletir sobre a importância da doação de sangue, como situações de risco de vida enfrentadas por pessoas próximas, em razão de escassez de sangue para transfusão, em especial em períodos em que há redução drástica dos estoques dos bancos de sangue, como as férias do início do ano. Diante desse quadro, vislumbrou que o Judiciário deveria criar uma parceria com a Saúde Pública para mitigar essa escassez e cumprir a função social da pena alternativa. Ele ressaltou, ainda, sua convicção no abrandamento da pena como forma de ressocialização do sentenciado. “Nós, da área penal, somos muito calejados, duros. Então é preciso retirar um pouco de nossa couraça, pois a vida é muito mais gostosa se formos mansos, pacíficos, amorosos”.

 

A seguir, recordou o histórico das penas alternativas no Brasil. Prevista no artigo 5º, inciso 46, da Constituição Federal, a prestação social alternativa ainda não tinha correspondência no Direito Penal até a reforma do Código, em 1994. Entretanto, já em 1989, vários juízes a determinavam, inclusive a doação de sangue. Antes que essa prática tomasse corpo, porém, houve decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, em posição contrária, anulando sentença de primeiro grau. Em sua decisão, afirmava que a doação de sangue não pode ser determinada, pois, dada a sua natureza voluntária, depende da vontade do réu, posição corroborada por doutrinadores no início dos anos 90.

 

De acordo com o palestrante, a possibilidade da doação de sangue como pena substitutiva foi reaberta com a edição da Lei 9.714/98. Esta lei ampliou o leque das penas restritivas de direito, introduzidas na reforma do Código Penal pela Lei 7.209/84. Com ela, advieram as penas de prestação pecuniária e de perda de bens e valores, aplicáveis aos réus primários e sem antecedentes nas infrações penais de menor potencial ofensivo, conforme dispositivos da Lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

 

Jayme de Freitas lembrou que a possibilidade de expropriação de bens e valores na execução criminal acarretou a legalização de doações de todo tipo no Brasil, tais como cestas básicas, medicamentos, cobertores, resmas de papel para entidades que cuidam de cegos e livros para bibliotecas, mas havia restrições quanto à aplicabilidade da doação de sangue. Diante da percepção de que só poderia haver a negociação para doação de sangue na transação penal, verificou que o principal requisito a ser atendido era a voluntariedade, com base em estudos efetuados junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

 

Ele recordou que apresentou a ideia de emparceiramento do Judiciário com a Saúde Pública a representantes da Defensoria Pública, da OAB e do Ministério Público, tendo como enfoque o argumento de que a doação de sangue salva, no mínimo, três vidas. Embora não houvesse controvérsia, ainda havia dúvidas: “Uma das indagações jurídicas, de ordem prática, era como o promotor de Justiça, legitimado, iria ofertar uma proposta sem imposição de cumprimento?”

 

A resposta encontrada foi ofertar a doação de sangue em um leque de prestações alternativas ao autor do fato ou ao réu, em nome da diversidade cultural, religiosa e psicológica. Com isso, em setembro de 2010 iniciou-se a implementação da medida. Ele lembrou que a iniciativa foi ganhando impulso por seus resultados no cotidiano da prestação jurisdicional e citou, como marco, a manifestação de um réu primário, de 20 anos, aparentemente contrito, ao ouvir a proposta da pena substitutiva: “fiz algo ruim e preciso ser punido. Mas se eu doar sangue, salvarei vidas e isso é bom. Então, aceito”.

 

Nesse sentido, apontou a vantagem da doação de sangue em relação a outras penas alternativas, como o pagamento de cesta básica, pois implica uma decisão voluntária e solidária que se move para reparação do delito. “Passou a ser prestação alternativa, onde entra o componente da solidariedade. O mais importante é o fator autoestima, pois está em jogo o mal que a pessoa praticou, contraposto ao bem que está fazendo com a doação. Ela se sente feliz”, ponderou.

 

Mas, embora trate-se, na opinião do professor, da melhor das prestações alternativas inominadas, cuja prática é disseminada em muitas comarcas do Estado de São Paulo e de outros Estados, a medida ainda sofre resistência. Além disso, informou que há prestações alternativas reputadas mais adequadas a determinadas contingências ou mais úteis à coletividade por outros juízes.

 

Segundo Jayme de Freitas, a doação local de sangue obteve, em 2010, a adesão de 70 a 80% dos condenados. A medida, levada ao conhecimento da Corregedoria Geral da Justiça, foi considerada uma das boas práticas ao nível estadual.

 

ES (texto)


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