O Marco Civil e a internet como espaço público de informação e mobilização são debatidos na EPM

Os temas da proteção aos direitos fundamentais, liberdade de expressão e democracia participativa, relacionados à informação e à mobilização no ambiente virtual, foram analisados pelos professores Mônica Steffen Guise Rosina e Alexandre Pacheco da Silva, no último dia 18, no seminário Marco Civil da Internet. A aula contou com a participação do desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, coordenador do seminário.

 

Mônica Rosina falou preliminarmente sobre as linhas de pesquisa empreendidas pelo Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV (GEP), coordenado por ela, cujo escopo é o entendimento do multifacetado ambiente virtual e suas implicações legais, com foco na chamada Deep Web, um espaço ainda pouco conhecido, não indexado e de difícil acesso, por oposição à face visível e conhecida dos buscadores, a Surface Web. Ela apontou a natureza bifronte da dimensão virtual profunda. Seu aspecto positivo seria a preservação do anonimato; seu lado nocivo, aquele que serve a comunicações de ações criminosas reservadas, entre as quais a pedofilia, o tráfico de drogas, etc.

 

A professora também relatou as pesquisas relacionadas à propriedade intelectual, à natureza e à regulação da moeda virtual bitcoin, à relação entre o Direito e a moda estabelecida pelo Fashion Law, mercado que movimenta milhões de dólares, e as incertezas quanto à proteção do direito aplicada a esse campo.

 

Adiante, Monica Rosina ressaltou o aspecto inovador da transparência no processo de elaboração da Lei 12.965/14, no sentido de aproximação do cidadão da esfera legislativa. “Foram recebidos mais de 2.500 comentários ao longo do prazo da consulta pública que culminou com a elaboração da lei”, informou. Comentou ainda que outra novidade significativa foi a adoção de uma lógica diferente daquela anteriormente utilizada: a perspectiva de criminalização dos ilícitos praticados na internet foi sobrepujada pela ênfase na proteção dos direitos do cidadão.

 

A seguir, salientou a importância dos dispositivos iniciais da Lei, por trazer os princípios, as garantias, os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determinar as diretrizes para a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios em relação à matéria. Entre os direitos fundamentais assegurados, comentou que “talvez nenhum outro valor seja tão explícito dentro de toda lei quanto o respeito à liberdade de expressão, um direito absolutamente relevante para a garantia do Estado de Direito Democrático, como princípio fundamental na disciplina do uso da internet”.

 

A professora citou, em contraponto, episódios sociais recentes de coibição da liberdade de expressão em países não democráticos, em que a visibilidade dos acontecimentos em tempo real propiciada pelas redes sociais e internet foi bloqueada pelos governos, como no caso da Primavera Árabe.

 

Em prosseguimento, discorreu sobre o relatório especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), objeto do livro Liberdade de Expressão e Internet, lançado em data recente na FGV. De acordo com a pesquisadora, o documento apresenta os quatro princípios que a OEA entende como relevantes para a liberdade de expressão, quais sejam, livre acesso, pluralismo (entendido como a maximização das vozes que podem participar das deliberações públicas), não discriminação e privacidade.

 

Em comentário a aspectos dos princípios de uso da internet elencados pelo órgão internacional, Mônica Rosina observou que, no Brasil, metade da população está excluída do acesso físico digital em seus múltiplos aspectos. No que concerne ao princípio da não discriminação, asseverou que ele resguarda e garante a comunicação de grupos vulneráveis, que expressam opiniões diferentes da parcela majoritária da população.

 

Entretanto, ponderou que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, pois encontra limites em outros direitos também tutelados pela legislação, como os da personalidade e as regulações contra difamação e calúnia, entre outros. “A avaliação dessas restrições ao direito à liberdade de expressão passa por alguns testes, e o relatório tenta trazer para o operador do Direito e para o formulador de política pública seus requisitos, entre os quais a previsão legal, o cumprimento de uma finalidade interativa, a necessidade, a idoneidade e a proporcionalidade da medida em relação à finalidade buscada, garantias judicias e cumprimento do devido processo legal, incluindo as notificações ao usuário”, observou.

 

Neste ponto, o professor Alexandre Pacheco da Silva fez um adendo para o esclarecimento da distinção entre informações triviais e sensíveis, estas entendidas como as que poderão, eventualmente, ser utilizadas por terceiros contra o usuário da internet.

 

Memória social e o direito ao esquecimento

 

Mônica Rosina comentou que a União Europeia vem tomando, ao longo dos últimos anos, medidas favoráveis à proteção do usuário na internet, possuindo legislação bastante avançada sob este aspecto, ao passo que o movimento forte nos EUA inclina-se para a preservação da liberdade de expressão.

 

De acordo com a pesquisadora, entre as diretrizes do sistema legal europeu, acha-se o chamado “direito ao esquecimento”, abordado em decisão recente da corte da União Europeia, quando deferiu ao advogado catalão Mario Costeja González a exclusão da notícia do leilão de sua casa do buscador Google. Acerca do episódio, a professora comentou que os principais buscadores de serviços de internet já disponibilizam formulários para o pedido de remoção de indicação de páginas e conteúdos com dados pessoais.

 

Alexandre Pacheco da Silva, por sua vez, teceu comentários à decisão europeia. Na sua opinião, há uma contraposição entre dois direitos não explicitados na decisão europeia, quais sejam, o direito de edição da própria vida na internet versus direito da sociedade na preservação de sua memória. “Em face do direito de remoção de conteúdos verdadeiros pelo cidadão, a verdade dos fatos não ficaria comprometida por caprichos individuais?”, indagou. E relatou casos paradigmáticos da contraposição desses direitos na esfera cível brasileira, como os dos pedidos de remoção de conteúdo e indenização pela reconstituição de crimes em conhecido programa de televisão. Em um dos casos, o STJ negou a remoção de conteúdo produzido pela emissora por não haver falseamento ou difamação; em outro, determinou a remoção e a indenização, porque a ação foi movida por um dos acusados, absolvidos no processo penal.

 

O palestrante lembrou, ainda, que, em sua origem, o direito ao esquecimento está vinculado à reabilitação social do indivíduo, ao contrário da tendência atual de vinculá-lo ao imperativo da privacidade. “No Brasil, surgiu com pedido de remoção dos dados da condenação criminal dos registros públicos por um egresso do sistema penitenciário, para possibilitar a reinserção na sociedade”, ensinou.

 

Formas de participação da democracia digital

 

O último tema abordado pelos palestrantes foi o da internet como espaço público de florescimento da democracia participativa. Sobre este aspecto comentaram os principais modelos internacionais de uso da tecnologia da informação e da comunicação para fomentar maior participação dos cidadãos no processo legislativo, bem como alguns exemplos brasileiros. Mônica Rosina observou que “o Marco Civil também traz como um valor as questões relacionadas ao exercício da cidadania e uso da tecnologia e dos meios digitais para a consecução desse direito”.

 

Nesta perspectiva, a professora citou o inciso II do artigo 2º da Lei 12.965/14, que dispõe sobre os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania nos meios digitais; o inciso VII do artigo 3º, que versa sobre a importância da preservação da natureza participativa da rede; o inciso II do artigo 4º, que vincula à disciplina do uso da internet no Brasil a promoção do acesso à informação, ao conhecimento e a participação na vida cultural e condução de assuntos públicos, o inciso III, que preconiza a ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso e o inciso IV, que promove a adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de dados. E fez uma reflexão de como isso se traduz concretamente para os usuários.

 

Coube a Alexandre Pacheco da Silva, finalmente, a apresentação de iniciativas particulares de projetos de aplicativos interativos de internet no Brasil fomentadores da democracia participativa, quais sejam, aqueles que procuram esclarecer e difundir políticas e gestões orçamentárias públicas, promover campanhas comunitárias, monitorar e fiscalizar a prestação de serviços públicos, estabelecendo através de parcerias a aproximação entre cidadãos e poder público.

 

ES (texto e fotos)


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP