Curso de Direito Internacional tem aula sobre contratos internacionais
O professor Cláudio Finkelstein (foto) ministrou a aula “Contratos internacionais” no 1º Curso de especialização em Direito Internacional da EPM, no último dia 26, evento que teve a participação da juíza Fernanda Galizia Noriega, coordenadora do curso.
Ele iniciou a aula diferenciando Direito Internacional de Direito interno: enquanto o primeiro não é regido por uma lei nacional, o segundo é. No entanto, lembrou que ainda inexiste autoridade central mundial ou qualquer tipo de órgão encarregado da acepção do Direito Internacional. Por isso, as definições para o termo são arbitrárias.
Em termos de jurisdição, explicou que, normalmente, a análise de uma situação de ordem internacional é responsabilidade dos tribunais internacionais, e as partes envolvidas geralmente são Estados, organizações internacionais e, em raríssimos casos, pessoas físicas ou jurídicas. “A internacionalização é muito ligada ao Direito Público, porque ela não analisa o Direito nacional, ou seja, analisa aqueles direitos dos tratados, dos costumes internacionais, que têm uma natureza muito mais pública do que privada”.
Nesse sentido, Cláudio Finkelstein observou que também não há uma versão universalmente aceita sobre a definição de contrato internacional. Porém, definiu-o como “acordo consensual de vontades, visando criar, modificar ou extinguir obrigações, definindo o relacionamento entre as partes, que possua um vínculo relevante de extraneidade que traga consigo a possibilidade de aplicação de um direito estrangeiro”.
Ele observou que, atualmente, é corriqueiro que exista a possibilidade de incidência de dois, três, quatro sistemas legais na mesma obrigação, no mesmo contrato. Por isso, um contrato mal redigido pode causar muitos problemas, uma vez que não há uma jurisdição privada de vocação internacional. “Não existe nenhuma autoridade vinculada às Nações Unidas ou a qualquer outro organismo internacional que possa definir para o juiz a extensão daquele direito que tem a sua origem no foro internacional”.
O professor explicou que as complicações derivam da complexidade das negociações, da dificuldade de se cumprir obrigações e executar decisões devido à distância, fatores culturais e apego à lei nacional. E ressaltou que é importantíssimo se desapegar dos conceitos nacionais ao se adentrar a área dos contratos internacionais. Ele demonstrou essa relação com o seguinte exemplo: “quando se fala em contrato no Brasil, uma das primeiras coisas que passa pela nossa cabeça é o princípio da boa fé. É inerente. Mas isso, por exemplo, em jurisdições como a da Inglaterra, não é nem um princípio”. E salientou que são inúmeros os princípios que existem mundo afora com conceituações distintas, ponderando que se trata de uma situação com a qual o advogado internacional tem que se familiarizar.
A seguir, lembrou que o contrato é o instrumento do comércio internacional: sem ele, não seria possível estabelecer relações internacionais tal qual existem atualmente, com a globalização e o livre comércio. E frisou que o contrato deve ser pensado e trabalhado para se coadunar com o intento das partes. Ressaltou, a seguir, que 98% dos contratos internacionais são cumpridos. Mas, àqueles que não o são, é necessário estabelecer o sistema jurisdicional no qual se irá buscar a solução da questão.
Nesse contexto, lembrou que, em Direito Internacional não há por que pensar que o Direito de um país prevalece sobre o de outro. A partir da década de 1980, com os tratados de Roma, de jurisdição contratual da União Europeia, passou a ser regra o entendimento de que o Direito aplicável será aquele mais relevante à situação. No Brasil, no entanto, ainda prevalece herança de 1916 sobre a questão, prescrita no Artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituíram”. Ou seja, o direito aplicado será aquele do local onde fora redigido o contrato.
Todavia, observou que essas teorias não são as únicas: há outra vertente que pode ser chamada em português de “despedaçamento”. “A moderna teoria do Direito Internacional indica que num mesmo contrato pode haver incidência de mais de um ordenamento, desde que em partes diferentes”.
O professor discorreu, ainda, sobre outros aspectos do Direito brasileiro que se correlacionam com a matéria dos direitos internacionais. Ele recordou que o Decreto-lei nº 857/69 estabeleceu o curso forçado da moeda, o que significa que, no Brasil, a única moeda que pode ser utilizada é a nacional. Isso não se aplica, porém, para relações de contratos internacionais.
Além disso, ensinou que a lei nacional entende que, se um brasileiro estiver envolvido em uma questão internacional e se houver interesse real, o juiz brasileiro é considerado imediatamente competente para julgar o contrato. “Ainda que o contrato determine que a jurisdição seja de outro país, o brasileiro terá competência”, esclareceu. E acrescentou que, ademais, o juiz brasileiro não pode criar ou limitar a jurisdição do juiz estrangeiro, mas pode determinar qual decisão com exclusividade produzirá efeitos.
De qualquer maneira, observou que o Direito estrangeiro, uma vez selecionado para reger determinada obrigação, se equipara à Lei Federal. Portanto, a obrigatoriedade de seguir os mecanismos da lei estrangeira é absoluta, salvo quando ofender “a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes” (Artigo 17º da LINDB).
Por fim, o professor ressaltou a importância do tema, uma vez que o Brasil faz parte do conjunto de países que praticam diversos tipos de acordos internacionais, e ponderou que o estudo da questão é relevante até para entendermos como melhor proceder nessas situações. “Vivemos em um mundo globalizado e uma das consequências disso é reconhecer que existem ordens jurídicas diferentes, com princípios diferentes, cuja recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro não ofende a nossa Ordem Pública, porque não é essa a lei de regência daquela obrigação”.
VD (texto)