EPM inicia curso de atualização em Direito Processual Penal

Com a palestra “Criminalidade contemporânea, crimes transnacionais, combate ao crime organizado e atuação do Poder Judiciário”, teve início, no último dia 2, o Curso de atualização em Direito Processual Penal da EPM. A aula inaugural foi ministrada pelo desembargador Marco Antonio Marques da Silva, coordenador do curso e da área de Direito Processual Penal da EPM, e teve a participação do juiz Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira, também coordenador do curso e da área de Direito Processual Penal da Escola.

  

No início de sua exposição, Marco Antonio Marques da Silva discorreu sobre as mudanças no Direito, decorrentes da globalização. Ele citou, como exemplo, a mudança na ideia da conformação do Estado soberano, antes caracterizado pela liberdade para ditar suas leis, em igualdade perante as outras nações; pela moeda própria; e por fazer suas guerras. “Hoje, a soberania não é a mesma, porque o sistema internacional de Direito acaba influenciando as leis do país, bastando lembrar que o Brasil se rege pelos tratados de direitos humanos; a economia tem influência global; e, salvo exceções, um país não invade mais o outro, havendo mecanismos para solucionar conflitos internacionais”, explicou.

 

Ao falar sobre o Direito Penal, ressaltou que ele é o último instrumento de aplicação da lei, mas está submetido aos limites constitucionais. Nesse contexto, apontou a proximidade do Direito Penal com a Constituição, ponderando que o Direito Penal nada mais é do que o Direito Constitucional aplicado. Lembrou, ainda, que o Direito Penal depende de um processo para sua aplicação, diferentemente dos outros ramos do Direito, ficando sujeito às regras processuais. “O processo é um instrumento de garantia para o cidadão”.

 

Ele salientou ainda a função de força representada pelo Direito Penal, quando é necessário impor a ordem e a disciplina. “Quando todos os demais ramos do Direito não forem suficientemente fortes para garantir o cumprimento da Lei, o Direito Penal será”. Lembrou, ainda, que há uma gradação entre os crimes de especial gravidade, que recebem tratamento diferenciado; o chamado crime comum; os juizados especiais criminais.

 

Em prosseguimento à análise dos pilares de sustentação do ordenamento jurídico penal, Marques da Silva apontou o agravamento da criminalidade com as novas tecnologias na sociedade de risco, na esteira dos avanços das novas tecnologias, acentuadamente no campo da informática, que expôs de modo mais acentuado os indivíduos. E discorreu sobre o modo como as transformações socioeconômicas e tecnológicas influenciam o comportamento, criando ilusões, falsas expectativas e alimentando vaidades.

 

O professor apontou a dimensão da criminalidade no mundo contemporâneo: “Na globalidade, os conflitos valorativos não são mais individuais, de uma pessoa com relação a outra. Sem que tenhamos resolvido o problema da criminalidade tradicional, agora lidamos com um novo espectro da criminalidade, com delitos graves como a clonagem de cartão de crédito”.

 

A educação e a cultura na base da erradicação da criminalidade

 

Marques da Silva apontou o caráter endêmico da criminalidade, cuja base está nas vicissitudes morais, entre as quais a principal é o exercício de tolerância do indivíduo com o cometimento de pequenos delitos e infrações. Sob esse prisma, o da concessão moral, o professor ensinou que “a solução é a mudança de postura no campo da educação, pois é bíblico e histórico a máxima ‘eduque as crianças para não punir os homens’. É preciso ensinar a todos o rigor e a obediência à norma. Antes de mais nada, desenvolver um trabalho de conscientização, porque não é possível viver harmonicamente em sociedade cometendo pequenas infrações todos os dias.”

 

A seguir, discorreu sobre a criminalidade organizada. De acordo com o palestrante, esse tipo de ação criminosa estrutura-se em diversos polos da sociedade. Ele citou como exemplo, a área da corrupção, uma das mais deletérias, na qual ocorre a lavagem de dinheiro, o desvio de bens e dinheiro, os crimes de licitações, a destinação de obras inexistentes, inacabadas ou superfaturadas.

 

Marques da Silva salientou, por outro lado, a insuficiência da norma penal para coibir pequenos delitos e infrações. “Numa sociedade em que todos querem participar do consumismo a qualquer preço, o Código de Trânsito Brasileiro mudou muitos comportamentos depois que trouxe as sanções da multa, do ponto na carteira e da apreensão de veículos. Isso são respostas administrativas, não penais. Conclui-se, então, que o Direito Administrativo sancionador pode muitas vezes ser mais eficaz no combate à criminalidade do que o Direito Penal. No fundo, pequenas posturas mostram grandes comportamentos. Se o sujeito não sabe cuidar do mínimo, como, por exemplo, atirar bituca de cigarro e papel de bala pela janela do automóvel – o que já configura um crime ambiental –, não vai saber cuidar do máximo”.

 

A vingança na senda da Justiça

 

Além da resposta leniente ao crime, outro aspecto do desvio do rigor da norma comentado pelo professor foi a prática da vingança a pretexto de aplicação da Justiça. Em seu entendimento, a grande dificuldade é o estabelecimento de regras para que não se passe ao abuso ou exagero na área do combate à criminalidade, em todas as instâncias do poder público. “Nós deveríamos ter instrumento de maior controle do Estado, evitando que cada um faça o que quiser. Na prática simples do processo penal de modelo acusatório, a regra constitucional diz: quem investiga não acusa; quem acusa não defende; e quem defende não julga. Mas em alguns momentos há uma intervenção indevida em algumas áreas, por corporativismo, estrelismo ou mesmo ânsia de fazer algo positivo, que acabam traindo essas regras. A espetacularização, como um desses males, nada faz para a aplicação da Justiça, pois produz processos mal instruídos e frequentemente anulados.”

 

Marques da Silva alertou para o risco dos comportamentos de exceção, pois estes teriam o condão de derrubar toda a nossa história de conquista de direitos e garantias. Ele lembrou a vigência de um sistema de Direito Internacional e de Direitos Humanos, constituído por cortes internacionais como o Tribunal Penal Internacional (TPI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização dos Estados Americanos (OEA), ao qual estão submetidos todos os signatários.

 

“Mas nada disso valerá se continuarmos admitindo, em nome da espetacularização, o rompimento de regras. Antes de mais nada, precisamos saber o que estamos pensando em termos de jurisdição penal em todos os graus e circunstâncias, em âmbito nacional e internacional, sob o risco de decaírmos nos tribunais de exceção que sempre combatemos, que desprezam a presunção de inocência”.

 

O comprometimento internacional com a proscrição do tráfico de drogas

 

Adiante, o palestrante asseverou que a estrita observância aos direitos e garantias legais não significa leniência ou desproteção da sociedade. E passou à explicitação de seu comentário. “No caso do tráfico de drogas no Brasil, ora ele é demonizado, ora é glamourizado. A discussão da aplicação da legislação antidrogas no Brasil literalmente entorpece as pessoas, pois os debates geralmente são acalorados. Não podemos esquecer, em primeiro lugar, que, embora a lei preveja uma gradação, conforme o caso e segundo a ordem constitucional de valores, o tráfico é um crime equiparado a hediondo. Portanto, há de ter um tratamento diferenciado. Em segundo lugar, pelos tratados de Viena e Nova York, a nação comprometeu-se a proscrevê-lo”.

 

Ele comentou, a seguir, aspectos da lei antidrogas. Ele ressaltou a distinção dada pelo Lei 11.343/2006 ao usuário e ao traficante. “Uma coisa é o tratamento dado pela lei ao usuário (artigo 28), que embora ainda seja crime, foi despenalizado, não recebendo pena privativa de liberdade. Outra questão é a do tráfico (artigo 33), cuja resposta, seja nacional ou internacional, é repressiva, adequada, necessária e suficiente para prevenção e reprovação do delito. Nesta perspectiva, não é possível entender que o tráfico, um crime que atinge não uma pessoa, mas toda a coletividade, que motiva aproximadamente 90% de todos os outros crimes, como roubo, furto, homicídios, etc., deva ser tratado como um crime comum, fazendo-se tábula rasa da lei, dos tratados e convenções internacionais. Não podemos adotar uma ideia antipedagógica de nação na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. Em última análise, na democracia, as regras devem ser cumpridas, e o limite é o respeito à lei.”


Marques da Silva asseverou, finalmente, que, para a estruturação de uma persecução criminal eficaz, faz-se necessário a integração e o diálogo entre todas as instâncias do Poder Público.

 

ES (texto)

 


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP