Aula sobre crimes eleitorais conclui a programação do curso de Direito Penal
A palestra “Crimes eleitorais”, ministrada pelo desembargador Waldir Sebastião de Nuevo Campos Júnior (foto), no último dia 11, encerrou a programação do 5º Curso de especialização em Direito Penal da EPM. A aula contou com a participação do coordenador do curso e da área de Direito Processual Penal da Escola, juiz Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira.
Inicialmente, o palestrante fez uma contextualização histórica do ambiente eleitoral, caracterizando-o como “palco da luta pelo poder, em que, na maioria dos casos, aquele que fracassa tem reflexos pessoais e sociais graves, principalmente nas pequenas comunidades, em que parece mais acirrada a disputa”.
Ainda nas considerações iniciais, Nuevo Campos falou do sistema eleitoral como base da evolução política e social, enfatizando sua diferenciação “por tratar-se de um ambiente em que todos os atores trabalham de forma crítica. Por outro ângulo, a evolução do sistema está marcada por momentos críticos da sociedade brasileira e reflete uma preocupação de ganho de legitimidade do processo”. De acordo com o palestrante, a análise buscaria minimizar preconceitos, desfazer a ideia da deterioração ética do ambiente eleitoral.
Ao falar sobre as legislações do Império, apresentou fragmentos de textos de eminentes juristas da época, nos quais já avultava a crítica ao papel dos atores políticos, destacando a sua “surpreendente atualidade”. Um dos textos comentados, de autoria de Carvalho de Mendonça, versa sobre a Lei 3.029/1881 (Lei Saraiva), importante para a estruturação do processo político-eleitoral no Brasil: “À magistratura confiou a Lei 3.029 importantíssimas funções. Aos seus membros cabe compenetrar-se do espírito da lei, inspirar-se na pura Justiça e dar suas decisões de acordo com as suas consciências. Os juízes não se deixam cegar pela mal entendida política, que hoje infelizmente tudo invade como uma praga, arruinando os homens e as instituições”.
De Antônio Herculano de Souza Bandeira, o palestrante apresentou a crítica que diz respeito à fidelidade partidária: “Nesses grupos chamados partidos políticos conservador, liberal, conciliador, constitucional, não há diferença alguma de princípios, nem de tendências finais: e, por isso, é patente que essas discórdias, que entre eles existem, são todas pessoais. A prova disso, ei-la bem clara na frequente transmigração dos mesmos cidadãos de uns chamados partidos para outros, conforme as feições e os interesses individuais (...).”
Fontes formais do Direito Eleitoral brasileiro
Nuevo Campos discorreu a seguir sobre as principais fontes formais do Direito Eleitoral brasileiro. Ele citou seus primórdios, no Período Colonial, em que se importou o sistema de câmaras que vigia em Portugal, herança do Direito Romano, compostas por três vereadores, administrador e juiz. “Nesse sistema, com participação decisiva de sacerdotes da Igreja Católica, só podiam se candidatar os nobres, e o voto, secreto, era censitário, ou seja, só podiam votar aqueles que tivessem posição socioeconômica relevante. Esse sistema compunha uma forma de legitimar a reprodução do poder”, comentou.
O palestrante recordou que a participação de juízes no processo político-eleitoral iniciou-se em 1824, por meio do decreto imperial de 26 de março de 1824, que previa eleições indiretas para o Senado, restrição à Câmara e Conselhos Provinciais. Referida norma ainda restringia a condição de eleitores, instituiu a presidência dos trabalhos exercida por juiz ordinário ou de fora e a utilização da cédula de papel para voto.
Ele comentou, ainda, outros diplomas eleitorais do império, entre os quais a primeira lei que previu recurso formal contra a exclusão do eleitor, de 1º de outubro de 1828.
Em prosseguimento, revelou a lei que iniciou a estruturação do processo político-eleitoral no Brasil, qual seja, a já mencionada Lei 3.029/1881, cujo projeto foi elaborado por Rui Barbosa. Ele destacou as principais virtudes desse diploma, quais sejam, a abolição do voto indireto e dos analfabetos, bem como das juntas de qualificação ex officio; a instituição das mesas eleitorais e do alistamento, mediante requerimento controlado por juízes; e a previsão dos crimes eleitorais de fraude e corrupção.
Já na fase da República, comentou a Lei de 1890, pela qual as mulheres ainda eram excluídas do direito ao voto, e após a qual passaram a comandar o processo político-eleitoral os coronéis, grandes latifundiários do nordeste, por meio dos chamados “currais eleitorais”. Mencionou, ainda, a Constituição Republicana de 1891, que instituiu o voto direto para presidente e vice-presidente da República e conferiu ao legislador ordinário a disciplina do processo eleitoral de eleição e apuração; a lei de 1916, que conferiu ao Poder Judiciário competência para controlar o processo eleitoral; e a lei de 1920, que instituiu o alistamento eleitoral permanente.
Nuevo Campos ensinou que o ramo especializado da Justiça Eleitoral foi instituído pelo Código Eleitoral de 1932, baseado em modelo criado pelo jurisfilósofo tcheco Hans Kelsen (1881-1973). A mesma lei incluiu as mulheres no processo político-eleitoral.
Ele finalizou a retrospectiva ensinando que o Código Eleitoral em vigência (Lei 4.737/65), o quinto de sua espécie, é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como recepcionado pela Constituição. Entre as causas da consolidação do sistema, lembrou as de natureza histórica, destacando as redemocratizações a partir da década de 70, as filosóficas e as teóricas.
Substancialismo dos direitos fundamentais versus assimetrias sociais
“A Justiça Eleitoral tem agido de forma bastante eficiente e segura. Sua missão acha-se hoje consolidada e completa pela constitucionalização do Direito. Ela faz a estruturação, a regulamentação, o alistamento, a realização e fiscalização do processo eleitoral”, assinalou Nuevo Campos, iniciando a análise da substancialização dos direitos fundamentais constitucionais na legislação eleitoral.
Contudo, o palestrante advertiu que a democracia do processo político-eleitoral deve ser vista de duas perspectivas. Em relação à formal, compreendida como a estruturação do pleito, ponderou que ela encontra-se bastante desenvolvida. Sob esse aspecto, destacou o alistamento de 74% daqueles que podem votar; a participação efetiva de todos os segmentos sociais; a atualização constante das leis; a pluralidade de agremiações políticas; e, por fim, as condições ideais para o desenvolvimento da disputa formadas pela observância das regras eleitorais. “Hoje, se o candidato tomar uma série de multas por condutas ilícitas e não pagá-las, fica inabilitado para novas disputas”, ilustrou.
Adiante, discorreu sobre o lado material (social) do sistema. Apontou a existência de um ambiente social bastante assimétrico, onde seria fácil o encarceramento da vontade popular, comprometendo a liberdade do voto, e a necessidade de correção de suas distorções. “Os trabalhos no campo da Ciência Política demonstram a necessidade de elevação de consciência política para melhor leitura dos discursos durante a campanha e prática do voto livre e esclarecido. Quando conseguirmos um melhor equilíbrio entre as perspectivas formais e sociais da democracia, teremos uma melhora bastante razoável”, asseverou.
No cenário das transformações da sociedade contemporânea, e nela a busca do substancialismo dos direitos fundamentais, o professor comentou o chamado ativismo judicial. “Juízes de primeiro e segundo grau e ministros dos tribunais superiores são chamados a dar conteúdo aos conceitos jurídicos indeterminados, que os levam a ter uma discricionariedade razoavelmente grande na aplicação da legislação. Isso se verifica de maneira muito intensa na esfera eleitoral. Tanto que hoje temos várias decisões polêmicas na área do registro, que dizem respeito à essa leitura ampla dos princípios e das regras constitucionais.”
De acordo com o palestrante, sem perder de vista a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, eles têm uma dimensão objetiva, na medida em que permeiam todos os raciocínios jurídicos. Entretanto, ele advertiu que a equação não é simples e a análise há de ser feita dentro de certos limites para não comprometer a organização social. Em seu entendimento, “a dignidade da pessoa humana existe em ambiente social organizado. E este depende de obediência ao princípio da supremacia do interesse público, e com poder de polícia exercido de forma rigorosa. O poder de polícia, se limita os direitos fundamentais, ao mesmo tempo é seu pressuposto, porque não há direito fundamental que possa ser exercido na desordem”.
No contexto da consolidação do ambiente, elencou conceitos constitucionais indeterminados e autoaplicáveis em muitos casos, que tornam mais complexa a tarefa do julgador, fundada em novos paradigmas. No âmbito do Direito Penal e Eleitoral, mencionou o interesse público, a legalidade, a segurança e a ordem pública, a soberania da vontade popular, a legitimidade do pleito, a razoabilidade, a proporcionalidade, a ponderação, a racionalidade e legitimidade do sistema.
O professor asseverou que o silogismo formal que presidia a atividade jurisdicional no passado não se aplica ao novo contexto. “Não temos mais a norma, o fato e o intérprete aplicando-a, quase como um processo formal técnico. Temos que fazer a análise do caso concreto, verificar quais os princípios constitucionais que atuam nele, se há colisão de direitos fundamentais ou de princípios constitucionais. O problema é como garantir a legitimidade e a racionalidade jurisdicional nesse contexto, porque, se o juiz exagerar o uso da discricionariedade, quebra a racionalidade, e portanto a legitimidade da decisão”.
A lógica da legitimidade e consolidação dos pleitos no sistema eleitoral
Em prosseguimento, apresentou o arcabouço legal do Sistema Eleitoral, cujo objetivo é a legitimidade e consolidação dos pleitos por meio da fiscalização da vontade popular. Ele ensinou que, em sua forma atual, o sistema é regido pelos artigos 118 a 121 da Constituição Federal e pelas leis consubstanciadas no Código Eleitoral de 1965, na Lei 9.504/1997, na Lei dos Partidos Políticos de 1995 e a na Lei 12.034/2009.
Ao falar sobre os pressupostos da racionalidade do sistema eleitoral, ressaltou a tipicidade fechada dos ilícitos administrativos, a legitimidade fechada para requerer, reclamar, impugnar, ou seja, reservada aos atores do processo político-eleitoral. Comentou, ainda, que os recursos processuais, como regra, não têm efeito suspensivo.
Diante do contexto dos mecanismos aprimorados de controle do processo eleitoral e das sanções previstas em lei, Nuevo Campos questionou o proveito do crime eleitoral. “Parece até exagerado o elenco dos crimes previstos em lei, pois o processo eleitoral está de tal forma estruturado, e são tantos os instrumentos de fiscalização, que até hoje não se tem notícia de violação do sistema.”
Em prosseguimento, passou à análise da forma como os tipos penais estão inseridos no contexto eleitoral e o rigor com que eles vêm sendo tratados pelo TSE. Ele apresentou uma classificação dos crimes eleitorais. Em sua genericidade, os lesivos à autenticidade do processo eleitoral e aos padrões éticos e igualitários na competição; a corrupção eleitoral; a falsidade de documentos para fins eleitorais; os cometidos contra o funcionamento do sistema eleitoral por funcionários e por particulares; aqueles contra o exercício do voto e a liberdade de propaganda eleitoral.
Adiante, em comparação com outros ramos do Direito, apontou a dificuldade de produção de prova testemunhal no processo de crime eleitoral envolvendo partidos políticos por sua contaminação natural: “a testemunha, ainda que não pertença a uma ou outra facção, com certeza já desenvolveu simpatia por uma delas”, afirmou.
Nuevo Campos apontou, finalmente, anacronismos pontuais na legislação e dificuldades de tipificação e responsabilização de alguns crimes eleitorais. Comentou, para ilustrar, o crime de boca de urna, diante do fato do “tapete de santinhos que se estende em todas as seções eleitorais” e a impossibilidade de controle do uso de novas tecnologias para propaganda eleitoral ilegal, como o aparelho de telefonia móvel celular”.
ES (texto e fotos)