Teoria da Soberania em Jean Bodin é analisada no curso “História da Ética”
A aula “Ética e Direito em Jean Bodin”, ministrada pelo professor Alberto Ribeiro de Barros, no último dia 24, iniciou o Módulo III, “Modernidade”, do curso de extensão universitária e formação continuada História da Ética da EPM. A palestra contou com a participação do professor Luiz Paulo Rouanet, coordenador do curso.
A terceira etapa do curso irá tratar dos sistemas filosóficos éticos na modernidade, de acordo com o pensamento dos filósofos mais eminentes do período. Além da obra do jurisfilósofo francês Jean Bodin (1530–1596), será analisada a de Immanuel Kant (1724–1804), estabelecendo-se o contraponto desses sistemas filosóficos com as Ciências Humanas.
Em suas considerações preliminares, Alberto Ribeiro de Barros esclareceu, em face da proposição geral do tema da Ética, que Jean Bodin não teorizou a moral de modo expressivo em sua filosofia. “O tema relevante em Bodin é a sua Teoria da Soberania; é dela que vamos tratar nesta aula”, pontuou.
Adiante, comentou aspectos da vida acadêmica do pensador renascentista e das linhas gerais de sua obra, ressaltando a dimensão de sua riqueza e diversidade temática. Herdeiro da tradição escolástica – o método de pensamento medieval que buscava conciliar a fé dogmática cristã com a racionalidade de matriz greco-latina –, Bodin foi monge carmelita até a evasão do convento e o ingresso na Universidade de Toulouse, onde iniciou estudos de Direito, no início da década de 1540.
“Já no século XVI, durante o período em que atuou no Parlamento francês, Bodin percebeu que o Direito ensinado na escola divergia daquele praticado na esfera parlamentar. O distanciamento entre a teoria e a prática forneceu-lhe a percepção da importância do Direito comum ou costumeiro”, afirmou Ribeiro de Barros. E explicou que foi essa percepção que levou o pensador a conceber seu grande projeto intelectual, qual seja, fazer do Direito uma ciência, recuperando uma antiga ideia do romano Marco Túlio Cicero (106–43 a.C), não concretizada.
“Na base do pensamento político de Bodin está a ideia da relativização do Direito romano, que não podia ser concebido como Direito universal a ser aplicado em todas as circunstâncias, na perspectiva dos juristas medievais. Para a consecução da tarefa, Bodin sentiu a necessidade de penetrar na multiplicidade dos relatos históricos e selecionar aqueles que têm mais relevância. Daí a escrita de uma obra impactante, o Método para o Fácil Conhecimento da História (1566), com a intenção de ensinar a ler a história”, ensinou o professor.
Ele ponderou que “embora a obra de Bodin revele a arrogância tipicamente renascentista de tratar de todos os temas do conhecimento humano, a ponto de tratar de Educação, História, Política, Economia, Direito, Teologia e Física, resultando às vezes em obras irrelevantes, como, por exemplo, O Teatro da Natureza Universal, outros temas me parecem bastante pertinentes e relevantes para a contemporaneidade”.
Ribeiro de Barros discorreu sobre as duas obras que consolidaram Bodin como um grande jurista, pensador e publicista, escritas na época de maior inserção no regime monárquico francês, quando participou como deputado pelo III Estado. “A expressão mais elaborada da Teoria da Soberania de Bodin encontra-se em sua obra política, Seis Livros da República, de 1576. Na sua grande obra jurídica, Quadro do Direito Universal, de 1978, o jurisfilósofo desenvolveu sua ciência do Direito, a partir do pressuposto de um procedimento comparativo de todos os sistemas de Direito existentes, entre os povos mais relevantes, para aferição da expressão científica do Direito universal”, asseverou .
De acordo com o professor, a grande contribuição de Jean Bodin ao pensamento jurídico ocidental foi ter elaborado uma teoria que já está em germe desde o final do período medieval. “Considerado o primeiro teórico da soberania, embora não fosse uma ideia nova, a novidade de Jean Bodin foi ter sintetizado o debate em torno do tema. Essa síntese revela-se em seu conceito definidor da sociedade política organizada: ‘República é o reto governo de várias famílias, do que lhes é comum, com poder soberano”, ensinou.
No desdobramento analítico do conceito de soberania sistematizado pelo filósofo, Ribeiro de Barros esclareceu que este se estabelece em uma perspectiva antropológica e sociológica do Estado (portanto natural), diversa da ideia moderna do Leviatã de Thomas Hobbes, como uma criação artificial da razão para resolver os problemas do ser humano. De acordo com Bodin, soberania é “o poder perpétuo e absoluto de uma república”. Ele esclarece na teoria que “o ponto principal da majestade soberana e poder absoluto é dar a lei aos súditos em geral sem seu consentimento”.
Entretanto, apontou a noção de que o conceito de poder absoluto em Bodin está sujeito à base jurídica dos contratos, pois o empenho da palavra sujeita o contraente à obrigação de seu cumprimento. O poder absoluto, assim, não está acima da obrigatoriedade de manter a palavra dada. E na interpretação do palestrante, “o poder absoluto e perpétuo para Jean Bodin deve ser entendido no âmbito do chamado Direito positivo, no campo que regulariza e regulamenta as relações de Direito dentro do Estado”.
Ribeiro de Barros comentou outras obras do eclético pensador francês, entre as quais um tratado jurídico de como identificar e julgar bruxas, “uma questão pertinente de sua época”. Falou ainda do Tratado dos Sete Sábios. “Ao tempo das guerras de religião entre católicos e huguenotes (calvinistas franceses), Bodin imaginou homens de diferentes crenças discutindo, num colóquio amigável, questões relacionadas à religião e à natureza. Operadores do Direito identificam nessa obra uma das primeiras defesas da tolerância religiosa”.
Em suas ponderações finais, Ribeiro de Barros afirmou que a noção de soberania surge nos primórdios da modernidade para dar conta da realidade histórica dos estados nacionais. “A busca de seu fortalecimento na contemporaneidade demonstra que o conceito ainda tem relevância. Daí a necessidade de estudar a obra de Jean Bodin nos dias atuais, um autor mais citado do que lido”, concluiu.
ES (texto e foto)