Hermann Herschander ministra aula de encerramento do Curso de atualização em Direito Processual Penal
A aula “Medidas cautelares substitutivas ao encarceramento”, ministrada ontem (7), pelo desembargador Hermann Herschander (foto), concluiu a programação do Curso de atualização em Direito Processual Penal da EPM. A aula teve a participação do juiz Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira, coordenador do curso, e versou sobre os temas da liberdade provisória, com ou sem fiança; comparecimento periódico em Juízo; restrição de direitos; internação provisória, monitoramento eletrônico, oportunidade e conveniência das medidas.
Nas considerações iniciais, Hermann Herschander falou de aspectos polêmicos da teoria geral da cautela jurisdicional no âmbito do processo penal. Ele manifestou o entendimento da impossibilidade de uma só doutrina da cautelaridade adequada a todos os ramos do Direito. “Quando falamos em medidas cautelares no processo penal – de que são exemplos a prisão preventiva ou o arresto de bens –, o primeiro problema a enfrentar é como conciliá-las com o princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade.”
Neste diapasão, apontou o que considera um paradoxo, com base no princípio constitucional da presunção da inocência – segundo o qual não se pode impor a ninguém, até a sentença penal condenatória, qualquer medida que tenha natureza punitiva ou consequência da condenação –, em oposição à prática das medidas cautelares como meio de coerção, cuja natureza é semelhante à da pena, e que são impostas a alguém que não foi ainda definitivamente condenado.
Entretanto, ponderou, “não podemos conceber um sistema processual penal sem as medidas cautelares, pois é preciso resguardar alguns bens jurídicos, como coibir novos crimes de violação da ordem pública, impedir que o réu prejudique a instrução criminal pela fuga, ameaça de testemunhas, ocultação ou alienação de bens, etc., até a sentença penal condenatória”.
Nesse contexto, explicou que a medida cautelar decorre da necessidade de proferir uma sentença como fruto da ponderação e da reflexão, assegurado o contraditório e a ampla defesa. Nela, o juiz, olhando fundamentalmente para o futuro, não afirma a culpa, mas o risco de perecimento de bens jurídicos. “Se fosse possível proferir uma sentença imediatamente, não haveria risco na demora da prestação jurisdicional, embora todos gostaríamos que a Justiça fosse mais célere, pois a celeridade é um bem a ser preservado. A racionalidade da medida cautelar é, assim, a busca do equilíbrio entre o princípio da celeridade processual e a necessidade da ponderação. Celeridade processual assegurando alguns bens contra o risco da demora, permitindo que a decisão judicial tarde um tanto”, observou.
A seguir, afirmou que o único meio de conciliar efetivamente as cautelares com a presunção de inocência é exatamente dizer que a presunção não é de inocência, mas de não culpabilidade. “A Constituição não nos diz que todos serão considerados inocentes até a sentença penal condenatória, mas que ninguém será considerado culpado até seu trânsito em julgado. Isto pode parecer um jogo de palavras, mas não é. Tanto que a redação original era ‘todos serão considerados inocentes até o trânsito em julgado da sentença’ e foi alterada para ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença’. Assim, o não culpado não é necessariamente inocente. Há uma diferença entre nós que aqui estamos e uma pessoa presa em flagrante por praticar um crime na rua. Nós somos inocentes; ela não é culpada, mas suspeita, pois está numa situação em que existem contra ela provas de que o crime aconteceu e indícios de autoria. É essa situação que justifica a imposição de medidas cautelares. Nesse caso, o juízo não é de culpabilidade, mas de suspeita”, ponderou.
Adiante, o palestrante ensinou que esse juízo de suspeita também deriva dos requisitos gerais do poder de cautela, quais sejam, o fumus boni iuris (fumaça do bom direito) ou fumus comissi delicti (fumaça do cometimento do delito), no âmbito penal, aliado ao indício de autoria, que traduz a suspeita, e do periculum in mora (risco da demora), diante de um perigo concretamente fundamentado.
Em prosseguimento, discorreu sobre as medidas de coerção no curso do processo penal, de acordo com a Lei 12.403/2011, numa gradação que partiu da investigação, passando pela ação penal, cautelares reais (arresto, sequestro, especialização) até cautelares pessoais diversas da prisão (artigos 319 e 320) e prisão cautelar (com ou sem fiança), refletindo sobre as peculiaridades de cada uma.
“Já na legislação anterior, estava prevista a maior das coerções, que é a privação da liberdade. Por isso que o artigo 312 dizia e continua dizendo que para a prisão preventiva é necessária a prova da existência do crime e indício suficiente de autoria’. Notem o termo ‘suficiente’ para justificar uma medida de extrema violência, que é a privação da liberdade de um cidadão que ainda não foi condenado definitivamente”, comentou o palestrante.
Entre os tópicos de análise da Lei das Cautelares Penais, discorreu sobre o estatuto da prisão preventiva, regrada pelos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, nos casos de pronúncia, nos termos do art. 413, ou condenação do réu, na forma do art. 387. Ele frisou que, no sistema atual, de acordo com a redação do artigo 283 do CPP, só há três formas de prisão processual cautelar (diversamente do sistema anterior, que previa também a prisão por pronúncia e por sentença condenatória recorrível), quais sejam, prisão em flagrante, prisão temporária no curso do inquérito e prisão preventiva.
Entre as cautelares diversas da prisão comentadas, destacou a hipótese prevista no inciso VII do artigo 319 do CPP, que preconiza a “internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração”.
Hermann Herschander comentou que essa mesma medida já havia sido prevista no artigo 80 do CPP anterior. E apontou um problema relacionado à aplicação da medida condicionada a realização prévia de perícia. “O exame, como sabemos, é demorado, e a medida cautelar é urgente. Se temos um doente mental que comete um crime mediante violência ou grave ameaça, há grave risco de que ele o repita, e o juiz não pode ficar esperando o laudo. Das duas, uma: ou o juiz cumpre a lei e espera o laudo, não decretando a cautelar, ou decreta a prisão preventiva do réu”.
ES (texto)