Riscos e oportunidades da migração de dados para os meios digitais são debatidos no curso “Registros Públicos e Notas Eletrônicos”
O estágio atual e as prospecções da plena implantação do sistema virtual como meio de produção dos documentos extrajudiciais foram debatidos em aula do curso Registros Públicos e Notas Eletrônicos da EPM, no último dia 9. A aula foi ministrada pelo juiz Antonio Carlos Alves Braga Júnior, coordenador do curso, e teve a participação do desembargador Marcelo Martins Berthe, coordenador da área de Direito Notarial e Registral da Escola.
A exposição teve o título “Atravessando o rubicão – riscos e oportunidades na migração de dados para os meios digitais” – que faz alusão a uma lei do período da República Romana, pela qual os generais egressos das campanhas militares deviam desmobilizar suas tropas ao transpor o leito do Rubicone, um rio localizado ao norte da Península Itálica. A metáfora traduz diretamente o processo de transformações por que passa o Judiciário brasileiro em geral e, de modo específico, as áreas judicial e extrajudicial do Tribunal de Justiça de São Paulo, para superação dos desafios e transposição dos limites técnicos à migração para o ambiente digital.
Tomando por base o disposto no artigo 39 e parágrafo único da Lei 11.977/2009, que instituiu o sistema de registro eletrônico, e que dispôs o prazo de cinco anos para a inserção dos atos no sistema, o palestrante observou, inicialmente, que “embora vencido o prazo normativo, que se revelou insuficiente para a resolução do conjunto dos problemas técnicos, avançamos bastante sob o ponto de vista dos benefícios ao usuário, inclusive com a implantação da cópia de segurança do documento e do sistema eletrônico”.
Neste compasso, declarou que a informatização e a pavimentação dos acessos externos, que colocaram o sistema informatizado interno das serventias extrajudiciais paulistas em contato com informações externas, já é uma experiência consolidada há muito tempo.
De acordo com Alves Braga Júnior, passamos a vivenciar, em um período mais recente, a integração das unidades cartorárias por intermédio das Centrais de Serviços Eletrônicos Compartilhados. “Da atomização, antes verificada, passou-se à molecularização pela conquista do trabalho integrado, um requisito de sobrevivência de qualquer atividade nos dias atuais, porque não é mais possível trabalhar isoladamente no universo da prestação do serviço extrajudicial”, asseverou.
Ele afirmou ainda que o trabalho integrado através da porta centralizada de comunicação com os usuários, sejam os cidadãos, os órgãos públicos ou empresas privadas, vem se construindo especialidade a especialidade. “Antevejo a possibilidade de integração das especialidades em portais únicos, eventualmente entre o judicial e o extrajudicial. Neste sentido, há um projeto da Presidência e da Corregedoria para implantação de unidades avançadas, que seriam pontos de contato com o público. Assim, o serviço poderia prestar informações de diversa natureza e fazer a recepção de demandas do Juizado Especial, as quais a parte pode solicitar sem necessidade de advogado, como, por exemplo, alimentos. A questão é só nos aparelharmos para isso por meio da construção do edifício tecnológico”, anunciou.
A reconstrução dos prédios da cidade digital
Adiante, o palestrante afirmou que se vivencia o momento da integração de todas as unidades do serviço extrajudicial em macroestruturas, as quais devem, necessariamente, funcionar como organismos para facilitar o acesso amplo e descomplicado ao cidadão. “Tudo que hoje é produzido por meio eletrônico nas distintas especialidades do tabelionato de notas, do registro civil de pessoas naturais e do registro de imóveis, mas que deriva para o suporte do papel, como a escrituração imobiliária (a única possível hoje), há de migrar do meio físico para o meio eletrônico”, explicou.
Entretanto, Alves Braga Júnior ressaltou que a questão é infinitamente mais complexa do que a simples mudança de meio. “Quando falamos de migração, da construção do serviço sobre bases digitais, estamos falando de redesenho do serviço. Essa verdadeira revolução vai além do término da expectativa de materialização física do conteúdo eletrônico que historicamente nos acompanha e com a qual lidamos ainda hoje. Estamos construindo cidades de um país digital para que as informações possam migrar para esse novo ambiente. E isso constitui um desafio colossal, pois implica preservar, na transferência, tudo aquilo que conhecemos, como as regras de validade, de autenticidade, a cadeia de validade dos atos de documentação, que envolve uma série de cruzamento de mecanismos que permitem a contraprova, a conferência e a confiança naquele documento”, ponderou.
Em prosseguimento, asseverou que é necessário proceder a escolha e a combinação das ferramentas digitais mais adequadas à construção de um fluxo padronizado de trabalho. O desafio do transporte desse conhecimento milenar, cujo suporte é o papel, para o meio virtual, passou ainda pela discussão conceitual de algumas premissas, quais sejam, os livros, o sistema informatizado, a cópia de segurança (2ª via), o backup (ferramenta de restauração do sistema) e a escrituração digital. Quando a este último tópico, o expositor informou que ainda não temos o regramento para a escrituração exclusivamente digital, e quando houver essa conquista o processo estará concluído.
O debate também contemplou a forma técnica para a segurança do encadeamento dos atos registrais no sistema, o meio de torná-lo operacional e viável, a segurança criptográfica das assinaturas e o armazenamento de longo prazo. O desafio de assegurar a longevidade das informações digitais foi outro ponto destacado: “Muitas bases de dados do governo perderam-se ao longo de décadas, porque mudaram a tecnologia, a linguagem, a plataforma, o sistema operacional e ninguém cuidou de construir os tradutores dos arquivos, tarefa que é quase um trabalho de arqueologia nos dias atuais”, revelou o palestrante.
Alves Braga Júnior comparou os benefícios do novo sistema para o setor extrajudicial com aqueles proporcionados pelo processo digital judicial, que vem sendo implantado no Judiciário paulista. De acordo com o palestrante, a grande vantagem do processo digital foi a disponibilização em tempo integral dos dados, assim como a plena disponibilização do processo, cuja limitação de tráfego e anotações correspondentes à movimentação anterior era responsável por até 70% do tempo da tramitação processual.
Ele explicitou, finalmente, uma proposição para a migração de dados: “É necessário passar a apoiar o serviço em dados estruturados, praticar os atos e fazer a escrituração já acomodando a informação em campos identificados. Assim teremos toda a possibilidade de uso do poder do processamento digital sem nunca mais ter que redigitar as informações”, afirmou.
ES (texto)