Conselheira do CNJ Deborah Ciocci discute desafios da Bioética e do Judiciário na EPM

A juíza do TJSP e conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Deborah Ciocci ministrou a aula de encerramento do curso de extensão universitária Temas controvertidos de Direito de Família e Sucessões da EPM, no último dia 5. A aula versou sobre as questões relacionadas à procriação, à Biotecnologia, à relação jurídica de filiação e à reprodução assistida, bem como os desafios da Bioética e do Judiciário, e contou com a participação da juíza Flávia Poyares Miranda, coordenadora do curso e da área de Direito de Família e Sucessões da Escola.

 

Deborah Ciocci observou, inicialmente, que o tema da reprodução assistida é especialmente polêmico porque há muitos princípios constitucionais em jogo e não há legislação específica. Por outro lado, ponderou que a ausência de lei específica tem um aspecto positivo, porque a Medicina avança muito rapidamente e a legislação tem natureza restritiva. Ela lembrou que o direito à procriação é um direito à saúde, dever de todos e responsabilidade do Estado, de acordo com o artigo 196 da Constituição Federal. “A reprodução assistida é considerada terapia de saúde porque a finalidade é procriação para formar uma família”, sustentou.

 

A palestrante aduziu que os problemas da fertilidade, conducentes à procura de assistência médica para a reprodução assistida, são considerados um problemas de saúde pela Organização Mundial da Saúde. Entretanto, apontou o aspecto moral como um fator complicador adicional das discussões para a criação da norma: “Em que pese o Estado ser laico, e a necessidade de agir de acordo com a laicidade em questões de Direito, o nosso país é muito religioso e confunde um pouco religião e moral com a disciplina”.

 

Em prosseguimento, definiu e teceu comentários sobre a evolução das técnicas de reprodução assistida, como o coito programado, mediante monitoramento da ovulação; a inseminação intrauterina; a fertilização in vitro, praticada no Brasil desde 1984, ano de nascimento do primeiro bebê de proveta brasileiro; a injeção introcitoplasmática, que consiste na introjeção de um espermatozoide selecionado no óvulo; e o diagnóstico pré-implantacional da saúde do embrião.

 

Em relação à última técnica, comentou que os estudos científicos demonstraram que a terapia gênica, permitida pela legislação, não causa dano ao embrião, embora subsistam aspectos polêmicos e complexos, porque, do ponto de vista da Lei da Biossegurança, é importante separar reprodução humana assistida de organismo geneticamente modificado.

 

No âmbito da busca da fertilização e da responsabilização profissional objetiva, a expositora esclareceu tratar-se de um tratamento de meio e não de resultado, onde a responsabilidade médica limita-se à segurança quanto ao uso das ferramentas disponíveis e à informação prévia da estatística das probabilidades de êxito em cada tipo de tratamento.

 

Aspectos da legislação internacional sobre a reprodução assistida

 

Adiante, Deborah Ciocci relatou aspectos da legislação internacional sobre o tema. Ela lembrou que a primeira normativa mundial de reprodução assistida é da Inglaterra, editada em 1984, cujas diretivas serviram de base para a legislação de vários países.

 

Contudo, embora haja pontos de convergência da comunidade médico-científica de Bioética e Biodireito sobre a matéria, como, por exemplo, a noção lastreada no critério jurídico de proteção à vida de que o embrião não pode ser manipulado após o 14º dia da fecundação, ela afirmou que, “em matéria de reprodução assistida, o dissenso é regra e o consenso é exceção, porque implica o manejo de técnicas de alta complexidade, geradoras de permanente celeuma no campo do Direito”.

 

Adentrando o campo do Direito Comparado, a palestrante comentou a corrida empreendida pela comunidade científica internacional no campo da Biotecnologia. Em que pese o entendimento de que a vida e o corpo humano são bens fora do comércio e as restrições legais, ela ponderou a necessidade de investimento e avanço na área da pesquisa e de se criar, em paralelo, leis próprias para regulamentar o tema, diante das peculiaridades sociais e culturais brasileiras para a conquista da independência científica e legislativa.

 

Ainda no campo do Direito Comparado, Deborah Ciocci comentou problemas internacionais de restrição derivadas do conflito de leis específicas ou de sua ausência no Brasil, como o turismo reprodutivo para determinados procedimentos a países como a índia, cuja legislação permite a barriga de aluguel. Entretanto, afirmou que a estrita produção científica no campo da reprodução assistida no Brasil está bastante avançada, a ponto de concorrer com países europeus e marcar presença expressiva em congressos sobre o tema.

 

No que tange à solução dos conflitos no campo da reprodução assistida em solo brasileiro, diante da lacuna normativa específica, ela revelou os expedientes criativos da jurisdição: “Quando começamos a enfrentar os conflitos nessa seara, usamos as leis disponíveis, como os códigos Civil e Penal, hoje entendidos e utilizados à luz da Constituição Federal, um piso em que fundamentamos nossas decisões em princípios, porque não é mais aplicável o clássico pacta sunt servanda, mas a consideração da obediência ou infração dos princípios e valores fundamentais”.

 

A palestrante sustentou que, em última análise, o livre exercício da sexualidade e da reprodução humana estão contemplados dentre os direitos civis e políticos que a Constituição Federal reconhece à cidadania, e que as pessoas postulam porque a Constituição permite a busca de solução para qualquer lesão ou ameaça no Judiciário. “Temos que dizer o Direito e resolver os conflitos com ou sem as leis para tentar pacificar a sociedade e torná-la mais justa e solidária”, asseverou.

 

ES (texto)

 


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