Os novos juízes e a responsabilidade da jurisdição na maior corte do mundo

Os juízes substitutos aprovados no 184° Concurso de Ingresso, participantes do Curso de Formação Inicial da EPM, falam das superações para a conquista do cargo, das expectativas e das primeiras lições práticas para a missão de distribuição de justiça (clique aqui para acessar a mtéria editorada)

 


O olhar do esteta, combinado com o do cientista social, perceberá que a expressão jovial nas faces limpas e sóbrias, o apuro dos trajes e, sobretudo, a inclinação para o diálogo franco e aberto, suavizam a severidade do encargo que os 107 novos magistrados assumiram no dia 13 de outubro, quando tomaram posse nos cargos conquistados no 184º Concurso de Ingresso na Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

Agora, empossados no cargo e investidos inicialmente na função de juízes substitutos, no pátio de manobras pelo conhecimento da Escola Paulista da Magistratura (EPM), eles se exercitam para uma guerra diuturna no coração da civilização, já que integrarão a frente formada por um contingente de mais de dois mil magistrados em atuação na esfera do Estado. São eles que irão determinar quem tem razão à luz do sistema jurídico, sem perder de vista a função social de seu mister, qual seja, garantir o equilíbrio das relações e a paz social da maneira mais duradoura possível, atribuindo a cada um a tutela dos bens jurídicos conquistados.

 

Além da resolução dos conflitos, a atividade jurisdicional abrange ainda, entre outras prerrogativas do cargo, a aplicação das sanções condenatórias e cominatórias de diversas espécies na esfera cível e as sanções penais na esfera criminal, num leque que vai da reparação de danos à restrição da liberdade da pessoa.

 

No cenário das demandas jurisdicionais apresentadas ao Tribunal de Justiça bandeirante, que perfazem uma formidável massa de 25 milhões de processos à espera de solução, a palavra de ordem, de acordo com o presidente José Renato Nalini, é produtividade. “Além desta meta, afirmam-se como valores no exercício da judicatura a economia na fundamentação da sentença, a cordialidade e o destemor de julgar, sem perder de vista o investimento no projeto conciliatório”, afirmou o chefe do Judiciário paulista no início do curso.

 

Entretanto, eles são jovens (na faixa entre 25 e 35 anos), e um dos atributos da juventude, ao qual se alia o destemor, é a esperança, projetada no futuro. E na justa assertiva de Aristóteles, quando define os caracteres humanos em sua Retórica, “eles têm muitos desejos e são capazes de realizar o que desejam”.

 

Os 107 escolhidos distinguem-se de sua geração por não terem podido entregar-se aos impulsos irrefletidos e descompromissados que costumam imperar nos atos da juventude. Afinal, a condição para a conquista do cargo de juiz, numa acirrada disputa entre 13 mil concorrentes, foi certamente uma vida de extenuantes estudos continuados, aos quais tiveram que aplicar toda a concentração e energia disponíveis.

 

Esta é, pois, mais uma etapa de uma árdua e longa fase de preparação, feita de abstinências, corajosas recusas e resoluções. A primeira abstinência foi a das burlas e folguedos, pois isso não combina com disciplina. A primeira recusa é a de um mundo injusto, em que uns não podem ter mais nem menos do que é seu. Entre esses bens de diversa ordem, alienáveis ou inalienáveis, tangíveis ou imateriais, estão a honra e a dignidade humanas, tão insistentemente aviltadas.

 

Dito desta maneira, a opção voluntária desses jovens magistrados lembra uma via crucis. Mas não é. Traduz apenas uma moral guerreira, construída com firme disposição.  Verdadeiros soldados, esses homens e mulheres estão prestes a integrar a frente de batalha nem sempre fragorosa, mas renitente, das disputas humanas. Entretanto, em movimento contrário, são guerreiros da paz, preparados com as armas do discernimento, do esclarecimento e do conhecimento, não só jurídico, mas também interdisciplinar, e investidos do poder que o Estado lhes confere em nome dos cidadãos para operar pelo descenso dos litígios e promover a tão sonhada pacificação social.

 

O diretor da EPM, Fernando Antonio Maia da Cunha, falou nas palestras iniciais do Curso de Formação Inicial  das angústias e aflições dos postulantes, antecedentes aos exames do concurso público. Entre o contingente de 31 novas juízas, Aline Tabuchi da Silva, designada para a circunscrição judiciária de  Marília, falou da dedicação e da rotina de estudos que antecedeu o concurso: “Foram exatos três anos, oito meses e oito dias até a data da arguição oral, marcados pela renúncia a festas e prejuízo da convivência familiar e com os amigos, em que procurei conciliar a atividade de advogada e juíza leiga do Paraná com os estudos e as demais atividades cotidianas; tudo bem intenso e cansativo.”

 

A mesma disposição para aquisição do amplo conhecimento das disciplinas do Direito e  conquista do cargo foi revelada por Luciano de Moura Cruz, designado para Bauru. Como um recado aos que almejam os severos desígnios da função judicante, ele asseverou que não é tanto a inteligência, mas a disciplina, a dedicação e a vontade de buscar um ideal é que fazem a diferença. “Eu levei oito anos para conquistar o cargo, mas acredito que tudo vem no seu tempo. A vantagem é que, agora, estou mais preparado e maduro”.

 

No que tange à dimensão da responsabilidade da judicatura, Moura Cruz ponderou ser fundamental entender o Direito como uma ferramenta para ajudar a dar uma boa decisão. Contudo, afirmou que a parte mais complexa é a introjeção de princípios, conhecer bem as pessoas e a dinâmica da sociedade, saber o que elas querem e esperam do juiz, dando-lhes uma resposta satisfatória.

 

Os mandamentos da magistratura são bem claros. Entre os vetores que orientam o ofício, explicitados pela juíza francesa Catherine Grojsjean no Curso de Formação de Formadores, realizado pela EPM em novembro, estão a capacidade de identificar, fazer suas e implementar as regras da ética; de respeitar e garantir os marcos processuais; de promover a concórdia entre as partes; de adaptabilidade, que implica a adoção de uma posição de autoridade ou humildade apropriada as circunstâncias; de fundamentar, formalizar e explicar uma decisão judicial.

 

Entretanto, a clareza de princípios não atenua a complexidade do ofício judicante que irão enfrentar no dia a dia. E nessa espécie de batizado de iniciados, o confronto entre arcabouço teórico e práticas jurisdicionais são inevitáveis e não são poucas as surpresas. Mais uma vez, é necessário o concurso da vontade, que parece não faltar aos novos juízes.

 

 “Vejo um propósito muito claro de adaptação à nova função. São todos bastante dedicados, especialmente interessados na preparação prática para a judicatura em uma nova linguagem e cultura no trato dos processos proposta pelo Tribunal, que tem se revelado bastante familiar para eles, o que representa um grande ganho para o Judiciário”, afirmou Claudio Luiz Bueno de Godoy, juiz coordenador dos Cursos de Iniciação Funcional e Aperfeiçoamento para Vitaliciamento da EPM.

 

Os novos magistrados entrevistados elogiaram a organização do curso e a sensibilidade dos magistrados formadores para os problemas que mais afligem os iniciantes na carreira. Entre outros conteúdos do treinamento, destacaram as palestras ministradas pelos juízes assessores da Presidência para a área da Tecnologia da Informação (TI), responsáveis pela implantação do processamento digital, o sistema eletrônico que vai fazer com que trabalhem com melhor qualidade, eficiência e celeridade na entrega da prestação jurisdicional. Prestigiaram, igualmente, os ensinamentos da Corregedoria, não só quanto à função e formas de conduta no cotidiano da prestação jurisdicional, mas também a atuação administrativa.

 

As impressões, as motivações e as perspectivas desses combatentes da barbárie pela civilidade são variadas. Convergem, entretanto, para a formação da convicção de que a administração e a distribuição da Justiça em São Paulo tem propósitos claros, prioridades meridianas e agentes motivados e dispostos a cumprir seus desideratos.

 

Ricardo Augusto Galvão de Souza,designado para Itapetininga, falou do aprendizado da responsabilidade administrativa do magistrado e da atuação correcional, recebido dos juízes assessores da Corregedoria. “Nossos interlocutores são bastante receptivos, tratam-nos muito bem, superando as expectativas. Está sendo muito proveitoso, pois são muitas informações, inclusive aquelas afetas à função social do juiz, como a correição do ofício de justiça, dos cartórios extrajudiciais e dos presídios.

 

Taiana Horta de Pádua Prado, designada para Franca, externou seu idealismo e a crença de que pode fazer a diferença com atuação criativa, inclusive com uso da tecnologia da informação. “Tenho uma ideia do tamanho da responsabilidade, mas ainda estou sonhando um pouco. De todo modo, abrigo a certeza do idealismo, da experiência do que passamos até aqui e do que podemos contribuir para a sociedade. Uma decisão que eu der com consciência pode modifica-la e melhorá-la, trazendo a tranquilidade social.”

 

Rafael Carmezim Camargo Neves, designado para a comarca de Casa Branca, ressaltou a importância do intercâmbio de experiências e da orientação correcional. “O diálogo com juízes mais antigos e experientes e com os últimos aprovados no concurso faz com que a gente tenha uma noção aprimorada do que vamos enfrentar. Agradou-me muito saber do empenho no treinamento, tanto do TJSP quanto do CNJ e da disposição e vontade dos nossos colegas de transmitir conhecimento. Isso é contagiante e reforça a certeza de que fizemos a escolha certa. O ideal nos mantém famintos de Justiça, e isso é um traço comum ao ofício do magistrado”.

ES (texto e fotos)


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