Contratos de transporte são analisados no curso de Direito do Consumidor
O juiz Marco Fábio Morsello, coordenador da área de Direito Civil da EPM, foi o palestrante do 4º Curso de especialização em Direito do Consumidor da EPM, no último dia 9. Em sua aula, discorreu sobre os contratos de transporte rodoviário e aéreo, à luz das convenções internacionais sobre o tema, com a participação do juiz Guilherme Ferreira da Cruz, professor assistente do curso.
Entre os tópicos abordados, o palestrante falou sobre a origem e evolução dos contratos de transporte, suas modalidades, vicissitudes e problemas práticos, como o overbooking ou overselling, termo utilizado por empresas, que refere à prática de vender um serviço em quantidade maior do que a capacidade que a empresa pode fornecer.
Ele salientou, nas considerações iniciais, que os contratos de transporte revelam, sob o prisma contemporâneo, “uma realidade palpitante, sendo um dos temas mais empolgantes da doutrina, por não ser fechado ou abstrato, mas indispensável à vida contemporânea e atrelado ao sistema social”.
A seguir, Marco Fábio Morsello lembrou a definição de contrato de transporte, que diz respeito ao deslocamento de pessoa ou coisa, nos termos do artigo 730 do Código Civil. Entretanto, asseverou que, “na doutrina contemporânea, é necessário acrescer à definição a obrigação de proteção. Desta maneira, o deslocamento de pessoa ou coisa mediante contrato impõe uma cláusula de incolumidade, que sufraga a obrigação de proteção, não só física, mas também psíquica”.
Dentro da releitura da interpretação clássica do contrato de transporte, ele lembrou casos de indenização por lesão da incolumidade psíquica, sob a alegação de stress pós-traumático em casos de acidentes.
A história dos contratos de transporte
Na perspectiva do sistema jurídico como um subsistema do sistema social, o palestrante falou da origem do contrato de transporte e da matéria infortunística de acidentes do trabalho como o binômio propulsor da modificação do prisma da responsabilidade civil.
Ele recordou que, com o advento da Revolução Industrial, verificou-se que o paradigma da culpa, baseado na igualdade entre os partícipes das relações jurídicas em contratos paritários, não mais se sustentava. “Não se tratava mais de uma sociedade artesanal, mas de uma sociedade que impunha produção massificada, e essa produção aumentou exponencialmente os acidentes do trabalho. No final do século XVIII e início do século XIX, o foco não era a vítima nem tampouco o dano; era a teoria da culpa e, com isso, os obstáculos eram intransponíveis, pois não se conferia qualquer proteção ao operário acidentado, gerando um sistema absolutamente cômodo ao fornecedor do serviço, inclusive com relação à forma com que o risco se apresentava naquela atividade”.
No quadro evolutivo da jurisdição na área dos transportes, ele comentou que, diante da vulnerabilidade dos operários e da imutabilidade do Código Civil, que era um sistema fechado, a primeira reação foi da jurisprudência. “Vendo que as realidades injustas desse sistema massificado de transporte marítimo e ferroviário, destinado em seu nascedouro ao escoamento da produção, com acidentes no trabalho e aumento da sinistralidade, cujas vítimas estavam submetidas ao ônus da prova intransponível, juízes deram o primeiro passo para a inversão do ônus da prova. Ainda no âmbito da responsabilidade subjetiva, passaram a presumir a culpa do transportador”.
Entretanto, de acordo com Marco Fábio Morsello, a realidade do transporte massificado e a margem de manobras do sistema jurídico logo tornaram anacrônica e insuficiente a presunção da culpa do transportador, o que ensejou a criação da “teoria do risco”, com a objetivação da responsabilidade do transportador, um dos cernes orientadores do contrato. “De acordo com essa teoria, o risco atrelado à atividade não pode ser imposto à vítima. Portanto, cabe ao fornecedor se eximir eventualmente da responsabilidade, comprovando os chamados “fato da vítima”, “fato de terceiro”, “caso fortuito” e “força maior”.
Considerações sobre o microssistema do transporte aéreo
O palestrante observou que a objetivação da responsabilidade antecede à criação do próprio transporte aéreo, cuja perspectiva, em seu início, era aventureira. “A primeira peculiaridade do transporte aéreo é que, quando criado no início do século XX, já existia a teoria da responsabilidade objetiva. A segunda é que se caracterizava como um investimento estatal, cujo interesse maior era a proteção ao transportador e não ao usuário”.
Ele observou, por outro lado, que a espinha dorsal do transporte aéreo, diante da internacionalização, é a uniformização das regras, e que foi essa uniformização que fomentou, em 1929, um tratado internacional de Direito Privado, a Convenção de Varsóvia, que regula o transporte aéreo civil. “A Convenção de Varsóvia traz para o operador do Direito, como pedra angular, a limitação da responsabilidade do transportador, cujas regras impunham um patamar de valor para a indenização por morte ou lesão corporal, excluído o dano moral”, ensinou.
O palestrante pôs termo à narrativa da história dos contratos de transporte aéreo com a observação de que a cláusula limitadora da responsabilidade objetiva da Convenção de Varsóvia perdurou por longos 70 longos anos, até entrar em colapso em 1999, ano da celebração da Convenção de Montreal.
Ratificada até agora por 103 países, inclusive o Brasil, por meio do Decreto 5.910/2006, contra 90 que não o fizeram, os países signatários da Convenção de Montreal renunciam à limitação da responsabilidade do transportador.
Contudo, na análise da responsabilidade contratual objetiva e de seu alcance indenizatório, o expositor ponderou a necessidade de verificação do país de origem e de destino, pois a convenção só é válida se ambos países a tiverem ratificado. Para os países que não ratificaram a Convenção de Montreal, ainda vige a limitação da responsabilidade da Convenção de Varsóvia.
ES (texto)