Eloisa Arruda discorre sobre tráfico de pessoas e de drogas e trabalho escravo no curso de Direito Internacional

No último dia 10, a procuradora de Justiça Eloisa de Sousa Arruda, ex-secretária da Justiça e da Defesa da Cidadania, foi a palestrante do 1º Curso de Especialização em Direito Internacional da EPM. Ela ministrou aula sobre os temas “Tráfico de pessoas e trabalho escravo” e “Tráfico de drogas e o Direito Internacional”, com a participação da juíza Fernanda Galizia Noriega, coordenadora do curso.

 

No início de sua exposição, Eloisa Arruda salientou que os temas tratados guardam relação com algo maior, que é a proteção dos direitos humanos – o conjunto de direitos que torna possível a existência da pessoa humana e o seu pleno desenvolvimento –, cujo processo de construção definiu como valor a dignidade, fundamento da Constituição brasileira (artigo 1º, III), de modo que qualquer lei ou normativa há de respeitar o princípio da dignidade humana.

 

“O homem tem sua dignidade pelo simples fato de existir como ser humano, dignidade esta que lhe é inerente e inalienável. Ela o transforma em sujeito de direitos essenciais, coisa simples de dizer, mas difícil de concretizar, porque a despeito da existência de um conceito de direitos humanos no mundo, ainda temos situações de subjugação de pessoas”, sustentou Eloisa Arruda.

 

Na perspectiva da universalidade dos temas tratados, ela asseverou que caminhamos para um Direito que não seja só local, mas sobretudo internacional, onde o Brasil tem compromissos, e que os integrantes da sociedade brasileira fazem parte desse compromisso.

 

Internacionalização dos direitos humanos e suas conquistas

 

A palestrante comentou eventos do início do século XX, cuja importância foi fazer com o que conceito de soberania estatal deixasse de ser considerado um valor absoluto e ilimitado, restrito à jurisdição doméstica de cada Estado, bem como fazer com que o indivíduo passasse a ter status de sujeito de Direito Internacional, independentemente do Estado a que pertencesse.

 

De acordo com a procuradora, esses eventos são a criação do direito humanitário para fixar limites à atuação estatal, aplicável às situações de guerra; a criação da Liga das Nações, em 1919, um foro que objetivava intervir no Direito Internacional para promover a cooperação, a paz e a segurança dos Estados membros (dissolvida com a Segunda Guerra Mundial e substituída mais tarde pela ONU); e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabeleceu certos limites aos estados e definiu patamares mínimos de proteção aos trabalhadores.

 

Eloisa Arruda asseverou que o sistema internacional de direitos humanos, subsidiário e suplementar ao Direito nacional, está estruturado em tratados, observados por aproximadamente duzentos estados integrados ao sistema global das Nações Unidas, sobre os quais incidem suas diretivas, os quais comprometem-se a adequar a estrutura legislativa interna à estrutura do Direito Internacional. “O sistema monitora a observância das diretrizes de direitos humanos pelos estados por intermédio de suas comissões e pode exercer sobre seus integrantes os chamados poderes de vergonha e constrangimento (power of shame e power of embarrassment)”, esclareceu.

 

Além disso, observou, no âmbito da arquitetura protetiva, que foram criadas as cortes europeia, africana, asiática e interamericana para a justicialização de questões atinentes à grave violação dos direitos humanos internacionais, como o tráfico pessoas e o trabalho escravo, para o julgamento do Estado, além do Tribunal Penal Internacional, que julga pessoas.

 

De acordo com Eloisa Arruda, as fragilidades do Brasil no que tange à proteção dos Direitos Humanos são o sistema carcerário e o trabalho escravo no campo.

 

Trafico de pessoas e trabalho escravo

 

A palestrante iniciou a preleção sobre o nexo entre tráfico de pessoas e trabalho escravo, apontando uma evolução conceitual: “dentro do conceito de trabalho escravo atual, meus avós, imigrantes cearenses que vieram trabalhar na lavoura paulista em horas extenuantes de trabalho, com baixo salário, provavelmente seriam enquadrados como vítimas do trabalho escravo”.

 

Ela explicou que a estrutura legislativa brasileira para coibir o tráfico de pessoas e o trabalho escravo procurou adequar-se à normativa internacional, materializada no Protocolo de Palermo, oriundo da Convenção de Palermo contra o Crime Transnacional, e nas normas da OIT. Nesse sentido, citou a Constituição de 1988, o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, as normas relativas a transplante de órgãos e o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, mas ponderou que o Brasil ainda avança lentamente, diante da amplitude destes temas.

 

Ao falar sobre a relação entre o tráfico de pessoas e a exploração sexual de menores, relatou caso interno de cotas de produção diária na atividade da prostituição, geradoras de dívidas impagáveis que vinculam a vítima ao estabelecimento. “Algumas condutas do Código Penal são tratadas como crimes de casa de prostituição ou rufianismo, e por trás delas está o tráfico de pessoas e o trabalho escravo”, ilustrou.

 

Tráfico de drogas e o Direito Internacional

 

Eloisa Arruda discorreu finalmente sobre o tráfico ilícito de drogas e a legislação para coibi-lo. Ela mencionou a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes (1988) e o Decreto-lei de 1991 que promulgou a convenção, a Lei 11.343/2006, que “institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.”

 

Entretanto, sustentou que as políticas públicas nessa área ainda são muito modestas. Ela relatou as medidas de contribuição dos poderes públicos no Estado de São Paulo para enfrentamento dos problemas do dependente químico, mediante ações articuladas, como a criação da Coordenação de Políticas sobre Drogas; do Cratod (2013), para o tratamento multidisciplinar de problemas de usuários, uma iniciativa conjunta do Executivo, do Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público e OAB; do Comitê Intersecretarial, com a participação da sociedade civil, cujo principal fruto é o Programa Recomeço, para enfrentamento ao tráfico e uso do crack. Contudo, chamou a atenção para a falta de médicos especializados no tratamento de álcool e drogas no Brasil.

 

Em que pesem os esforços cooperados para o tratamento do dependente químico e seus resultados positivos, Eloisa Arruda revelou que considera tímidas as ações empreendidas para o combate ao tráfico no Brasil, mencionando um grave problema, que é a extensão de fronteira. “Vejo com muito bons olhos o esforço que tem sido feito no Ministério da Justiça em relação à política sobre drogas, mas considero que não há uma mobilização sobre esse tema como há com o tráfico de pessoas e o trabalho escravo. Parece que nos acostumamos com essa situação, o que é lamentável”.

 

ES (texto)


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