Filiação e Biodireito são analisadas no curso de Direito Civil
O desembargador Enio Santarelli Zuliani, coordenador da área de Família e Sucessões da EPM, ministrou aula sobre filiação e questões de Biodireito no 2º Curso de especialização em Direito Civil, no último dia 5. A aula contou com a participação do coordenador do curso, juiz Marcelo Benacchio.
Enio Zuliani comentou, em princípio, a relativa novidade da jurisdição aplicada ao campo da bioética e o empenho dos profissionais do Direito para adaptar a normatividade, de modo que permita a introdução jurídica das técnicas na sociedade sem causar danos e sem agredir os conceitos que a espelham e estruturam.
“São poucos os casos que chegam aos tribunais, porque a ciência e a medicina progridem de maneira mais acelerada que o curso da vida, para atender certas necessidades, as quais nunca pensamos que pudéssemos um dia ter que lidar com elas. E a Medicina, de uns tempos para cá, associa-se cada vez mais ao Direito, exatamente porque o aperfeiçoamento das técnicas tem servido para atender expectativas e projeções, suprir necessidades biológicas e atender impossibilidades genéticas”, observou Zuliani.
Entre os aspectos práticos que podem auxiliar a entender essa nova realidade, o desembargador tratou da paternidade biológica. “O marco principal para o reconhecimento da filiação biológica foi a quebra da presunção da paternidade, advinda do casamento, através da busca pela verdade real – leia-se verdade genética”, pontuou o palestrante. Ele comentou, a propósito, o artigo 1.597 do Código Civil (CC), que consagra as antigas presunções de paternidade decorrentes do casamento, ao lado de novas presunções relacionadas a técnicas de reprodução assistida.
No âmbito das transformações por que passou o Direito de Família, o palestrante comentou o fenômeno do esvaziamento biológico da paternidade, em nome de seu caráter socioafetivo. Zuliani citou o princípio da “parentalidade socioafetiva”, conceito explicado pelo jurista mineiro João Baptista Villela, nestes termos: “A paternidade não é em si mesma um fato da natureza, mas um fato cultural. Embora a coabitação sexual, da qual possa resultar gravidez, seja fonte de responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de uma decisão espontânea. Tanto no registro histórico, quanto no tendencial, a paternidade reside antes no serviço e no amor que na procriação”.
Adiante, o expositor comentou decisões do STJ em casos de adoção, em que foram prevalentes o interesse do menor para manutenção do vínculo afetivo criado. Entretanto, alertou para os riscos do “fervor com a relação socioafetiva”. Para Zuliani, a relação deve ser usada e aplicada para suprir vicissitudes de uma ausência de paternidade biológica, mas o sentimento só prevalece sobre o biológico quando reciprocamente alimentado. Para ilustrar a assertiva, comentou caso julgado pela corte superior (REsp 1330404, DJ de 19.2.2015), em que a relação socioafetiva deixou de prevalecer porque especificado que o vício de consentimento era superior ao vínculo de afetividade, já rompido unilateralmente por um pai traído na relação conjugal.
Em prosseguimento, tratou da questão do nome e sua alteração no registro civil, regulado pela Lei de Registros Públicos 6.015/73, em relação aos efeitos da bioética e da procriação assistida. “O registro civil é um estado jurídico, estabelecido pelo Estado como organização da sociedade, que visa identificar as pessoas para criar os traços familiares de paternidade e estabelecer a segurança no controle, não só da natalidade, como também populacional, e também a certeza da identidade para fins civis, militares, religiosos, etc.”, definiu Zuliani.
No desdobramento analítico sobre o tópico, ele comentou entendimentos jurisprudenciais acerca de pedidos de alteração em razão de desgosto com o prenome, em função de alteração de sexo e de registro em nome de casal homoafetivo, entre outros. “Se a questão é atender ao melhor interesse da criança, a filiação socioafetiva aqui também predomina sobre o vínculo biológico”, asseverou o palestrante. Esse o entendimento da Terceira Turma do STJ, que decidiu que o registro civil de uma menina deveria permanecer com o pai afetivo (REsp 1.259.460, relatora ministra Nancy Andrighi, DJ de 29.6.2012).
ES (texto)