Análise das relações entre Ética, Direito e função pública dá início ao curso “Teoria geral da improbidade administrativa”

O professor Alysson Leandro Barbate Mascaro foi o palestrante da aula inaugural do curso Teoria geral da improbidade administrativa, realizada ontem (11), na EPM. Com 380 participantes presenciais e a distância, a preleção contou com a participação dos coordenadores da área de Direito Público da Escola e do curso, desembargador Paulo Magalhães da Costa Coelho e juiz Luis Manuel Fonseca Pires.

 

O palestrante analisou o tema “Ética, Direito e função pública”, debruçando-se sobre as relações transdisciplinares dos dois campos do conhecimento. Na segunda parte da exposição, derivou a análise para campo da função pública, visando o entendimento da atividade de todos os que lidam com o espaço do Estado.

 

Ele falou inicialmente dos dois grandes campos no horizonte de compreensão da Ética: fenômeno social inscrito dentro de realidades históricas e integrada por práticas, convivências e perspectivas de vida, por um lado, e, em sua dimensão teórica, chamada tradicionalmente de Filosofia da Ética. “Acho importante estabelecer a distinção, porque temos a tendência a imaginar que a ética de um povo é necessariamente acompanhada de uma filosofia própria. Entretanto, a Filosofia da Ética desenvolvida pela tríade helênica na Grécia antiga não correspondia à ética do povo grego. Tanto que, por falar o que falaram, Sócrates foi morto, Platão foi preso e Aristóteles foi exilado”.

 

A seguir, distinguiu o que entende como as duas formas estruturais conhecidas da Ética, quais sejam, a antiga e a medieval, e tratou da história concreta das relações sociais e das noções de igualdade e desigualdade, justo e injusto, antinomias variáveis de acordo com o tempo, latitudes e costumes.

 

De acordo com Alysson Mascaro, Aristóteles desenvolveu a maior ética jurídica do passado, em sua Ética a Nicômaco. “Tudo que dizemos hoje sobre Justiça é eco do que disse Aristóteles”, asseverou. E afirmou que, para esse filósofo, a concepção de Justiça atrela-se ao “fazer da Justiça”; o homem justo é aquele que faz um ato justo, e o verbo da Justiça é dar, distribuindo ou retribuindo, conforme as condições concretas.

 

Ele esclareceu que a Ética medieval, segundo a qual a Justiça é feita pela unção da graça de Deus, opõe-se à Ética antiga. Se para Aristóteles, o exercício do Direito implica “apalpar” todos os lados de uma questão, para o juiz medieval, manda a tradição que ele não apalpe as circunstâncias do caso, mas observe a vontade normativa divina. “O Direito no mundo antigo é artesanato; no mundo contemporâneo é técnica, e a posição jurídica tende a ser pasteurizada”, comparou.

 

O expositor concluiu a análise comparativa afirmando que a Ética medieval normativa ganhou o ocidente e perdeu a ética antiga e situacional. E sustentou que o padrão da Ética do nosso tempo é o juspositivismo, cujo padrão de cumprimento de normas é o sucessor da medieval. Dessarte, a Ética contemporânea é sinônimo de obediência à norma, e a sociedade justa é aquela que a cumpre. “Para nós, a ética no agir público é seguir a regra, porque trocamos Deus (a Bíblia) pelo Código Civil, pelo estatuto da Ética. Mas a Ética normativa é altamente problemática, porque cumprindo normas, podemos fazer a humanidade chegar ao inferno. O nazismo consistiu em milhares de funcionários éticos, porque cumpriam a norma nazista”, alertou Alysson Mascaro.

 

A Ética jurídica triunfal do capitalismo

 

Em prosseguimento, Alysson Mascaro estabeleceu uma relação entre a forma de organização do capitalismo e o regime feudal, salientando o papel proeminente do Direito como garantia estatal do acúmulo infinito de capital. “O Direito agora se torna estrutural, intimamente conexo à relações capitalistas, em que o jurista cumpre um papel que é sucessor da função do padre”.

 

Ele lembrou que nas sociedades capitalistas todos os sujeitos são sujeitos de direito, e que, contra a desigualdade abominável e injusta do senhorio, existe a igualdade formal. “Até o século XVIII a hierarquia era justa. A partir do século XIX, a igualdade formal é a medida do justo”, observou.

 

No que tange à improbidade na condução dos negócios públicos, sustentou que todos são permeados pelo mundo da mercadoria. E observou que, nesse sistema, o problema da corrupção não reside na falta de norma, mas no capital que compra todos e inflige o sofrimento e a humilhação aos que não se vendem. “Para alguns, saúde é uma questão ética; para outros, é questão de mercadoria. O pressuposto ético fundamental é o da justa apropriação das riquezas do mundo, principal fundamento da Ética jurídica contemporânea”, afirmou.

 

Entretanto, apontou o que considera uma evolução do pensamento a partir do século XIX. “Percebeu-se que a Ética normativa gera uma sociedade injusta. Desde então, a Filosofia da Ética contemporânea vai tentar investigar as razões da estruturação da sociedade desse modo. A grande indagação da Ética contemporânea é por que todas as coisas do mundo capitalista assumem a forma de mercadoria?”

 

Como tentativa de resposta, o professor discorreu sobre a ideologia estruturante da vida a partir do nascimento, inculcada no inconsciente. “São práticas sociais reiteradas, uma subjetividade ética constituída que determina o arcabouço ético contemporâneo, segundo Foucault e Althusser”, ponderou. Também observou que o pensamento da Ética jurídica parte de um pressuposto difícil, eis que a quase totalidade das pessoas abrigam a certeza de que o capital está certo e que as coisas do mundo funcionam melhor assim. “Fazer uma pancada no coração das pessoas dizendo que o mundo está errado é muito difícil. Somente situações como uma injustiça pessoal, a dor de alguém, ou a franca disposição do coração aberto para pensar o mundo e o próximo é o que levam a uma transformação da sociedade. Para mudar essa realidade, as práticas sociais deverão ser cada vez mais superadoras do mundo da mercadoria”, sustentou.

 

Ao final da aula, Luis Manuel Fonseca Pires ressaltou que a proposta do curso foi realmente trazer uma reflexão que não fosse dogmática, mas provocativa e crítica. “Para isso era preciso que o início tivesse o vigor de um olhar humano, um olhar generoso, que provocasse uma reflexão sobre os nossos padrões e comportamentos, sobre a nossa forma de proceder na operação do Direito, para  sairmos do conforto das reflexões-padrão e pensarmos além, pensarmos o próximo como o outro, como alguém em quem podemos nos realizar também.”

 

ES (texto e fotos)


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