Nova teoria contratual é analisada no curso “25 Anos do Código de Defesa do Consumidor”
A professora Claudia Lima Marques foi a palestrante do curso 25 Anos do Código de Defesa do Consumidor no último dia 11. A aula versou sobre o tema “Contratos no CDC: a nova teoria contratual e os 25 anos do CDC” e teve a participação do desembargador Tasso Duarte de Melo, coordenador da área de Direito do Consumidor da EPM e do curso.
“A nova teoria contratual, consubstanciada no Código de Defesa do Consumidor, nasce da necessidade de reorganizar a relação contratual, por dois grandes princípios: o da boa-fé e o da confiança. São eles que permitirão a visualização do vulnerável e sua liberdade de escolha. O CDC foi tão bem feito que não sofre de deficiência desde a sua edição. Sofre apenas uma defasagem tecnológica”, ponderou preliminarmente Claudia Lima Marques.
Ela iniciou sua exposição sobre as mudanças operadas pela nova teoria contratual com uma analogia da sociedade. E observou que os sociólogos alemães costumam representar a Idade Contemporânea (ou pós-moderna) como um círculo, e a idade antecedente, a Moderna, como um quadrado. “O quadrado é o símbolo da perfeição, da racionalidade, tanto que o código na modernidade é um símbolo de perfeição, representando a totalidade. Esse Direito perfeito, neutro, puro, não ideológico de que é modelo o código alemão, tem todas as respostas concretas, tanto da hipótese legal quanto da consequência jurídica”, explicou.
A professora lembrou que, segundo o jurista brasileiro Miguel Reale, o Direito moderno, representado pela figura geométrica do quadrado, aproxima-se dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, pregados pela Revolução Francesa. Na perspectiva desse sistema jurídico, os homens livres e iguais serão fraternos, farão circular a riqueza, e a liberdade é instrumentalizada pelos contratos.
De acordo com esses mesmos sociólogos alemães, a fase anterior do Direito, a Idade Média, uma era econômica de escassez, onde seria muito difícil a circulação de riquezas, é representada por um triângulo, em virtude da sua imobilidade e da sua hierarquia. E ainda fatiam esse triângulo com os estamentos, que seriam o conjunto de direitos e deveres.
Entretanto, ponderou a palestrante, “esses mesmos autores alemães afirmam que o nosso tempo não é mais assim. Segundo eles, a segurança do código moderno acabou. Teríamos outro paradigma na pós-modernidade, representada pela figura geométrica redonda. Hoje, esse não-Direito representado pela Economia, pelas normas éticas ou morais, pela importância da boa-fé, esse pensar refletido no outro, é um princípio fundante do Direito do Consumidor em sua parte contratual”, sentenciou.
“E porque isto é importante para introduzirmos a nova teoria contratual?”, indagou. E ensinou que é justamente porque o consumidor, como sujeito de direitos a proteger, como vulnerável, nos termos do artigo 4º, inciso I do CDC e nas menções constitucionais que recebeu, faz a passagem do Direito moderno, mais positivado e posto, para o nosso desafio de aplicação do Direito contemporâneo, muito mais influenciado por elementos externos, como a economia, a moralidade, a raça, condições que antes que antes não eram juridicamente relevantes. “Transitamos assim de um Direito contratual lastreado no princípio abstrato da igualdade formal para um novo patamar, em que as distinções – como saber a idade e a cor do cocontratante –, passaram a ser relevantes. E esse novo tempo vai ganhando força justamente nos sujeitos de direitos”, sustentou.
O reconhecimento da capacidade plena e da vulnerabilidade
Ao estabelecer a distinção entre o Direito moderno e o contemporâneo, Claudia Lima Marques lembrou ensinamentos do jurista alemão Erik Jayme. Ela recordou que o professor de Heidelberg afirmou na obra Formas narrativas que o pluralismo de sujeitos acabará modificando as instituições de Direito Privado, quais sejam, a propriedade, a família e o contrato.
“Se tomarmos a ideia de que a instituição contrato participa da mudança da sociedade, esse sujeito de direitos fundamentais constitucionalizado será tratado no contrato como um cidadão de primeira classe. Se ele somar vulnerabilidades (lembrando aos colegas que a palavra vulnos vem de ferida, e não refere a capacidade), a noção de sensibilidade, aplicada ao idoso e aos consumidores, por exemplo, deverá ser considerada antes, durante e depois do contrato, na eficácia de suas obrigações”, ponderou.
Ela ensinou que, nesse novo mundo, nessa nova sensibilidade do homem, passaram a ser considerados os danos que antes não eram juridicamente relevantes, e hoje são danos de massa, como os danos morais e coletivos, por inscrição não comunicada ou errada, por uso da imagem e dos dados do consumidor, etc.
“Vejam que evolução desse homem do século XXI!”, exclamou. “O sistema de valores do Direito Privado, institucionalizados agora, são os valores da ordem pública da sociedade no futuro. O Direito Privado moderno, de certa forma, era facultativo, pois uma parcela dele podia ser disponibilizada por contrato. Em contraposição, essa nova sensibilidade dos sujeitos de direito pós-modernos, com ancoragem na Constituição, vai transformar essa parcela do Direito Privado em ordem pública. Suas normas passam a ter uma hierarquia superior”, observou a jurista.
De acordo com a palestrante, o que é novo a partir de 1988 é a constitucionalização do Direito, de que é exemplar o Direito do Consumidor. Por isso ele é revolucionário. “E porque essa revolução é tão importante?”, indagou. E citou a resposta de Erik Jayme, para quem o pluralismo de agentes, a constitucionalização e o reforço dos sujeitos de direito com vulnerabilidades a proteger, vão querer ter normas ou leis, e vão criar um pluralismo de fontes avassalador na virada do século XX para o XXI, que simboliza a complexidade do Direito na contemporaneidade, quando não se tem mais a expressão monolítica ou a pura verdade do Direito moderno. “Dentro dela, estão pequenos círculos que se correspondem, dialogam e se interpenetram. Estávamos acostumados a um Direito Privado de ordem pública contratual em virtude do tipo, e hoje temos leis especiais não só em razão da matéria, mas um pluralismo de fontes e uma sensibilidade por diferenças de papéis na sociedade. Não é mais o status da Idade Média, não é mais o contrato da Idade Moderna, mas uma legislação que visa proteger papéis fluídos ou grupos de pessoas que que exercem esses papéis, e um deles é o de consumidor”, ensinou.
O futuro da proteção contratual do CDC
Na segunda parte da aula, Claudia Lima Marques discorreu sobre a atualização do CDC, que tem como mentor o ministro do STJ Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, presidente da comissão de juristas incumbidos da tarefa. Ela informou que, segundo o ministro, a atualização é pontual, cirúrgica, com inserção de novos títulos e seções, não modificando nenhum dos artigos conhecidos, exceção feita ao artigo 49, não modificado em sua essência, mas aumentado.
“A atualização vai impactar a prática dos contratos de crédito (porque há um capítulo que será introduzido no CDC sobre prevenção e tratamento do superindividamento do consumidor pessoa física, objeto do Projeto de Lei 283/2012), dos contratos clássicos de compra e venda e de todos os demais contratos que acontecerem no ambiente virtual (porque será incluído também um capítulo que dispõe sobre o comércio eletrônico, objeto do Projeto de Lei 281/2012).
“Todos os consumidores são hipossuficientes em relação à tecnologia, e o futuro do Direito Privado é a proteção dos vulneráveis. Entretanto, o espírito da atualização garantirá mais 25 anos para o CDC”, sustentou a expositora.
ES (texto)