Ministro Rogerio Schietti profere aula inaugural do curso “Atualização em Direito Penal”
Com aula “Prisões cautelares e dever de motivação das decisões judiciais”, proferida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Rogerio Schietti Machado Cruz, teve início, no último dia 13, o curso de extensão universitária Atualização em Direito Penal da EPM. Realizada no Fórum Criminal da Barra Funda, a aula teve a participação do desembargador Luiz Augusto de Siqueira, conselheiro da EPM, representando o diretor da Escola, e do juiz Jamil Chaim Alves, coordenador do curso.
Rogerio Schietti observou inicialmente que o debate sobre as prisões cautelares é bastante propício. “Em nenhum momento da história republicana do país se falou tanto em prisões cautelares. E elas nem sempre são bem compreendidas, mesmo entre os profissionais do Direito, dada a complexidade das situações que podem justificar ou não a chamada ‘cautela extrema’”, ponderou. E salientou a importância do domínio do tema, porque, “não o tendo, corremos o risco de utilizarmos a prisão preventiva com fins não cautelares”.
Nesse sentido, afirmou que se critica, em todo o mundo, o uso excessivo das prisões cautelares, porque, em muitos países, como é o caso do Brasil, “o sistema punitivo não funciona a contento, principalmente no que diz respeito ao prazo de conclusão dos processos, e verifica-se a “desfuncionalidade” da prisão cautelar. “Muitas vezes se passa a ideia, quando se prende alguém cautelarmente, de que ele já está sendo punido. Na verdade é uma prisão que se sujeita a uma série de princípios e regramentos, sem os quais ela pode se tornar uma prisão de caráter penal, antecipatório ou punitivo, mas não é essa a sua função, porque é uma prisão de caráter preventivo”.
Ele ressaltou a Constituição Federal é a fonte principal de onde o profissional do Direito deve “buscar o suporte para sedimentar o caminho de suas construções mentais, quer no ato de acusar, quer no de defender e, principalmente, no de julgar”. E lembrou que a Constituição situa a liberdade e a segurança como valores supremos, no mesmo patamar de importância. “A função de qualquer profissional do Direito, e mais ainda do juiz, é a de tentar, nas suas ações, encontrar um ponto de equilíbrio entre esses dois interesses que parecem opostos mas se complementam, porque não é possível viver em sociedade sem liberdade, porém essa liberdade não se realiza, senão em uma sociedade em que todos tenham segurança, inclusive para expressar a sua liberdade em todo o seu alcance”.
Nesse sentido, ponderou que o equilíbrio entre a liberdade e a segurança materializa-se no processo penal – de um lado o poder punitivo ou coercitivo do Estado, que permite ao juiz aplicar a pena ou a prisão preventiva, e de outro o direito à liberdade do indivíduo de opor-se a ações ou intervenções abusivas na esfera da sua liberdade. “Daí a importância do processo penal como um instrumento não só de realização do Direito Penal, que permite a aplicação de penas, mas também de proteção do indivíduo contra eventuais excessos formais ou informais do Estado”, ressaltou, citando Luigi Ferrajoli, autor da obra Garantismo penal, para quem o Direito Penal tem a principal função de proteger o indivíduo contra as reações violentas formais ou informais do Estado e de terceiros. “É o Direito e o processo penal que permitem a nós ter assegurado o direito de que, no nosso dia a dia, não seremos vítimas de ações violentas e, mesmo quando praticarmos eventualmente um crime, teremos assegurados alguns direitos contra reações abusivas da própria comunidade (informais) ou do Estado (formais)”, esclareceu.
O ministro acrescentou que a atividade punitiva é realizada pelo Estado sob normas bem definidas, que legitimam seu poder, e com respeito à dignidade da pessoa humana – mesmo daquelas que não parecem se comportar como tal. “É nesse ponto que reside a maior dificuldade não apenas dos cidadãos, mas especificamente daqueles que labutam no foro, que é tratar do fenômeno criminoso como algo que deve ser enfrentado com a ferramenta do Direito. Fora do Direito, não há sociedade, há barbárie”, frisou. E ressaltou que, quando o Estado falha em sua tarefa, não exercendo sua autoridade ou não a exercendo a contento diante de uma violência, esse vácuo é o culpado pela própria sociedade, que reage informalmente de forma violenta com ações como linchamentos ou milícias, que são o reconhecimento da falência do Estado em responder de modo civilizado, justo e rápido àquela agressão feita àquele componente do grupo social.
Princípios norteadores das prisões cautelares
A seguir, Rogerio Schietti apontou os princípios que considera que devem nortear a atividade judicial na interpretação e na aplicação das normas cautelares pessoais, sob pena de ocorrer a “soltura de alguém que deveria ficar preso ou a prisão de alguém que deveria estar solto”: Favor rei ou favor libertatis (interpretação e solução mais favoráveis ao réu, em situações como a dúvida); dignidade da pessoa humana; presunção de inocência ou de não-culpabilidade; proteção penal eficiente; excepcionalidade; legalidade (permissão legal, pressupostos e condições de admissibilidade); jurisdicionalidade; provisoriedade; motivação; proporcionalidade; duração razoável da prisão; e bilateralidade de audiência.
O palestrante frisou que os princípios são uma maneira de assegurar que “a atividade coercitiva do Estado se fará do modo mais justo, proporcional, necessário, público e motivado possível”. Dentre eles, destacou a motivação da decisão, também conhecida como a “garantia das garantias”, porque permite avaliar se foram observados os outros princípios. E observou que um dos maiores problemas em relação às prisões preventivas é a motivação insuficiente da decisão, que deve ser específica para o caso concreto. “A motivação é o que dá legitimidade à função jurisdicional e transforma o processo em algo civilizado e não autoritário”, frisou, recordando que o dever de fundamentar as decisões judiciais já constava das Ordenações Filipinas, de 1603.
Ele explicou, ainda, que existem apenas duas prisões provisórias no ordenamento: a temporária, utilizada apenas no inquérito policial, em hipóteses específicas, e a preventiva stricto senso, decretada no momento em que o juiz homologa a prisão em flagrante, que é uma detenção provisória. Destacou também as características que conferem legitimidade ao decreto de prisão preventiva, fazendo com que se coadune com a presunção de inocência: excepcionalidade, legalidade e judicialidade.
Em relação à dignidade da pessoa humana, lembrou que ela também deve ser compreendida como algo que protege à vítima, inclusive em relação aos procedimentos processuais, para que não ocorra a “vitimização secundária”. “Nos últimos anos, tem havido uma preocupação crescente com as vítimas, não só dos segmentos mais vulneráveis“, observou, apontando a necessidade de se mudar a cultura. “A vítima sempre foi negligenciada pelo legislador, mas hoje é protegida e cabe a nós, juízes, mudar essa cultura e passar a olhar também para a vítima com uma visão mais garantidora de seus direitos”, ressaltou.
Por fim, Rogerio Schietti apresentou dados sobre o sistema carcerário no Brasil, lembrando que o País ocupa o 4º lugar em contingente prisional no mundo, com quase 600 mil presos, e possui uma taxa de encarceramento de 358 pessoas presas para cada cem mil habitantes.