Princípio do juiz natural é tema de aula do curso de Direito Processual Penal

O princípio do juiz natural como garantia do processo penal foi analisado pelo juiz Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira, coordenador da Área de Direito Processual Penal da EPM, em aula do 7º Curso de especialização em Direito Processual Penal, realizada ontem (19). A aula contou com a participação do coordenador do curso, juiz Jayme Walmer de Freitas.

 

No início da reflexão, o palestrante apontou a necessidade de se estudar princípios. Em seu entendimento, perdeu-se na contemporaneidade brasileira um pouco da ideia dos limites, do valor moral que deve estar embutido nos atos pessoais ou profissionais. “Estamos enfrentando uma fase de crise institucional extremamente difícil”, sustentou. E professou que o princípio está agregado ao valor que está acima da matéria, dando uma base do certo e do errado.

 

Carlos Oliveira comentou aspectos da referida crise no campo do Direito. “Estamos copiando o modelo norte-americano naquilo que tem de pior: o excesso de tecnicismo, pois estamos muito mais preocupados em aprender e ensinar a técnica do que entender os valores que deveriam estar em conjunto com ela.” De acordo com o palestrante, o modelo reflete um Direito extremamente positivado, já que “passamos a adotar o juspositivismo como sendo a segurança jurídica.”

 

Ele fez uma breve retrospectiva para detectar a origem e a evolução das correntes jusnaturalista e juspositivista do Direito. Falou da sobreposição do direito positivo (razão) sobre o direito natural (vontade), promovida pelos romanos; sobre o  jusnaturalismo sobreposto ao Direito positivado na Idade Média; e sobre a revalorização do juspositivismo a partir do Renascimento.

 

“Entramos no século XX com a ideia de que somente com o juspositivismo é possível estabelecer a isonomia entre as pessoas, já que o jusnaturalismo permitia distinções absurdas, como a noção da condição do rei determinada pela vontade divina”, ensinou o professor. Entretanto, apontou um problema na afirmação do juspositivismo. Explicou que,  com a elaboração das constituições dos vários Estados na modernidade, percebeu-se que o Direito positivado, escrito, revelava-se sem alma, em especial na Itália e na Alemanha.

 

O palestrante ensinou que, ao contrário do que as pessoas pensam, Hitler nunca revogou a Constituição de Weimar ou o Código Penal Alemão. Apenas criou algumas leis e interpretações favoráveis ao que entendia como vontade do povo alemão, e aí relativizou o Direito positivado. Em razão disso, acabada a Segunda Guerra e o morticínio de milhões de pessoas que ela instalou nos campos de concentração, não havia uma lei para julgar os crimes de guerra. Para criá-la e instalar os tribunais de Nuremberg e de Tóquio, os juristas tiveram que se basear no Direito natural. “A própria carta de criação da ONU é baseada numa ideia de Direito natural”, afirmou.

 

“Se pensarmos, como Kelsen (Hans Kelsen, 1881-1973, jurisfilósofo austríaco), que Direito é norma, que tudo começa e termina na norma, e que norma como abstração da ciência pura do Direito é poder do Estado, qualquer coisa pode ser reduzida a ela”, alertou Carlos Oliveira.

 

Em prosseguimento, defendeu que os princípios, em uma perspectiva sociológica, nada mais são do que fatos sociais que sofrem uma valoração dotada de historicidade naquela sociedade, e torna-se essencial àquela organização social. Ele retornou à ideia do declínio dos valores e princípios na sociedade brasileira, “agravado por um Estado ausente ou fraco, em que ninguém quer assumir sua responsabilidade”. De acordo com ele, esta é a razão pela qual não dá mais para se pensar um juspositivismo que não tenha elementos que deem uma moralidade externa à própria norma. “Porque a norma não tem moral; a moral vem de quem interpreta a norma”, sustentou.

 

O princípio do juiz natural

 

Adiante, Carlos Oliveira discorreu sobre o princípio do juiz natural. Ele recordou que o juiz natural tem origem na Magna Carta, assinada em 1215 pelo rei João Sem Terra, um documento que tornou limitado o poder da monarquia na Inglaterra, impedindo assim o exercício do poder absoluto. “Esse princípio funciona como um freio para que não se criem tribunais de exceção ou, melhor, para que se impeça que um determinado caso não seja julgado por um órgão que anteriormente já estava investido para julgá-lo. Noutras palavras, evitar o julgamento dirigido, direcionado”, sintetizou.

 

Ele aduziu que a esse “juiz natural” agregam-se outros princípios, como, por exemplo, o da reserva legal, que serve para impedir que alguém seja julgado na área criminal por uma lei posterior ao fato e, mais modernamente, a identidade física do juiz, útil para que o juiz que terminou a instrução seja aquele que vai julgar o caso. Entretanto, esclareceu que o princípio do juiz natural não é absoluto, porque um juiz pode falecer ou aposentar-se, impondo-se a necessidade de sua substituição. E acrescentou que todas as constituições brasileiras, desde 1824, à exceção da de 1937, do Estado Novo, previam o juiz natural.

 

ES (texto)


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