Teoria geral do Direito das Obrigações e sua axiologia são analisadas no curso “Sistema de Direito Civil”

O desembargador Renan Lotufo e o professor Giovanni Ettore Nanni, presidente do Instituto de Direito Privado (IDP), foram os expositores da aula do último dia 10 do curso Sistema de Direito Civil da EPM. Na oportunidade, foi debatido o tema “Teoria geral do Direito das Obrigações e sua axiologia”, com a participação do desembargador Nestor Duarte, coordenador da área de Direito Civil da Escola.

 

“A teoria geral do Direito das Obrigações se desenvolve em face de um Direito positivo. As obrigações estão aí para resolver problemas negociais e legais, e também permitir a reparação dos danos, quando houver a ilicitude”. Com base nesta assertiva, Renan Lotufo fez uma explanação da origem e da evolução da teoria geral do Direito das Obrigações. Ele ensinou que a primeira obra sobre o tema em solo pátrio é a do jurista Clóvis Beviláqua (1859 – 1944), autor do projeto do Código Civil brasileiro, redigido em 1901 e promulgado em 1916, tendo vigorado até a reforma operada pela Lei 10.406/2002.

 

No desenho do quadro histórico, ele comentou a fase do Direito romano, citando a definição contida no brocardo Obligatio est juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicuius rei solvendae, secundo nostrae civitatis jura, (a obrigação é um vínculo de direito pelo qual somos obrigados pela necessidade de pagar alguma coisa, segundo o nosso Direito), que se encontra nas Institutas, nome dado às obras elementares que encerravam os princípios do Direito, especialmente o código mandado redigir por Justiniano, imperador do Império Romano do Oriente.

 

“A origem do Direito das Obrigações pode ser identificada com a evolução da história da humanidade”, afirmou o palestrante. Ele lembrou que, nos primórdios da civilização havia uma predeterminação dos sujeitos, com o homem vivendo praticamente na caverna diante da ferocidade do mundo exterior. Nesse mundo, a sociedade se desenvolvia dentro da caverna e era conduzida por alguém que ficava à porta: o chefe, o líder.

 

“É importante considerar que, nessas sociedades, o líder era considerado uma decorrência da divindade, alguém que tinha o poder divinatório. Ele ditava as normas e todos a obedeciam, porque admitiam ser predeterminados pela fonte do poder. É a partir desse poder inaugural que temos a primeira relação jurídica de poder e sujeição, que hoje falamos tecnicamente, com mais propriedade, em potestade e sujeição”, ensinou. E observou que tais sociedades evoluíram para um convívio intergrupal, surgindo a necessidade primitiva da troca de bens, inclusive com procedimentos de proposta e aceitação, que é a ideia básica do contrato.

 

A seguir, falou sobre o início de uma nova era do Direito das Obrigações, aquela em que houve a transição do determinismo (pelo qual as obrigações tinham a característica da sanção pessoal), para o ordenamento da natureza e a autodeterminação, tratada pelos teóricos do Iluminismo e pelo filósofo Inmanuel Kant (1724 – 1804). “Quando o homem começa a ordenar a natureza, inicia também a auto-ordenação em sua relação social. Aí é que vem a grande mudança inicial do Direito das Obrigações”, sustentou.

 

Adiante, o palestrante lembrou a famosa Lex poetelia papiria, instituto do Direito romano pelo qual, na relação obrigacional, o inadimplemento deixa de acarretar uma sanção pessoal e passa a ter sanção patrimonial.

 

Também ensinou que, com as grandes navegações, começa a existir a relação individual em larga escala, base do Direito das Obrigações contemporâneo. “A teoria do Direito das Obrigações passou a demonstrar que, por um aspecto, era uma relação individual, nascida da obrigação relacional voluntária; por outro, que a obrigação também decorre da sujeição, ou seja, de um ato ilícito pelo qual quem o pratica fica sujeito a reparar o dano, surgindo então a obrigação ex legis. Essas duas origens vão permitir que se tenha, desde logo, a identificação dos sujeitos, que passam a ser determinados ou determináveis. Aqui, principia a relação de confiança entre as partes, a certeza das posições, em que um é credor e outro devedor.”

 

Em síntese, Renan Lotufo ensinou que o Direito das Obrigações difere dos demais por ser caracterizado por sujeitos determinados a priori, por ser transitório e por prever uma sanção patrimonial.

 

A interpretação valorativa da norma

 

Giovanni Ettore Nanni compartilhou reflexões a respeito da axiologia (estudo dos valores) no campo do Direito Civil, discorrendo sobre os princípios gerais inerentes ao Direito das Obrigações e sua aplicação aos institutos diante de casos concretos.

 

Ele mencionou a mudança de paradigmas havida com a edição do Código Civil de 2002, notadamente pela maior presença de princípios e pelas chamadas cláusulas gerais. “Tudo isso remete ao tema da interpretação, que depois de uma larga evolução, chega a um contexto de interpretação valorativa. A hermenêutica (interpretação), que era meramente formal, especialmente na gênese do Código Civil francês de 1804, transitou para a necessidade de criação e interpretação dos conceitos, buscando aprimorar e incluir o conteúdo axiológico ao Direito”, sustentou. Na perspectiva da necessidade da interpretação e da axiologia jurídica, asseverou que a ciência examina todos os valores e sua inclusão no sistema.

 

O palestrante recordou os ensinamentos do professor Miguel Reale, defensor da necessidade de interpretação valorativa. “Miguel Reale sempre mencionava a situação da concretude, a necessidade do Direito aplicado e não meramente abstrato, no qual é precária qualquer teoria hermenêutica jurídica cega ou infensa aos seus pressupostos fundantes”. Entre os pressupostos, o professor citou os valores de natureza aberta: vitais, econômicos, lógicos, estético e éticos. Também comentou o tópico da passagem do Direito abstrato para o concreto, analisado por  Renan Lotufo.

 

“A necessidade da interpretação valorativa é uma realidade no sistema geral do Direito”, frisou. Nesse contexto, lembrou os estudos do jurista italiano Natalino Irti, que demonstra o uso do valor no sistema jurídico, e menciona que “por detrás dos sistemas, de normas, vivem e se desenvolvem institutos sociais, categorias de interesses econômicos, grupos em ascendência e em declínio, fé religiosa e programas ideológicos. Escolher um sistema é portanto, escolher um mundo inteiro de valores materiais e morais, dividir com outros um contexto da vida e da história”.

 

ES (texto e fotos)


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