Corrupção é tema de debate multidisciplinar no curso “Teoria geral da improbidade administrativa”

O curso Teoria geral da improbidade administrativa apresentou um diálogo multidisciplinar sobre a corrupção no último dia 15, tendo como expositores o juiz e professor de Filosofia do Direito Alberto Alonso Muñoz, o filósofo Vladimir Pinheiro Safatle, o psicanalista Christian Ingo Lenz Dunker e o cientista político Cícero Romão Resende de Araújo. A aula teve a participação do desembargador Paulo Magalhães da Costa Coelho e do juiz Luis Manuel Fonseca Pires, coordenadores do curso e da área de Direito Público da EPM.

 

Na abertura dos trabalhos, Paulo Magalhães destacou a envergadura intelectual e a postura ética dos professores convidados, declarando que, com isso, “a Escola Paulista da Magistratura vai se aperfeiçoando e se tornando plural e crítica do Direito”.

 

Alberto Muñoz ressaltou que a ideia da mesa era “ampliar os horizontes de um fenômeno que estamos vivendo com bastante intensidade no Brasil: a corrupção. Deslocar a atenção do foro puramente exegético das normas da Lei de Improbidade Administrativa e passar a uma visão mais abrangente, nascida do debate. Para isso, a coordenação do curso convidou três professores cuja experiência e reflexão, a partir de ângulos diversos sobre a vida social, irão contribuir justamente para delimitar o que seja esse fenômeno, para podermos aprofundá-lo de um ponto de vista que não seja exclusivamente jurídico”.

 

Coube a Cícero Resende de Araújo o tratamento do tema “Política, corrupção e os homens cordiais”. Entre os tópicos abordados, ele recuperou o pensamento de Quentin Robert Duthie Skinner (Lancashire, Inglaterra, 1940), acerca da figura cristã agostiniana da Providência, expressão dos desígnios divinos, em oposição à pagã Fortuna.

 

“O contraste entre a Providência e a Fortuna é que esta última, uma figura do paganismo antigo, é apresentada não como uma força superinteligente, com um objetivo claro e que sabe o que quer desde sempre, mas como uma força caprichosa, que se identifica com o aleatório. Pode levar os homens ao sucesso em um instante e em outro arrastá-los para o fracasso. A Fortuna pode ser afrontada pela vontade humana orientada pela inteligência e pela virtude, principalmente a cívica, que em Maquiavel é uma combinação da força e da impetuosidade do caráter. Se a virtude é uma disposição para agir desafiando a Fortuna, a corrupção é o resultado justamente de uma falta de disposição para agir refletidamente, que resulta numa ordenação imprudente e inadequada das instituições políticas da cidade e do modo de vida aceito pelo conjunto dos cidadãos”.

 

Christian Dunker abordou a corrupção sob o olhar da história e da psicanálise, no contexto brasileiro. Ele lembrou que os colonizadores portugueses viam no Brasil uma terra sem rei e sem lei, um problema maior da ocupação de seu imenso território.

 

O psicanalista recordou as duas interpretações preponderantes no século XIX sobre a origem da generalização da corrupção no país. “A primeira diz que padecemos de um déficit crônico de implantação do individualismo liberal. A partilha entre esfera pública e privada, que teria sido estabelecida no início da modernidade, e se desdobrado nos diferentes projetos de subjetivação, não se teria efetuado propriamente na economia e na construção de nossas instituições, estabelecendo-se a confusão entre elas. Essa confusão, por si só, não seria um indutor do processo de corrupção, derivada do clientelismo e do favorecimento, do uso do espaço público a partir de interesses privados. É necessária a infiltração da segunda tese, que vem dos teóricos da cultura, que sempre afirmaram que o Brasil é um país que se destaca por seu sincretismo cultural, pela sua capacidade de organizar distintas matrizes étnicas e culturais, o que conduziria a uma espécie de resistência da pessoa e ampliação da família, tornando o país especialmente sensível à corrupção”.

A seguir, Vladimir Safatle fez uma reflexão política sobre o tema da corrupção na história da Filosofia. “A corrupção, dentro da reflexão política, é quase um tópico desqualificado, porque muitas vezes é compreendida como expressão meramente retórica de interesses particulares. Temos a compreensão de que os que falam contra a corrupção não têm práticas muito distintas daquelas que criticam. Isso cria uma situação evidente de uso parcial da moralidade. E sabemos muito bem que o maior inimigo da moralidade não é a imoralidade, mas a parcialidade, que estabelece a distinção entre as corrupções: a do meu inimigo, que é imperdoável, inaceitável, e a do meu grupo, que é um deslize. Esse tipo de raciocínio, infelizmente extremamente presente no debate público nacional, destrói profundamente a capacidade de se refletir a partir da corrupção. E a característica maior do Brasil nas últimas décadas é que não conseguimos transformar a reflexão sobre a corrupção em uma reflexão sobre a política pelo fato dela se transformar rapidamente numa espécie de embate retórico”, sustentou.

 

ES (texto e foto)


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