Ministro do TSE Tarcisio Vieira de Carvalho Neto fala sobre controle de constitucionalidade no curso de Direito Eleitoral
O ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), proferiu ontem (27), na EPM, a palestra “Controle de constitucionalidade no Direito Eleitoral”. A aula fez parte do 3º Curso de especialização em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral, promovido em parceria com a Escola Judicial Eleitoral Paulista (EJEP), e teve a participação dos desembargadores Antonio Carlos Mathias Coltro, presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), Mário Devienne Ferraz, vice-presidente e corregedor-geral eleitoral do TRE-SP e professor assistente do curso, e Jeferson Moreira de Carvalho, presidente do Instituto Paulista de Magistrados (IPAM), também professor assistente.
O palestrante iniciou sua exposição evocando a parte da teoria geral do Direito Público que estabelece as características basilares do Estado de Direito, quais sejam, a supremacia da Constituição, a separação de Poderes, a superioridade da lei e a existência de direitos e garantias individuais. Sob o prisma da contemporaneidade jurídica, asseverou ser preciso realçar que cada uma dessas características encontra-se doutrinariamente em processo de revisitação, a começar pela própria ideia de supremacia da Constituição.
O ministro recordou trabalhos da lavra do professor Luiz Moreira Gomes Júnior, no sentido de entender ser a Constituição uma espécie de simulacro, quando se entende ilimitado ou incondicionado o poder constituinte originário. “Essa ideia de poder incondicionado, absolutamente necessária para que se conceba a posteriori a ideia de supremacia, já é colocada numa forca doutrinária. Isso para não dizer também sobre a questão das cláusulas pétreas, dos limites à reforma, operáveis pelo poder constituinte derivado, a questão das limitações às mutações implícitas constitucionais. Todas essas ferramentas, estabilizadas na doutrina clássica, passam agora por um teste de validade à luz dessas novas compreensões”, sustentou o ministro.
Tarcisio Vieira comentou a seguir a rigidez constitucional e o controle de constitucionalidade, tidos como “os braços armados da ideia de supremacia da Constituição”. Ele argumentou ser “inútil colocar a Constituição no ápice da pirâmide normativa, tomá-la como regra de toda a hermenêutica infraconstitucional, se a todo instante modificarmos os parâmetros a partir da ausência de rigidez, e se não tivermos um controle de constitucionalidade que seja eficaz, no sentido de banir do ordenamento jurídico normas que traduzam uma incompatibilidade vertical com o texto constitucional”.
A interpenetração funcional dos Poderes na República
Em prosseguimento, o ministro comentou a questão da separação de poderes, “um tema clássico, de importância nevrálgica para o controle de constitucionalidade da Justiça Eleitoral, que está na alça de mira desse momento de revisitação dos institutos jurídicos”. E recomendou a leitura das obras do professor norte-americano Bruce Arnold Ackerman (1943), no sentido de uma nova separação de Poderes.
“Na época da sistematização magistral levada a efeito por Montesquieu, o mundo era bastante diferente. Hoje, é difícil isolar, dentro das funções do Estado, a função pura de administrar, de legislar ou de julgar. Convivemos a cada dia com interpenetrações funcionais muito eloquentes”. Para ilustrar a assertiva, lembrou, “no campo da edição de normas que criam direitos no vazio, a atuação normativa do Poder Executivo, à moda das medidas provisórias; a questão judicialiforme, levada a efeito pelos legislativos; e o poder normativo da Justiça Eleitoral”. E concluiu pela abertura da ‘sistematização de Montesquieu: “Hoje, a tripartição de poderes merece um outro tipo de olhar, em ambientes como o acadêmico, e isso vai deitar reflexos no poder normativo da Justiça Eleitoral e na terceira característica do Estado de Direito, que é a superioridade da lei”.
O professor também sustentou que não mais subsiste a ideia histórica da superioridade da lei, em função da legitimação advinda das urnas. “A ideia de que a lei seria superior aos atos administrativo e jurisdicional, porque estes seriam infralegais, também é fruto de um passado superado. Hoje não se trabalha mais com um conceito de legalidade puramente formal. Hoje, por legalidade, se entende a legalidade material, de índole principiológica, amalgamada com valores, com ideais republicanos, a partir da leitura do que está explícito e implícito no texto constitucional. Se, como exegetas, desprezarmos a ideologia subjacente ao texto constitucional, seremos desleais. Hoje, por lei, se entende um bloco de juridicidade”.
De acordo com o ministro, só a superação da visão “míope e tacanha” do positivismo jurídico propiciará o entendimento do papel da Justiça Eleitoral de cunho normativo. “Vamos entender, por exemplo, que os três poderes têm a mesma responsabilidade diante dessa legalidade substantiva e, porque não dizer, que os três poderes têm a guarda compartilhada da responsabilidade substancial”.
Tarcisio Vieira discorreu ainda sobre o desenho institucional da Justiça Eleitoral no Brasil e seus problemas. “Nós temos um sistema bastante diferente dos de outros países, com a administração das eleições a cargo do Poder Judiciário. Esse é um modelo que inspira alguns cuidados, quando se pensa na capacidade técnica de juízes para o encargo administrativo, embora se saiba que a inspiração desse modelo é a busca de maior segurança com a atuação do Poder Judiciário. Existem sistemas que vão desenvolver democracias tão ou mais ricas do que a nossa, em que há divisão de tarefas e segmentação total entre as atividades administrativa e jurisdicional.”
Ele levantou e debateu, finalmente, o chamado ativismo da Justiça Eleitoral. “Dentro da ideia de neoconstitucionalismo ou pós-positivismo jurídico, eu me pergunto se isso é ativismo judicial ou se é o papel contemporâneo que é dado ao juiz? Porque se os senhores tiverem uma visão extremamente positivista do que seja a atuação judicial, estarão trabalhando com a legalidade formal, aquele juiz que é a boca da lei e não o juiz contemporâneo, o juiz moderno, que é cônscio do seu papel social. Ou falamos essa linguagem superada, ou falamos essa linguagem contemporânea”, advertiu o ministro.
ES (texto)