Filosofia de John Rawls é estudada no curso “Teorias da Justiça”

"John Rawls: de Uma teoria da Justiça ao liberalismo político”, foi o tema da aula do último dia 4 do curso de formação continuada Teorias da Justiça da EPM, ministrada pelo professor Luiz Paulo Rouanet, subcoordenador do curso.

 

O palestrante discorreu sobre a perspectiva filosófica da paz como direito dos povos, tomando como base as obras A paz perpétua, (Zum ewigen frieden, 1795)  do filósofo prussiano Immanuel Kant (1724–1804), e O direito dos povos (The law of peoples, 1999), do norte-americano John Rawls (1921–2002).

 

“John Rawls claramente retomou propostas kantianas, seja em sua obra maior, Uma teoria da Justiça, seja em escritos intermediários, como Uma concepção kantiana da igualdade, de 1975, Construtivismo kantiano em teoria moral, de 1980, e Temas na filosofia moral de Kant, de 1989. Seja, por fim, no Direito dos povos, de 1999”. Com estas palavras, Rouanet iniciou sua preleção, em que traçou alguns paralelos entre as obras dos dois filósofos.

 

De acordo com Rouanet, Rawls realiza um kantismo sem transcendência, ou seja não pressupõe ou espera que os indivíduos sejam totalmente autônomos, guiando-se apenas pela razão. Procura estabelecer princípios que, ao mesmo tempo que atendam à exigência de racionalidade e moralidade, não dependam disso para que ela se efetive, tanto no plano doméstico como global.

 

Ele relembrou em primeiro lugar os principais aspectos da doutrina kantiana sobre a paz. Ressaltou o recurso da ironia empregada na obra, própria de quem não se leva excessivamente a sério. “Kant escreveu seu opúsculo, em parte com intenção irônica, em parte para combater certo cinismo a respeito do tema, então em vigor. Em particular, alude a uma tirada de Leibniz, o qual, ao comentar O projeto de paz universal do abade Saint Pierre [Charles-Irénée Castel ou abade de Saint-Pierre, 1658 – 1743], alude à placa de um cemitério, que conteria a inscrição “paz perpétua”. Que Kant tem intenção irônica, fica claro logo no primeiro parágrafo: ‘É inútil se perguntar se essa inscrição satírica, que figurava sobre o cartaz de um estalajadeiro holandês, reproduzida num cemitério, se dirige aos homens em geral ou particularmente aos chefes de Estado, sempre insaciáveis de guerra, ou então unicamente aos filósofos, que se entregam a esse doce sonho’”.

 

A despeito do estilo de alguém capaz de rir de si mesmo, o palestrante asseverou que esse exercício não impede o filósofo de desenvolver uma proposta séria em termos filosóficos, a respeito de uma proposta de paz entre as nações.

 

Adiante, examinou O direito dos povos, de Rawls. “O livro contém uma extensão de Uma teoria da Justiça. Não tem o mesmo grau de profundidade de sua teoria anterior. Não obstante, é um livro completo, com muitas pistas para o desenvolvimento de pesquisas da prática em política e Direito Internacional”, esclareceu preliminarmente Rouanet. E explicou que a obra compõe-se de quatro partes, incluindo a conclusão, e dois planos – o plano da teoria ideal e o da não ideal. “Na primeira parte do plano ideal, as sociedades democráticas vem ordenadas; na segunda parte, se contemplam também as chamadas ‘sociedades hierárquicas decentes’. No plano não ideal, as sociedades são imperfeitamente ordenadas e fora da lei”, complementou.

 

Em prosseguimento, esclareceu conceitos empregados pelo filósofo na obra comentada. Ensinou que Rawls entende por “direito dos povos” uma concepção política particular de Direito e Justiça, aplicável a princípios e normas do Direito Internacional e sua prática. Já “sociedade dos povos”, outro termo utilizado pelo filósofo, significa todas as pessoas que seguem as ideias e principios do direito dos povos em suas relações mútuas.

 

“O objetivo do direito dos povos é fazer com que todos os povos desenvolvam sociedades liberais ou decentes, isto é, sociedades justas. Desde já, é preciso esclarecer o que Rawls entende por ‘decente’: aquele que, mesmo não seguindo princípios das sociedades liberais, tenha a aceitação de seus cidadãos. Rawls exemplifica com um país imaginário, Cazanistão, uma teocracia moderada ou progressista. Nessa sociedade religiosa não há separação entre Estado e religião, mas os direitos humanos básicos são respeitados e há mecanismos de consulta popular razoáveis. Então, atendendo a essas duas condições, esses povos podem ser incluídos na sociedade dos povos, e por isso são aceitos no plano ideal da teoria”, explicou o professor.

 

Outro ponto destacado foi que Rawls introduziu a expressão “realismo utópico” para se referir à sua própria teoria, que consiste em partir de uma visão realista em política, sem abrir mão dos ideais. Nas palavras do filósofo, ‘a filosofia política é realisticamente utópica quando estende os limites da possibilidade política prática’. “Essa a ideia: partir do real sem abrir mão do ideal”, ponderou o professor.

 

Rouanet efetuou, por fim, um balanço das duas obras, buscando explorar a consequência do pensamento dos filósofos para o mundo contemporâneo e para as perspectivas para a paz no mundo atual.

 

ES (texto e foto)


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