Judith Hofmeister analisa evolução dos direitos básicos do consumidor na EPM

A professora Judith Hofmeister Martins Costa ministrou a palestra Direitos básicos do consumidor e sua evolução nos 25 anos do CDC” na EPM, no último dia 12. A aula fez parte do curso 25 Anos do Código de Defesa do Consumidor e teve a participação do desembargador Francisco Eduardo Loureiro, conselheiro da EPM e coordenador do curso.

 

Preliminarmente, ela apontou o fato de o CDC completar um quarto de século como um mote para reflexão crítica. “Estamos maduros para que essa análise ponha luz em alguns dos traços positivos advindos com o CDC, mas, por outro lado, também nos auxilia a questionar certos mitos construídos pelo senso comum dos juristas”.

 

A professora analisou, a princípio, o estatuto anterior à entrada em vigor do CDC e como se lê a normativa, passado tanto tempo. Ela recuou à década de 1930, marco inicial da industrialização e da urbanização no Brasil, recordando a inexistência da noção de direitos básicos e a proteção pontual à espécie de direito, lastreada nas regras do Código Civil, em leis especiais e na jurisprudência. “Um modelo evidentemente insuficiente”, observou.

 

A seguir, lembrou ensinamentos do jurista português Cunha Rodrigues, para quem os direitos básicos do consumidor se situam num quadro de transdisciplinaridade necessária. E aduziu que o rol do artigo 6º, nos quais centrou a análise, “compõe um conglomerado de princípios e de normas provindos de vários ramos do Direito que, de um modo geral, percorre todo o texto”.

 

Ela ensinou que a maior parte dos princípios que enformam o CDC atravessam toda a história do pensamento jurídico, como as categorias fundantes da teoria das obrigações no Direito Civil: Rebus sic stantibus (estando as coisas assim), Neminem laedere (a ninguém ofender), Suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu) e a boa fé, materializados nos artigos 3º, 5º e 6º. Lembrou ainda as influências do Direito Administrativo, como, por exemplo, o poder de Polícia ou poder sancionador presente nos incisos IV e VII; as normas sobre prestação de serviço público, conforme inciso X; do Direito Constitucional, haja vista a proteção a bens da personalidade humana, conforme inciso I; o aproveitamento do Direito Comercial e  Concorrêncial, como por exemplo, a proteção contra métodos comerciais coercitivos e desleais que está no inciso IV; e também do Direito Processual, no inciso VII.”

 

Judith Hofmeister explicou que o modelo compósito do CDC – “um seccionamento de determinados ramos do Direito para a composição de um corpus normativo” – compõe um sistema legal inovador, relativamente ao modelo sistemático ou à forma como se faziam os códigos. Entretanto, observou que, de acordo com a cláusula geral do artigo 7º, esse corpus não esgota a proteção ao consumidor.

 

A cegueira dos civilistas quanto ao entorno macroeconômico

 

Em prosseguimento, asseverou que o Código estabeleceu a ponte entre o direito do consumidor e a realidade social. Tomando como exemplo o modelo clássico do contrato de prestação de serviços, “genérico, unitário e comutativo”, ela asseverou que as relações contratuais anteriores atribuíam pouca importância à vulnerabilidade do consumidor. “O contrato era visto como uma categoria pela qual direitos e obrigações são resultantes de uma vontade livremente declarada pelas partes, caracterizando uma cegueira da doutrina em relação às trocas entre produtores e consumidores. A essa verdadeira escassez legislativa, se juntava a tibieza da doutrina. Não costumava ser posto em evidência pelos doutrinadores, com raríssimas exceções, o caráter mistificador dos instrumentos de formalização jurídica”, sustentou.

 

De acordo com a palestrante, diante da realidade da sociedade de massas, era absolutamente impossível permanecer de pé, em certos setores, o mito da igualdade entre os contraentes. Ela lembrou como exemplo os contratos de compromisso de venda e compra de casa própria. “Esse contrato, na forma do Código Civil, não tutelava os interesses daqueles que não tinham capital para compra à vista, quais sejam, os operários e a classe média urbana que começava a surgir nos anos 30, que ficavam totalmente à mercê de loteadores e especuladores”.

 

Recordou ainda que, com o advento dos contratos de adesão, a jurisprudência andou à frente da doutrina na proteção ao consumidor,  ganhando impulso, ao reconhecer eventos como abusividade de cláusulas, propaganda enganosa e  cláusulas excludentes do dever de indenizar.

 

Ideologia, lógica e estruturação do CDC

 

“O mais importante é que compreendamos a base ideológica da estruturação do CDC. A norma adotou a teoria sociológica dos papéis sociais, reunindo em seu corpus todas as relações atinentes ao papel social de consumidor. Essa intenção está de acordo com o espírito do artigo 4º, que preconiza a transparência e a harmonia do interesse de ambos os participantes da relação de consumo”, comentou Judith Hofmeister.

 

Ela ensinou ainda que o CDC traz o postulado normativo da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, cuja racionalidade reside no reconhecimento pela lei da assimetria estrutural entre os sujeitos da relação de consumo, o fornecedor e o consumidor e, ainda como um postulado, a coibição eficiente de todos os abusos. “No meu entender, essas são as normas-chave do CDC, que estruturam suas demais regras, fundadas na centralidade de um código nucleado na finalidade da lei e na combinação entre normas abertas e normas pontuais”. Entre as abertas, que fazem o protagonismo da concreção dos direitos básicos do artigo 6º, comentou o direito à vida, à saúde e à segurança, previstos no inciso I.

 

“Quando reflito sobre a lista do artigo 6º, penso que é preciso ressignificar o inciso II, que coloca como direito básico do consumidor “a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços”. A ressignificação que proponho é que não apenas haja educação sobre o consumo, mas educação para o consumo, porque o direito do consumidor não pode ser confundido com a ideologia do consumismo, que leva à destruição do meio ambiente e ao que chamo coitadismo jurídico”, afirmou a palestrante.

 

ES (texto)


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