Justiça internacional contemporânea é analisada no curso “Teorias da Justiça”

O procurador regional da República André de Carvalho Ramos ministrou a palestra “Justiça internacional no mundo contemporâneo” na EPM, no último dia 18. A aula fez parte do curso de formação continuada Teorias da Justiça e teve a participação do professor Luiz Paulo Rouanet, subcoordenador do curso.

 

O palestrante fez uma retrospectiva que abarcou desde os primórdios do Direito Internacional até o impacto dele no Direito interno, e uma prospecção de seu desenvolvimento futuro. Ele iniciou a preleção valendo-se de um oxímoro (figura de linguagem que busca a aproximação entre palavras de sentidos opostos) para definição do tema:  “olhando a evolução histórica do Direito Internacional, poderíamos definir a Justiça internacional como um inferno congelado”. Mas ponderou, a seguir, que o Direito Internacional não convive com esse conceito desde a sua criação, porque ele é típico dos desafios apresentados aos Estados soberanos no século XX.

 

André Ramos assinalou a dificuldade do estabelecimento de marcos específicos para as disciplinas jurídicas. “São processos de consolidação para os quais usamos marcos mais no sentido pedagógico e de reflexão crítica do que, efetivamente, uma data da criação da disciplina”, esclareceu.

Adiante, ensinou que a disciplina Direito Internacional retrata a necessidade social de uma convivência minimamente pacífica entre Estados soberanos. E concluiu que “a ascensão dessa disciplina está relacionada com a consolidação desse modelo de organização social, que é o Estado nacional, cujos marcos normativos tem os seus primeiros exemplos em solo europeu. Depois, com a expansão colonialista europeia, esse modelo ganha corpo e hoje, por exemplo, a ONU possui nada mais nada menos que 193 Estados”.

 

Ele assinalou como marco das normas a serem seguidas no plano interestatal a chamada “Paz de Vestfália”, dois tratados de 1648 que puseram fim ao primeiro grande conflito europeu, a Guerra de Trinta Anos, “coroando um corpo de normas que regem as relações entre Estados soberanos”. Antes dele, comentou os primeiros estudos sistemáticos sobre o tema, realizados no século XVI pelo catedrático espanhol Francisco de Vitoria (1483–1546) na chamada Escola de Salamanca, e a publicação do primeiro manual sobre a matéria, Do Direito da guerra e da paz, “uma espécie de atestado da maturidade da disciplina”, editado em 1625 pelo holandês Hugo Grócio (1583–1645).

 

“Os temas desse Direito Internacional clássico (séculos XVII a XIX) são relacionados às interações entre os Estados: fronteiras, tratados, comunicação, regime jurídico dos diplomatas e guerra. Nesse ponto, os Estados aceitam aquilo que vai significar quase que um emasculamento do Direito Internacional, que é o uso legítimo da força, e as grandes reorganizações dos Estados nessa época são feitas pela força. As guerras constantes faziam com que o ideal de convivência pacífica original do Direito internacional fosse muitas vezes calado, gerando um desequilíbrio incompatível com a ideia de Justiça”, observou o professor.

 

De acordo com André Ramos, o Direito Internacional clássico vai se colocar lentamente como um Direito que convive com os Estados soberanos, mas que é composto por normas vinculantes, ou seja, aquelas às quais os Estados deram sua anuência prévia, configurando o que foi chamado “paradoxo do Direito Internacional”, porque, cumprindo-as, o Estado soberano limita a sua própria liberdade. Mas apontou as principais marcas de insuficiência desse Direito: a exclusão dos países reputados não civilizados de sua esfera e a admissão da guerra de conquista colonial. “A guerra como um fator de superação das normas obviamente enfraquece qualquer anseio por Justiça Internacional”, comentou.

 

A derrocada do Direito Internacional clássico

 

Diante da notória assimetria entre Estados no Direito Internacional clássico, o professor discorreu, adiante, sobre o resgate dos ideais doutrinários de um Direito Internacional de todos e da paz entre as nações no século XIX. Nessa esteira, comentou a obra de Kant A paz perpétua, afirmando que era possível uma comunidade das nações diante da superioridade dos interesses comuns em face das divergências.

 

“A guerra como instrumento de obtenção de finalidade política passa a ser extremamente dispendiosa e destrutiva pela conquista de armamento mais sofisticado e transporte mais rápido das tropas. Serviu de estímulo à reflexão para a busca da superação do Direito Internacional clássico. A faceta mais evidente dessa superação, seria a abolição do uso da força nas relações internacionais. No final do século XIX, na Conferência de Paz de Haia (1899), já se buscava a restrição de usos e práticas militares e formas jurídicas alternativas de solução de litígios, como o apelo à arbitragem internacional, uma tentativa de asfixia da guerra pelo surgimento de soluções pacíficas de controvérsias entre os Estados”, lembrou André Ramos.

 

Ele sustentou que o Brasil utilizou ao extremo a arbitragem no final do século XIX e que, graças à essa atuação, o país firmou com segurança seus marcos fronteiriços, destacando a figura do Barão do Rio Branco como o arquiteto dessas arbitragens vitoriosas.

 

No âmbito das relações entre Justiça e Direito Internacional, discorreu adiante sobre “o choque dos imperialismos”, resultando na fracassada busca da paz e a recidiva das duas guerras mundiais. Mas, nesse contexto, apontou uma evolução do Direito Internacional. E citou o Tratado de Versalhes, a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Liga das Nações, “com uma resposta inovadora, o chamado mecanismo de segurança coletivo, que vai ser reproduzido na ONU décadas depois, pelo qual uma agressão à paz seria respondida não somente pelo Estado agredido, mas pelas maiores potências militares da época, que teriam sede no Conselho da Liga das Nações”.

 

Comentou ainda a instituição da Corte Permanente de Justiça Internacional, sediada em Haia, o primeiro tribunal internacional permanente de âmbito global. De acordo com o palestrante, o estatuto desse tribunal, em seu artigo 38, forneceu solidez às fontes do Direito Internacional. “Aquilo que era, na prática dos Estados, centrado em tratados e costume internacional, passou a ter uma dimensão normativa mais evidente”. Entre essas fontes, que visam a regência pacífica da conduta dos Estados, comentou o Pacto Briand–Kellog, de 1928, que traz a proibição do uso da guerra de conquista, “a semente que vai levar à proibição genérica do uso da força, prevista na Carta da ONU”.

 

A afirmação do Brasil no cenário do Direito Internacional

 

“Há um desafio muito grande na contemporaneidade, na qual vicejam diversos tribunais internacionais”, afirmou André Ramos. E comentou a postura brasileira em relação a esses tribunais, asseverando que o país está plenamente envolvido no processo de construção e atualização do Direito internacional.

 

Entre os órgãos da jurisdição internacional que contam com o reconhecimento, ratificação e participação do Brasil, citou a Corte Interamericana de Direitos Humanos (desde 1998), o Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional (TPI), em 2002, o Tribunal Permanente de Revisão (TPR), o Tribunal Internacional do Direito do Mar, a Organização Mundial do Comércio (OMC). Citou ainda órgãos de defesa dos direitos humanos, como o Comitê de Direitos Humanos (HRC), a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial (CERD) e o Comitê contra a Tortura. Mencionou, finalmente, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), o principal órgão judiciário da ONU, salientando que “o Brasil não reconhece a jurisdição obrigatória e geral dessa corte, mas já ratificou mais de cem tratados que têm como cláusula de dissolução de controvérsia a CIJ”.

 

ES (texto e foto)


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