Garantias fiduciárias e dos coobrigados na recuperação judicial são analisadas no curso “Dez anos da Lei de Recuperação e Falência”
O desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, coordenador pedagógico da EPM, foi o palestrante da aula do último dia 25 do curso Dez anos da Lei de Recuperação e Falência. Ele discorreu sobre o tema “Garantias fiduciárias e dos coobrigados na recuperação judicial”, com a participação do desembargador Manoel Justino Bezerra Filho, coordenador do curso e da área de Direito Empresarial da EPM.
O palestrante iniciou a exposição sobre a cessão fiduciária de crédito na recuperação judicial, regrada na Lei 11.101/2005, enfatizando a complexidade do tema, “que desde o início tem trazido tantas dúvidas para os que operam no processo”. Ele destacou, sobre esse aspecto, a atuação dos magistrados de primeiro grau como “os desbravadores da lei, ao enfrentar as questões práticas de sua aplicação, no sentido de se formar e criar a jurisprudência que, depois, vai se cristalizar em súmulas do STF e do STJ”.
Pereira Calças lembrou que a lei, ao tratar do soerguimento da empresa em crise econômico-financeira, aboliu a concordata preventiva e suspensiva do ordenamento positivo pátrio, deixando de ter a disciplina exclusivamente voltada para os credores quirografários (desprovidos de garantia real de pagamento), passando a incluir nos seus efeitos praticamente todos os créditos constituídos até a data em que é protocolado o pedido de recuperação judicial, com exclusão de alguns, expressamente tipificados no § 3º do artigo 49, entre os quais o do credor fiduciário.
Ele comentou ainda o disposto no caput do artigo 49, segundo o qual “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. De acordo com o palestrante, o dispositivo traz a dificuldade de harmonização com outros regramentos colocados pelo legislador ao longo do texto normativo.
Citou, como exemplo, o fato de terem sido colocados a salvo dos efeitos do plano da recuperação judicial os fiadores, os responsáveis pelo regresso, os demais garantidores e os avalistas. “Em linhas gerais, o que o legislador está nos avisando é que tudo aquilo que for convencionado no âmago da recuperação judicial, se não for negociado com os credores da empresa em crise, não vai ter eficácia sobre as garantias reais ou pessoais que foram instituídas em relação àqueles créditos subordinados à eficácia recuperacional”, sustentou.
Adiante, comentou o § 2º do artigo 49, cuja redação dispõe: “As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial”. Segundo interpretação do palestrante, isso significa que o plano de recuperação não é obrigado a abranger todas as obrigações, e a empresa em recuperação pode formular um plano que exclua determinados credores dos efeitos da recuperação judicia”.
Pereira Calças discorreu ainda sobre as modalidades de fidúcia no Direito Romano, entre as quais a fiducia cum creditore (fidúcia com credor), introduzida no Direito positivo brasileiro por meio da Lei de Mercado de Capitais (4.728/65), constituindo-se a natureza jurídica da propriedade fiduciária como direito real de garantia, praticada até os dias atuais.
Ao final da exposição, apresentou algumas conclusões, ponderando que poderiam ser úteis aos profissionais do Direito envolvidos no processo jurisdicional de recuperação empresarial.
Afirmou, em primeiro lugar, ter restado consolidado que “a cessão fiduciária de crédito tem natureza jurídica de negócio fiduciário e está enquadrada na expressão “proprietário fiduciário” do artigo 49, § 3º, razão pela qual a empresa em recuperação judicial figura como fiduciante, e seus créditos cedidos não se submetem aos efeitos da recuperação judicial”.
A segunda conclusão é que “o registro do instrumento de cessão de crédito no Registro de Títulos e Documentos no domicílio do devedor tem natureza constitutiva, mas tem que ser providenciado antes do protocolo do pedido de recuperação judicial, sob pena de ser reputado crédito meramente quirografário (sem garantia real de pagamento)”.
Em terceiro lugar, asseverou que “a ressalva contida na parte final do artigo 49, § 3º, que não permite a retirada do estabelecimento dos bens de capital essenciais à atividade empresarial, não incide sobre crédito cedido fiduciariamente, bem móvel incorpóreo, visto que já transferida a titularidade e a posse ao credor fiduciário para que ele possa promover diretamente a cobrança do devedor originário. Em síntese, crédito cedido fiduciariamente não é considerado bem de capital na acepção econômico-jurídica desse termo”.
Pereira Calças encerrou a exposição ensinando que “a legislação de regência admite que a cessão fiduciária tenha por objeto créditos presentes, isto é, recebíveis performados ou futuros, recebíveis a performar”.
ES (texto e fotos)