História e perspectivas do júri são discutidas no curso de Direito Processual Penal

A evolução do Tribunal do Júri no país foi analisada em aula ministrada na EPM, no último dia 28, pelo advogado Roberto Delmanto Junior, presidente do conselho da Escola Superior da Advocacia. A preleção fez parte da programação do 7º Curso de especialização em Direito Processual Penal e contou com a participação do juiz  Pedro Aurélio Pires Maríngolo, professor assistente do curso.

 

“Estamos vivendo uma revolução no Direito Penal e no Processo Penal brasileiro, uma reviravolta em questões investigatórias”, pontuou o palestrante. E sustentou que essa revolução deriva do fenômeno da globalização da corrupção, na qual o processo penal está se tornando cada vez mais internacionalizado. Para ilustrar, comentou as prisões recentes de membros da Fifa pela polícia norte-americana, na Suíça. “Quem diria que chegaríamos ao ponto de interação entre países, com a tecnologia permitindo a queda de fronteiras e a aproximação das pessoas”, comentou.


Roberto Delmanto discorreu sobre a história do Tribunal do Júri, “um patrimônio brasileiro”, enfatizando a sua tradição no ordenamento jurídico pátrio, “já existente no Brasil imperial, nas chamadas Ordenações Afonsinas, que foram aplicadas ao processo da conjuração mineira”.

 

Ele discorreu sobre o período imediatamente anterior à Independência, citando a lei de 18 de junho de 1822, pela qual foram instituídos os chamados “juízes de fato”, um Conselho de Sentença integrado por oito jurados, escolhidos entre 24 indicados, recrutados entre cidadãos “bons, honrados, inteligentes e patriotas”, para julgar delitos contra a liberdade de imprensa, reiterado após a Independência, em novembro de 1823. Também falou sobre a criação do Júri pela Constituição Imperial de 1824, como órgão do Poder Judiciário com ampla competência até 1841, para julgar todas as questões criminais e civis.

 

“Data dessa época a resistência, sob o argumento de que os jurados não teriam discernimento para julgar causas cíveis, mais complexas e difíceis”, ensinou o professor. Entretanto, afirmou que essa expressão absoluta da soberania popular manteve-se até 1830, quando foi criada por lei, pela primeira vez, o “Júri de Acusação” (hoje equivalente ao juiz singular responsável pela pronúncia) e o “Júri de Julgação”, para o julgamento (que é o atual Conselho de Sentença).

 

De acordo com Roberto Delmanto, com a edição do Código de Processo Criminal do Império, de 1832, o “Júri de Acusação” sofreu pequena modificação, passando a ser integrado por 23 jurados e o “Júri de Sentença” ou de “Julgação” ganhou a formação de 12 jurados, eleitores (homens), possuidores de bom senso e probidade, excluídos os que não gozassem de conceito público, inteligência, integridade ou bons costumes. “É curioso como as coisas mudam no tempo. Havia o requisito da inteligência, como hoje, em muitos projetos de lei, há o requisito de que o funcionário público seja honesto”.

 

Em prosseguimento, comentou a Lei 261/1841, regulamentada pelo Decreto 120/1842, fruto de revolta em São Paulo e outros Estados da Federação, pela qual se restringiu a competência do júri, acabou-se com o “Júri de Acusação” e excluiu-se da soberania popular “questões mais sensíveis como os crimes funcionais, de contrabando e as questões indenizatórias”.

 

O processo gradativo de diminuição da competência do Júri foi ampliado com a edição da Lei 562/1850. Mas a competência voltaria a ser ampliada 20 anos depois, com a edição da Lei 2.033/1871, quando volta a abranger questões cíveis e criminais, organização essa vigente até a República, em 1889.

 

De acordo com o professor, a Constituição republicana de 1891 viria  consagrar a instituição do júri. Por ela, outorgou-se aos Estados brasileiros a competência para legislar em matéria processual penal, vedada a limitação do número de jurados por tratar-se de garantia constitucional. “Como a Constituição não restringiu nem falou sobre competência, nas primeiras décadas da nossa República a competência era amplíssima, abrangendo inclusive questões cíveis. Só escapavam do júri os crimes de responsabilidade de funcionário público, contrabando, resistência, fuga de presos, arrombamento de prisões, crimes falimentares e contravenções com pena inferior a seis meses”, esclareceu.

 

Roberto Delmanto lembrou que o primeiro caso de júri enfrentado por seu avô, Dante Delmanto, em 1929, foi o do furto de um bezerro, em um tempo em que ainda se podia contar nos dedos o número de promotores de Justiça em atuação na esfera do Estado: um em Santos, outro em Campinas, e quatro na capital. “Hoje, temos quase 900 mil presos, dos quais aproximadamente 55% respondem por crimes contra o patrimônio. São mais de 60 mil presos cumprindo pena só por furto. Então imaginem, hoje, o crime de furto sob a competência do júri, algo impraticável”, ponderou.

 

Ele ressaltou o caráter avançado e democrático dos juízes nos primórdios da República. Citou como exemplo o magistrado Amphilophio de Carvalho, que tinha o costume de dizer ao interrogado, na década de 1920: “Devo dizer-lhe que não tem a menor obrigação de responder-me. Mas se responder, compreenda o que digo, para não dizer aquilo que porventura não quiser dizer”.

 

O palestrante falou ainda de outros avanços e recuos no movimento pendular da história do júri no país. E asseverou que a confirmação da instituição jurídica como garantia constitucional viria com a carta magna de 1946, pela qual se restabeleceu a soberania dos vereditos e sua competência foi fixada para julgar os crimes dolosos contra a vida.

 

“O júri sobreviveu ao golpe militar de 1964, às constituições posteriores, figurando no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição de 1988”, concluiu o professor. Em sua forma jurídica atual, de acordo com a redação do inciso XXXVIII do Art. 5º do texto constitucional: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

 

ES (texto)


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