Aplicação dos meios alternativos para a solução dos conflitos de consumo é discutida no curso de Direito do Consumidor
A utilização da conciliação, da mediação e da arbitragem nos litígios de consumo foi tema da aula de ontem (9) do 4º Curso de especialização em Direito do Consumidor da EPM, ministrada pela desembargadora Maria Lúcia Ribeiro de Castro Pizzotti Mendes (foto), coordenadora adjunta do curso.
Maria Lúcia Pizzotti iniciou a discussão estabelecendo a distinção teleológica entre o sistema de Justiça e o que preferiu chamar métodos resolutivos de solução de conflitos. “Embora corrente, a expressão ‘métodos alternativos’ é conceitualmente inadequada, pois ser alternativo implica substituir algo que existe por algo melhor, e creio que o sistema de Justiça não é pacificador de conflitos, mas naturalmente impositivo e determinante”. E concluiu que os métodos resolutivos de solução de conflitos, adredes ao sistema de Justiça, realmente se propõem a solucionar o problema das partes “sem preliminares, sem condições da ação, sem pressupostos processuais, sem provas, sem discussão, sem contraditórios, sem contraditas, sem recurso e sem resposta do recurso”.
A palestrante sustentou que, com a informalidade, o pouco engessamento e a flexibilidade que a conciliação e a mediação têm, consegue-se chegar ao cerne da questão, que é o problema da parte. “A grande vantagem desses métodos é que estão dando certo no mundo inteiro. De acordo com os dados da Justiça norte-americana, somente 22% dos conflitos transformam-se em processos e são julgados, porque 78% deles começa e termina na mediação”.
Adiante, ela apresentou um panorama da jurisdição brasileira na matéria. Falou do aumento de 300% das ações consumeristas após o ano de 2000, cujos grandes litigantes são bancos, concessionários de serviços públicos, condomínios, planos de saúde, comércio virtual, etc. E asseverou que o sonho da solução dos conflitos pela via da conciliação e da mediação, “vital para o trabalho do magistrado e para os anseios da sociedade”, está mais próximo de ser alcançado. “Parece redundante, mas é importante lembrar que a grande vantagem do método autocompositivo é que dele participam os próprios envolvidos, ao contrário do sistema comum de Justiça com seus métodos impositivos (heterocompositivos), quais sejam, as sentenças, os acórdãos e a arbitragem”.
Diante da insuficiência do sistema adversarial, por sua morosidade, alto custo, ausência de eficácia (resultado prático da sentença), índice de 35% de ações sentenciadas sem julgamento de mérito, distância entre o juiz e o jurisdicionado, ela apontou os benefícios da cultura da paz. “A falta de resultado é muito ruim, e a gente precisa dizer isso às partes quando tentamos estimulá-las à tentativa de autocomposição; precisamos criar uma outra vertente de trabalho, porque não dá mais para trabalhar com o gigantesco volume de processos, nem tampouco criar mais cargos”, ponderou.
A inserção da conciliação e da mediação no sistema de Justiça
Em prosseguimento, a palestrante falou da prática da mediação e da conciliação no âmbito dos tribunais, antecessora da positivação no sistema jurídico brasileiro. “A mediação e a conciliação não tiveram um nascedouro jurisprudencial, mas na própria sociedade e – importante dizer como premissa – foi algo que nasceu empiricamente.” Ela lembrou, a propósito, o antigo artigo 331 do CPC, anterior à reforma havida em 1994, que preconizava a conciliação como ato processual obrigatório; o recuo havido com a reforma, que tirou a obrigatoriedade do ato processual.
Ela discorreu também sobre a litigiosidade excessiva, sobre o estímulo ao consumo, que levou ao endividamento de 55 milhões de brasileiros, tendo como uma de suas consequências a ampliação das demandas consumeristas. E citou, nesse contexto, os esforços para o descenso das demandas em São Paulo, como o primeiro projeto piloto de conciliação do país, instalado no Fórum João Mendes Júnior há 11 anos, independente de matéria e valor da causa.
No âmbito da conciliação preventiva, ela citou a experiência da criação do Posto Avançado de Conciliação Extraprocessual do Trabalhador (PACET), um convênio entre o Tribunal de Justiça de São Paulo, o Governo do Estado e a Prefeitura, com apoio da Associação Comercial, que buscou o esclarecimento de trabalhadores com dívida e o convite aos credores para audiência de conciliação, “uma ideia simples, que deu certo, porque diminuímos um número enorme de processos do Juizado Especial Cível e da Justiça comum”.
De acordo com a palestrante, o trabalho desenvolvido levou à consideração da chamada advocacia preventiva ou advocacia consultiva, “uma das áreas bem remuneradas no Direito norte-americano, ainda incipiente no Brasil. Essa advocacia preventiva poderia ser muito bem trabalhada em compasso com a mediação e a conciliação, inclusive quando se vislumbra o litígio”, observou.
Ao falar sobre a abertura gradual para a aplicação dos métodos resolutivos de solução de conflitos às ações de natureza pura consumerista, ela lembrou as ações programáticas com vistas de autocomposição para o descenso do número de ações patrocinadas contra ou ajuizadas pelos grandes litigantes, entre as quais o acordo obtido em uma ação civil pública contra a concessionária do serviço de fornecimento de energia elétrica no Estado, cujo êxito repercutiu em todo o país.
Maria Lúcia Pizzotti lembrou ainda a criação dos Centros Judiciais de Solução de Conflitos (Cejuscs), do Setor de Conciliação no segundo grau da jurisdição, e comentou a gestão estratégica do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TJSP, cujo principal investimento é a mudança da cultura adversarial.
Ela concluiu o histórico com a afirmação de que qualquer conflito é passível de tentativa de conciliação, e o melhor investimento é nas causas repetitivas, porque os resultados costumam ser mais expressivos. E sustentou que todo conflito tem origem num problema de comunicação, marcado pelo distanciamento dos envolvidos ou pela falta de clareza textual, que pode ser perpetuado pelo distanciamento entre a parte e o juiz.
“A primeira coisa que o conciliador ou o mediador deve fazer no início dos trabalhos não é perguntar às partes se tem acordo, porque esta é justamente a última pergunta depois do percurso do procedimento, pontuado pela fala mútua, escuta ativa e participação equânime e direta dos envolvidos”, alertou.
A positivação da autocomposição no Direito processual
No campo da positivação no Direito brasileiro, a palestrante passou a comentar aspectos do marco legal da Lei 7.169/2014, que regula o método autocompositivo da mediação, aprovada no último dia 2 de junho pelo Senado, e também o novo Código de Processo Civil, em fase de Vacatio legis. “O diploma processual (Lei 13.105/15) repõe a obrigatoriedade da audiência de conciliação ou de mediação, de acordo com o artigo 334 e determina a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos pelos tribunais, de acordo com os artigos 165 a 176”, explicou.
Adiante, falou da abertura para “dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública”, por meio da criação de câmaras de mediação e conciliação, conforme artigo 174, inciso I. “Isso vai respaldar a instrumentalização da mediação e conciliação pela área do Direito Público”, asseverou.
Maria Lúcia Pizzotti comentou, finalmente, o esforço do legislador para ressaltar a importância da conciliação e mediação, “a ponto de aprovar um Código de Processo Civil com um capítulo inteiro, tão expressivo no sentido de definições e princípios da conciliação e mediação como matérias processuais”. Nesse sentido, destacou que o Código qualifica como ato atentatório à dignidade da Justiça o não comparecimento injustificado das partes à audiência de conciliação, sancionando-o com multa pecuniária, de acordo com o § 8º do artigo 334. “É o legislador processual civil recepcionando o instituto da conciliação e da mediação, dando a ela credibilidade, profissionalizando, institucionalizando e dizendo da necessidade de remuneração pelo trabalho”, salientou.
ES (texto)