Posse e ações possessórias são debatidas no curso “Questões práticas de Direito Civil”

O desembargador Francisco Eduardo Loureiro, conselheiro da EPM, foi o palestrante da aula de hoje (10) do curso Questões práticas de Direito Civil. A aula versou sobre o tema Posse e ações possessórias” e contou com a participação do desembargador Nestor Duarte, coordenador do curso e da área de Direito Civil da EPM.

 

O palestrante discorreu sobre questões afetas à regulação do Direito Possessório, constantes dos artigos 1.196 a 1.224 do Código Civil e também dos artigos 920 a 933 do capítulo de procedimentos especiais do Código de Processo Civil (correspondentes aos artigos 554 a 568 do novo CPC, ora em período de vacatio legis), “que afligem e geram problemas e controvérsias para aqueles que julgam ou lidam com a posse”.

 

Francisco Loureiro observou, inicialmente, que as bases fundiárias dominiais registrárias do Brasil sempre foram, ao longo do século XX, muito frágeis. E apontou, em razão dessa fragilidade, os conflitos fundiários em alguns estados do Brasil, como o Pará, Tocantins, e mesmo no Estado de São Paulo. “Isso denota uma má constituição fundiária do sistema brasileiro, e onde o sistema fundiário não funciona, as pessoas litigam no sistema possessório”, comentou.

 

Ele fez ainda a observação preliminar de que o Código Civil de 2002 não mudou substancialmente, em relação ao diploma de 1916, no que tange ao capítulo da posse. De acordo com o palestrante, a razão é que o sistema possessório foi altamente testado ao longo de quase um século, tanto que as soluções brasileiras para a disciplina foram observadas pelos legisladores portugueses e italianos, quando reformaram seus códigos nas décadas de 70 a 90 do século passado.

 

Francisco Loureiro tratou inicialmente da definição de posse e daquilo que a descaracteriza, reputando-se mera detenção da coisa. “O nosso código não define o que é posse”, asseverou. Mas observou que o artigo 1.196 diz quem é possuidor, e que deriva da dicção desse artigo uma ideia de posse. “É possuidor aquele que, de fato, detém todos ou alguns dos poderes típicos do proprietário. Em primeiro lugar, posse é uma situação fática de quem agiria como o dono em relação ao que é seu, tirando proveito da coisa, dando-lhe uma destinação econômica e social, defendendo-a e conservando-a. Mas esse exercício gera múltiplas consequências jurídicas, direitos e obrigações. Nesse ponto, a posse é diferente da propriedade; é senhorio de fato, ao passo que a propriedade é senhorio de direito sobre a coisa. Normalmente, posse e propriedade andam de mãos dadas, porque o dono da coisa é também o seu possuidor. Mas a posse não se confunde com a propriedade, e por isso é comum proprietários sem posse e possuidores sem propriedade”, ensinou.

 

No que concerne à capacidade, asseverou que são capazes para o exercício da posse pessoas físicas e jurídicas, capazes e incapazes, e até mesmo os entes sem personalidade jurídica, mas dotados pela lei de personalidade judiciária para a defesa de seus integrantes, como o condomínio, o espólio e a massa falida.

 

Aspectos problemáticos da jurisdição possessória

 

Em prosseguimento, o palestrante falou sobre o que não é posse. “Há pessoas que se comportam como o dono, de forma intencional e consciente, mas não são possuidores, porque a lei rebaixa e veda-lhes essa condição. São pessoas que têm os elementos da posse – corpus e animus –, mas a lei lhes proíbe a condição de possuidoras, sendo rebaixadas pelo ordenamento jurídico. Chamo essas pessoas de “detentores”. Ele comentou os obstáculos à posse dos detentores, caracterizados nos artigos 1.198 como “fâmulos” ou “servos” da posse, “eis que a mantém em nome alheio, hierarquicamente subordinados a um terceiro, faltando-lhes independência e autonomia. São casos clássicos o do empregado, do caseiro, do preposto e do mandatário”.

 

Ele lembrou que o STJ tem afirmado em diversos acórdãos que aquele que ocupa imóveis públicos não tem posse, e sim mera detenção. Entretanto, sustentou que a posição não é conceitualmente correta, “porque a experiência nos grita que quem ocupa imóvel público, especialmente se não é um bem de uso comum do povo, como o caso das favelas e comunidades, tem posse e não detenção”. E argumentou, em favor da tese, que o remédio jurídico para a recuperação desses imóveis é a ação possessória.

 

“A confusão conceitual que se faz com frequência no STJ e nos tribunais estaduais é acharmos que, como os bens públicos não são usucapíveis – e realmente não o são, conforme artigos 183 e 191 da Constituição Federal e 102 do Código Civil. Mas o fato de não serem passíveis de usucapião, não significa dizer que seus ocupantes não tenham posse, porque a têm ad interdicta, razão pela qual podem usar as tutelas possessórias”, ponderou.

 

Ainda sobre a vedação jurídica da posse ao ocupante, ele lembrou os atos de mera permissão ou tolerância (compartilhamento voluntário e provisório da posse) e aqueles violentos ou clandestinos, previstos no artigo 1.208 do Código Civil.  Recordou ainda a possibilidade de ingresso da ação de legitimação de posse pelo ocupante de imóvel público (Lei nº 6.383/76), “procedimento pelo qual, se procedente a ação, o possuidor pode eventualmente adquirir a propriedade sobre o imóvel público depois de cinco anos”.

 

Adiante, falou sobre os efeitos da posse e tutela possessória. Ele lembrou a natureza autônoma da posse em relação ao direito de propriedade, não mais sendo vista, como na doutrina do século XIX, como um estágio avançado em defesa da propriedade, “tanto que o possuidor pode valer-se da tutela possessória até mesmo contra o proprietário e sair vencedor”.

 

Adiante, comentou aspectos da posse justa e injusta, com foco nas questões mais problemáticas para a jurisdição sobre esse tema. Ele citou o artigo 1.200 do Código Civil, que caracteriza como posse injusta a posse violenta, clandestina ou precária. E confrontou esse dispositivo com o artigo 1.208 do Código Civil. Lembrou, oportunamente, os ensinamentos de Pontes de Miranda (1892 –1979), corroborado por José Carlos Moreira Alves (1933), autores para os quais, “enquanto persistir a violência e a clandestinidade, não há posse, mas cessada a violência e a clandestinidade, nasce uma posse injusta, porque sua origem é violenta ou clandestina”.

 

Francisco Loureiro comentou ainda o surgimento da posse precária, quando “a posse começa bem e termina mal”. Ele explicou que começa bem porque direta e justa – como no caso da cessão de posse por meio de contrato de locação, do comodato, do usufruto, da alienação fiduciária, do compromisso de venda e compra de imóvel, etc. –, mas acaba mal quando o possuidor não restitui a coisa no tempo certo, caracterizando, nessa hipótese, posse precária ou injusta”.

 

Comentou, finalmente, a especificidade dos institutos possessórios, quais sejam, a reintegração de posse, a manutenção de posse e o interdito proibitório caracterizadas pelo esbulho, pela turbação ou ameaça, respectivamente, e a fungibilidade dessas ações, consoante a alteração do estado da coisa no curso da ação.

 

ES (texto e fotos)


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