Aspectos da execução penal são analisados no curso de Direito Processual Penal
O juiz Jayme Garcia dos Santos Junior (foto), assessor da Corregedoria Geral da Justiça e coordenador da área de Execução Penal da EPM, discorreu sobre o tema “Execução penal – corregedoria de presídios e regime disciplinar diferenciado” na aula do último dia 10 do 7º Curso de especialização em Direito Processual Penal.
O palestrante iniciou a preleção com uma reflexão sobre a obrigação do Estado para com o preso. “O Estado não tem a obrigação de reinserir ninguém na sociedade, de ressocializar ninguém, porque todos nós, independente da nossa condição de existir naquele momento, somos socializados. O cárcere é uma realidade social, e não um segmento apartado da sociedade. Adotei o termo “recolocação do preso em sociedade”, e isso não é um jogo de palavras ou uma retórica vazia”.
Jayme Garcia sustentou que a abordagem adequada da execução penal, na busca dos melhores caminhos para promover a recolocação social da pessoa presa, implica no abandono da antiga roupagem do juiz de Direito, que julga ter esgotado a atividade jurisdicional “naquele ambiente plano e chapado do processo e na segurança de seu gabinete”. Ele asseverou que o ato de proferir uma sentença que decide algum pedido de benefício da pessoa presa é a atividade mais fácil.
“Temos que ingressar no cárcere, trazer a sociedade conosco, e nos colocarmos lado a lado com a pessoa presa, em um diálogo de convergência, para entendermos os seus anseios, as suas expectativas, o que ela pensa lá dentro e qual a perspectiva de vida que ela terá quando sair: isso é execução penal. E um bom juiz de execução penal, além de conhecer o Direito, deveria ter um amplo conhecimento de Antropologia, porque é através dela que nos conhecemos, conhecemos o outro e criamos a empatia”, defendeu.
De acordo com Jayme Garcia, é esse exercício de interdisciplinaridade que fará com que o juiz entenda os dois comandos principais da Lei 7.210/84, expressos no artigo 1º e considerado o principal objetivo da normativa: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”
Ele reforçou essa posição com a leitura do fragmento de um texto de autoria de Fernando Teixeira de Andrade (1946-2008): “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo. E esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia. E se não ousarmos fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos”.
Na esteira deste pensamento, sustentou que, para o estudo da execução penal, é necessário “despir a roupagem exclusivamente jurídica, com um viés de mero uso da pena como retribuição e expiação pelo mal que a pessoa causou à sociedade, e vestir a roupagem de quem enxerga na pessoa presa um semelhante, cuja condição de estar presa é uma condição de existir e não de ser”. E asseverou que só assim será possível resgatar o cárcere como segmento social para que a sociedade e os poderes constituídos, inclusive o Judiciário, procurem os melhores caminhos para promover a recolocação social da pessoa presa, causando dessa maneira um impacto tanto na vida em sociedade, e principalmente num dos seus aspectos, que é a segurança pública. “Mas será que conseguiremos alcançá-lo?”, indagou. E afirmou que hoje, no contexto carcerário e da lógica de funcionamento do sistema prisional brasileiro, referido comando legal inscrito no artigo 1º da Lei de Execução Penal não está sendo cumprido.
A ineficácia da cultura do aprisionamento
Jayme Garcia apresentou um panorama da situação carcerária no Brasil. De acordo com os dados apresentados, são 607.731 presos no país, sem contar os beneficiários do regime aberto. Ele ressaltou que o número de vagas disponíveis não atende essa demanda, pois o sistema conta com 376.669 vagas, havendo um déficit de 231.062, equivalente a uma sobretaxa de ocupação de 161%. Outro dado relevante é que 41% do total de presos são provisórios, à espera de uma sentença, que pode ser condenatória ou absolutória.
Ele salientou que a análise da taxa de aprisionamento revela uma tendência ao agravamento da situação. “O Brasil é hoje o quarto país do mundo em população carcerária, atrás dos Estados Unidos, China e Rússia. Mas, a despeito desses países terem uma população carcerária maior que a nossa, a taxa de ocupação, com exceção dos EUA, não supera a capacidade. E no que diz respeito à taxa de aprisionamento, eles vêm experimentando um decréscimo, ou seja, têm prendido menos, enquanto nós, na contramão, temos prendido muito mais”.
Com relação ao decréscimo do aprisionamento nos três países que lideram o ranking, ele afirmou que isso revela a nítida percepção de que embora a pena de prisão seja necessária para determinadas espécies de crime, eles perceberam que, tal como utilizada naquela cultura de aprisionamento em massa, principalmente nos EUA, não conseguiriam diminuir a criminalidade, e dar um tratamento penal adequado para as pessoas presas.
“A pena de prisão, por si só, não era um instrumento efetivo e eficaz para que se combatesse a criminalidade e se promovesse a boa recolocação social da pessoa presa. Então buscaram alternativas à pena de prisão, hoje em moda no Brasil. E o segundo aspecto que pesou para os três países foi a percepção de que não teriam dinheiro para bancar o aprisionamento de tantas pessoas e que, ainda que tivessem os recursos para a construção de prisões, não atingiriam um resultado prático na redução da criminalidade”, comentou o palestrante.
Ainda no âmbito dessa “cultura de aprisionamento e, principalmente, aprisionamento como antecipação de pena”, contra a noção da pena de prisão como instrumento efetivo e eficaz para que a pessoa presa vislumbre melhores perspectivas e alcance uma boa recolocação social”, ele observou que o Brasil começou a enxergar a realidade e a buscar alternativas a partir da metade da década passada. Comentou ainda o alto custo da aplicação da pena privativa de liberdade para o Estado: “uma pessoa condenada a uma pena restritiva de direitos custa, em média, R$ 40,00 em São Paulo, com uma taxa de reincidência entre 5% e 7%, enquanto uma pessoa presa custa para o Estado uma média de R$ 2.500,00, e a taxa de reincidência é estimada em 70%”.
Jayme Garcia discorreu, finalmente, sobre a sanção disciplinar pelo cometimento de falta disciplinar grave, um regime de disciplina carcerária especial, caracterizado pelo maior grau de isolamento do preso e de restrições ao condenado com o mundo exterior, objeto da Lei 10.792/2003, que alterou alguns dispositivos da Lei de Execução Penal. Ele lembrou que o Regime Disciplinar Diferenciado teve origem no Estado de São Paulo, por meio de ato normativo da Secretaria de Administração Penitenciária (Resolução 26/2001), editada após a rebelião no ano de 2001, que envolveu 29 estabelecimentos penais, 4 cadeias públicas e 25 unidades prisionais afetas à pasta da Administração Penitenciária. “Depois dessa rebelião, o Estado entendeu que era necessário coibir com mais firmeza esse tipo de ato e editou a resolução.”
ES (texto)