Núcleo de Estudos em Direito Urbanístico discute moradia e propriedade

Os magistrados integrantes do Núcleo de Estudos em Direito Urbanístico da EPM reuniram-se ontem (24) para debater o tema “Moradia e propriedade”. O tema foi apresentado pelo juiz Luis Manuel Fonseca Pires, coordenador da área de Direito Público da EPM.

 

O palestrante anunciou preliminarmente os contornos de sua exposição: pensar a relação com a terra a partir do pensamento filosófico-político do século XVII, e como isso é materializado no Estado de Direito, tomando como referência teórica a obra do ideólogo do liberalismo, John Locke (1632–1704), e do filósofo político e escritor suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) acerca da propriedade.

 

“Locke argumentava a ideia de um contrato no Estado social. O valor fundamental desse pacto é a liberdade, e uma dimensão muito clara da liberdade é a propriedade. Para o filósofo, se a liberdade é um valor supremo, um direito natural porque universal, tudo que se produzir como resultado dessa liberdade, inclusive o trabalho, é também um direito natural por consequência. Então, se sou livre e trabalho a terra, e o que produzo como resultado é um direito natural, a propriedade da terra é um direito natural”, pontuou o expositor.

 

Luis Manuel sustentou, sob esse aspecto, que o ensaio A origem da desigualdade entre os homens, de Rousseau, contrapõe-se à tese de Locke, pois o filósofo suíço afirma que há muitos elementos históricos que fundam a desigualdade. “Um desses elementos é justamente a ideia de que, em algum momento, alguém demarcou a terra e disse ‘isto é meu!’, e esse alguém estava cercado por pessoas suficientemente ingênuas para acreditar que aquilo poderia ser dele. Esta é uma crítica muito dura que Rousseau faz sobre a propriedade e como ela se constitui na sua formação original”, observou.

 

O expositor sustentou que, nesses contrapontos entre os dois pensadores, o que prevalece na formação do Estado de Direito em relação à propriedade é a ideia de Locke. E comentou que, no início da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, marco fundamental do Estado de Direito, redigida com a Revolução Francesa, quatro direitos naturais (universais) são positivados: a liberdade, a segurança, o direito de resistência a uma oposição injusta, e a propriedade. Mas apontou uma particularidade: o fato de que o direito à propriedade é afirmado como sagrado, no último artigo do texto (17).

 

A noção da propriedade como algo sagrado e sua função social

 

“Temos a formação de um Estado de Direito que parte da ideia da propriedade como resultado da liberdade, algo natural e absoluto, mas que passa a ter na sua fundação um valor que a ultrapassa, porque é o único direito afirmado como sagrado”, resumiu o expositor. E asseverou que as primeiras resistências à ideia de uma propriedade da qual o povo estava privado, só viriam com as revoluções de 1838 e 1948, a chamada “Primavera dos Povos”, considerada a primeira revolução global. “Não por acaso, essa é a época em que surgem pensadores que tentam se contrapor àquilo que se materializa, com Marx e Engels e Proudhon, para quem a propriedade é um roubo”, observou.

 

De acordo com o palestrante, surgiu no século XX a ideia de tentar equacionar melhor a propriedade, com as primeiras constituições socialistas, a do México (em 1917) e a de Weimar (em 1919), que procuram afirmar a função social da propriedade e a proteção ao trabalho.

 

“Daquela propriedade que se forma no século XIX, eminentemente egoística, que se sobrepõe a tudo, até mesmo à liberdade, temos uma reequação, no início do século XX, que é tentar, pela ideia do Estado social, reconduzi-la a um compromisso com o outro. Deriva dessa ideia a noção da propriedade como um direito fundamental comprometido com a função social, como está nos artigos 5º, 23 e 170, inciso III da Constituição de 1988”, asseverou.

 

Luis Manuel comentou, finalmente, a propriedade pública como um conceito que tem sido remodelado ao longo dos últimos anos, passando a ter uma dimensão minimizada em relação ao papel do poder público. E mencionou, a propósito, a edição do comunicado nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que trata da moradia. “O comunicado tem um papel importante no Brasil, sobretudo com a emenda constitucional do artigo 6º, que elevou a moradia à condição de direito social, passando a ter uma autonomia em relação à propriedade”.

 

ES (texto e fotos)


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