Ministro Luís Roberto Barroso faz palestra sobre Direito Constitucional na EPM

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso proferiu hoje (28), a palestra Casos difíceis e nova interpretação constitucional na EPM, para magistrados, assistentes jurídicos e escreventes do TJSP. O evento integrou a programação do Núcleo de Estudos em Direito Constitucional da Escola, coordenado pelo juiz Renato Siqueira De Pretto, com coordenação adjunta do juiz Richard Pae Kim.

 

O diretor da EPM, Fernando Antonio Maia da Cunha, fez a abertura dos trabalhos, agradecendo a presença do ministro e dos participantes.

 

Nas considerações preliminares, Roberto Barroso ensinou que o universo da interpretação jurídica tradicional leva em consideração os elementos gramatical, histórico, sistemático e teleológico. “Sob o ponto de vista gramatical, as possibilidades semânticas do texto fornecem as possibilidades interpretativas; já a interpretação histórica busca resgatar a intenção original do legislador; pelo viés sistemático, interpreta-se uma norma jurídica dentro do contexto geral que ela integra, respeitando-se as fórmulas tradicionais de solução dos conflitos normativos; de acordo com a interpretação teleológica, por fim, o juiz deve interpretar o ordenamento jurídico de modo a realizar da melhor forma possível os fins visados pelo ordenamento jurídico geral”.

 

Adiante, discorreu sobre as categorias que modificaram os paradigmas interpretativos tradicionais. “Uma das conquistas do Direito Constitucional contemporâneo no Brasil foi o tratamento da Constituição como um documento jurídico, o reconhecimento de sua força normativa, com aplicabilidade imediata, que deve ser instrumento de trabalho dos profissionais do Direito”, frisou o ministro.

 

Ele ensinou que, na medida em que a interpretação jurídica constitucional se incorporou à vida brasileira, desenvolveram-se alguns princípios específicos de interpretação constitucional, quais sejam: o princípio da supremacia (pelo qual interpreta-se a Constituição como norma hierarquicamente superior às demais); o da presunção de constitucionalidade; o da interpretação conforme a Constituição (que adota uma técnica pela qual se declara inconstitucional uma possibilidade interpretativa, afirmando-se outra que é compatível com a Constituição); e o princípio da unidade (do qual decorre a inexistência de hierarquia entre normas constitucionais).

 

Roberto Barroso lembrou a questão das biografias autorizadas, decididas em data recente pelo STF: “foi em nome do princípio da unidade que o STF declarou inconstitucional o artigo 20 do Código Civil, precisamente porque o dispositivo hierarquizava o direito de privacidade em relação à liberdade de expressão, dando preferência ao direito de privacidade”.

 

De acordo com o ministro, junta-se aos quatro princípios da prática constitucional brasileira e do mundo o princípio da razoabilidade/proporcionalidade, “que serve sobretudo como um roteiro argumentativo, uma estrutura de raciocínio para resolver as colisões normativas”. Ele falou ainda do sexto princípio específico de interpretação constitucional, a efetividade, “pelo qual os juízes, ao interpretarem o sistema jurídico em geral, devem procurar realizar, na maior extensão possível os mandamentos constitucionais”.

 

Ele explorou, por fim, um último componente ligado à interpretação jurídica tradicional, “a percepção que prestava reverência excessiva ao formalismo jurídico, uma visão mecanicista do Direito, pela qual a interpretação jurídica consistia em fazer a subsunção dos fatos a determinadas regras, pronunciando-se uma conclusão. “A cultura jurídica tradicional que vigeu no Brasil, durante muito tempo, era uma cultura que acreditava que as regras jurídicas traziam em si soluções prontas para os problemas jurídicos, de modo que, quando o problema ocorria na vida real, o papel do juiz era identificar o fato relevante, a norma aplicável e pronunciar a consequência jurídica resultante do enquadramento do fato na norma”.

 

Roberto Barroso asseverou, no entanto, que a vida nem sempre é tão singela, e que os mecanismos da interpretação jurídica tradicional, embora resolvam boa parte problemas, deixam de resolver uma grande quantidade deles.

 

Ele falou ainda das transformações na sociedade e no Direito que fizeram com que o modelo tradicional de interpretação jurídica se tornasse insuficiente para dar conta dos novos problemas surgidos “a partir de uma sociedade que se tornou progressivamente mais complexa, marcada pelo pluralismo e diversidade”. Lembrou, por exemplo, que a Constituição de 1988 mudou de maneira significativa a maneira como se reconhece a família no Direito brasileiro, que passa a prever três modalidades legítimas: a que resulta da união estável; das situações monoparentais; e das uniões não convencionais, além de uma quarta modalidade, que são as famílias homoafetivas.

 

Como exemplo dessa complexidade na vida e na jurisdição, ele lembrou os chamados “casos difíceis”, que não podem ser solucionados pelos métodos tradicionais da interpretação jurídica, como o pedido de um casal surdo-mudo para que, mediante intervenção genética, o filho que viesse a ser gerado também fosse surdo-mudo e pudesse, assim, compartilhar o mesmo universo do casal; e o pedido de fecundação de uma mulher com sêmen congelado de seu marido morto, cuja consequência seria a alteração da ordem de vocação hereditária.

 

“A característica comum a esses casos é que não existe uma solução pronta no ordenamento jurídico para nenhum deles. E por não haver uma solução em uma prateleira jurídica, o juiz há de construí-la de maneira argumentativa. A subjetividade do juiz passará a fazer toda a diferença”, frisou Roberto Barroso.

 

ES (texto e fotos)


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